domingo, 1 de dezembro de 2013

O valor do tempo

Por um indigno escravo de Nosso Senhor


 O valor do tempo

"Só o não fazer bem nenhum é já um grande mal" (S. Francisco de Sales)."

Se observamos atentamente a vida de muitos cristãos, acharemos que eles não parecem estar no mundo para mais nada senão para não fazerem coisa alguma, ou, ao menos, coisas de proveito. Todas as horas do dia e da noite são gastas em atender ao corpo, à sua pessoa, à sua comodidade e bem-estar, sem as empregarem nalguma ocupação útil, sem terem um ideal digno e elevado, sem trabalharem nem pouco nem muito por Deus, pela sua alma, nem pelo bem do próximo. A cama, a mesa, o jogo, a conversa, o passeio, o café, o teatro, as excursões recreativas..., eis aqui o único campo que estes personagens inúteis cultivam; eis aqui os ídolos a quem eles prestam culto. Estão inteiramente dominados pelo vício da ociosidade; levam uma vida só de gozo e moleza; de cristãos não têm senão o nome. 

Sem chegar ao extremo destes, há outra classe de pessoas, principalmente entre as senhoras e moças de certa classe, que passam por boas porque ‘não fazem mal a ninguém’; que praticam, em pequeno grau, a piedade; que ouvem a Missa nos dias de festa (geralmente a que se celebra a hora adiantada, porque costumam levantar-se muito pouco tempo antes dessa hora); que rezam algumas orações que sabem de cor, ao levantar e ao deitar, e poucas mais durante o dia; que pertencem, talvez, a alguma confraria piedosa, a cujos exercícios de regra assistem raras vezes e para passar o tempo; que se confessam e comungam de vez em quando; que acodem a ouvir alguns sermões, se o pregador tem fama e é do seu agrado, ou a alguma grande solenidade religiosa, onde se possam mostrar piedosas e, ao mesmo tempo, satisfazer em parte, o seu desejo de exibição...; mas, afora isto (que, afinal, é tudo muito superficial) não fazem mais. 

Adotar uma vida de piedade sóbria e regrada; abraçar aquelas práticas ascéticas que exigem alguma mortificação ou vencimento de si mesmo; privar-se dos seus gostos, dos seus caprichos, dos seus divertimentos favoritos, das imodéstias e das modas, dos espetáculos profanos, sempre frívolos, frequentemente perigosos, às vezes abertamente imorais; dedicar-se a algum trabalho sério, em que empregar o tempo proveitosamente; impor-se algum sacrifício a favor do próximo; tomar parte nalguma obra de caridade ou de zelo, como, por exemplo, visitar os pobres, ajudar na catequese, atender a alguma outra necessidade espiritual ou temporal da sua paróquia, etc., tudo isto é completamente alheio ao plano de vida que levam as pessoas de que vimos falando. 

Entre o espelho, o passeio, as visitas, alguns entretenimentos levianos, a leitura de romances, a assistência a espetáculos..., entre estas, digo, e outras frivolidades semelhantes, empregam as horas do dia, as de todos os dias, e assim passam as semanas, os meses e os anos, como se vê, numa completa ociosidade; porque esta não consiste só em não fazer nada, mas também em fazer coisas inúteis ou pueris, que não trazem benefício nenhum nem a si nem aos demais, como são todos os passatempos que acabamos de enumerar e outros deste teor. 

Finalmente, entre as pessoas verdadeiramente virtuosas, pode dar-se também, e tem-se dado (se bem que muitíssimo menos acentuado, menos grosseira e mais sutil), certa espécie de ociosidade; pois é tal a índole deste vício, que como filho da preguiça, ataca em menor ou maior grau todos os homens, mesmo os mais espirituais, sendo poucos os que não sintam alguma vez a sua influência perniciosa.

E assim, são efeitos desta ociosidade ou preguiça espiritual essa inapetência, esse tédio que de vez em quando experimentam estas almas no cumprimento das suas próprias obrigações, ou no exercício das práticas de piedade, e que faz com que omitam ou que encurtem ou que vão deixando para depois, ou que executem com frouxidão e negligência o trabalho, a meditação, a recitação do Ofício Divino, o exame particular, a leitura espiritual, as obras de caridade ou de zelo, etc., ocupando-se, entretanto, de outras coisas que são mais do seu agrado, ou em recreação mais do seu agrado, ou em leitura espiritual, as obras de caridade ou de zelo, etc., espirituais, sendo poucos os que são excessivamente prolongadas, ou em conversas e visitas inúteis, ou talvez em divagações da imaginação e do espírito, pensando em coisas quiméricas e inoportunas, e comprazendo-se em fazer castelos no ar, em vez de se aplicarem em coisas de mais próxima realização e em cumprirem com fiel exatidão o plano de vida que costumam ter estabelecida para o devido emprego do tempo. 

Examina-te, querido leitor, e vêm em que grau e proporção pagas tributa à ociosidade pra que resolvas fazer um esforço generoso para a combater e evitar, se queres agradar ao Senhor e adiantar no caminho da perfeição; pois é um dos vícios que mais retardam o progresso na vida espiritual. 'Se entre todas as graças - escreve o preclaríssimo padre Faber - a maior é a perseverança, porque é a que dá às outras um valor durável, a preguiça ou ociosidade espiritual é, pelo contrário, entre todos os vícios que atacam a vida espiritual, o mais pernicioso, porque é a antítese da perseverança' ('O Progresso da Vida Espiritual', cap. XIV).

Certamente, santidade e ociosidade são duas coisas incompatíveis. Se os Santos chegaram ao grau de perfeição que admiramos neles, foi porque nunca estiveram ociosos. Santo Afonso Maria de Ligório fez o voto de não desperdiçar um momento de tempo.

'Compreendemos - escreve por este mesmo motivo o mesmo padre Faber - que um homem como esse, que com toda a sua discrição e humildade, se atreveu a fazer um voto de tal natureza, devia levar uma vida que não podia ter outro fim o de o porém nos altares' (Idem). 

A nós não se nos pede tanto, nem seria prudente que sem uma inspiração muito particular do alto e o conselho de um diretor experimentado, fizéssemos um voto semelhante; mas o que nos exige Nosso Senhor é que evitemos a ociosidade não demos motivos para que possam dizer a nós como aos obreiros da parábola da vinha: 'Como estais aqui ociosos todo o dia?' (Mt XX, 6). 

Que grande pena e que cegueira tão deplorável inutilizar em bagatelas o tempo que Deus nos concede para negociarmos com Ele a nossa salvação e irmos acrescentando o cabedal dos nossos merecimentos, aos quais há de corresponder depois o grau de glória de que gozaremos no Céu! E que linguagem tão insensata a daquelas pessoas que, deixando deslizar a sua vida na ociosidade, se expressam nestes ou em termos semelhantes: 'Vamos a tal ou tal divertimento, a fazer esta ou aquela visita, a ver tal ou tal espetáculo... para evitar o aborrecimento e passar o tempo'. São Bernardo não suportava esta expressão. 'Oh! - exclamava o santo - para passar o tempo que a Misericórdia do Criador te concedeu benignamente para fazeres penitência, para obteres o perdão dos teus pecados, para adquirires a graça, para mereceres a glória!'

Oh! Para 'passar o tempo, em que devias trabalhar com toda a tua diligência para atraíres sobre ti a piedade divina, aspirares à companhia dos anjos e bem-aventurados do Céu, suspirares pela herança divina e chorares tuas iniquidades passadas' (De Diversis, Serm.17). 

A perda de tempo é um grande mal, e um mal irreparável. O tempo que deixamos correr na ociosidade, já não voltará mais. Podemos empregar proveitosamente o tempo presente, único de que dispomos, e o tempo vindouro, que o Senhor se digne conceder-nos; e faremos bem nisso, sem dúvida, para compensarmos de alguma maneira a nossa preguiça e inação passadas; mas fazer que volte o tempo passado, para o empregarmos melhor, isso é já um impossível. 

Pensa nisso, amadíssimo leitor, e pensa além disso, nos graves perigos que traz consigo a perda de tempo, quer dizer, a ociosidade. As Sagradas Escrituras assinalam esta como fonte e mãe de muitos pecados, resumindo a gravidade deste vício nestas palavras do Eclesiástico: 'Muitas são as maldades que a ociosidade ensinou' (Ecl XXXIII, 29). Os mesmos Livros Santos chamam estultíssimo ao homem que entrega ao ócio (Prov XII, 11). E o profeta Ezequiel enumera a ociosidade dos habitantes de Sodoma entre as causas principais da sua depravação e iniquidade (Ez XVI, 49). 

São Bernardo chama à ociosidade 'mãe das frivolidades, madrasta das virtudes, sentina de todas as tentações e maus pensamentos', e acrescenta que 'a luxúria aflige mais e seduz mais o homem quando está ocioso' (De modo bene vivendiSerm. 51). Santo Agostinho, depois de evocar a triste queda de três personagens do Antigo Testamento: Davi, Salomão e Sansão, diz a propósito disto: 'Enquanto estiveram entregues às suas ocupações mantiveram-se santos; mas na ociosidade pereceram' (Ad. Frat. in erem., Serm. 17).'Sempre se viu - escreve um escritor ascético - correr claro e cristalino o arroio pelo declive de uma colina; mas, parando na planície, torna-se limoso; e, mais tarde, agitando-se as suas águas, que encontra nela? Inúmeros répteis: Reptilia quorum non est numerus.Eis aqui o coração do homem que dorme na inércia e na ociosidade' (Pe. Chaignon, Meditações Sacerdotais). 

Alma devota que lês isto, evita a ociosidade com todo o empenho e diligência (não a confundas com o divertimento moderado e honesto); e ainda que em ti não se ache muito acentuada essa ociosidade e não te julgues em ocasião próxima de te veres induzido por ela às graves desordens que acabamos de apontar, tem presente que, se não aproveitas bem o tempo, se és mais ou menos preguiçosa e negligente no cumprimento dos teus deveres, nas práticas de piedade ou de zelo, que a tua situação e circunstâncias te permitam realizar, não adiantarás na virtude, estarás sempre estacionada e envolta nos mesmos defeitos, e não corresponderás aos desígnios de Deus, que te quer mais trabalhadora, mais diligente no Seu serviço, mais perfeita, mais santa. E no fim da vida te encontrarás muito vazia de merecimentos. 

Resolve-te, pois, a empregar bem o tempo que o Senhor te oferece para te santificares cada dia mais e mais; crescer em graça, em virtude, em méritos e depois na glória por toda a eternidade. 

Se perguntássemos aos bem-aventurados do Céu, que estão agora a desfrutar do Sumo Bem, quanto lhes custou ganhar essa coroa imortal de glória e de felicidade, responder-nos-iam que a tinham conquistado por baixo preço com um curto espaço de tempo, com alguns poucos anos empregados santamente aqui nesta vida. Isto fez dizer a São Bernardino de Sena que, num certo sentido, o tempo é o Céu, visto que com ele se pode comprar o Céu; mais ainda, que o tempo vale tanto como Deus, já que empregar bem o tempo equivale a permutá-lo com a posse eterna de Deus (Serm. 18). 

Procuremos, caríssimo leitor, seguir nisto, como em tudo, os ensinamentos e os exemplos dos Santos, inimigos declarados da ociosidade. Interrogada, um dia, Santa Joana Francisca de Chantal, por que não queria descansar nenhum momento e por que era tão avara do tempo, respondeu: 'Porque já não é meu: consagrei-o ao Senhor, e não posso tirar dele nenhum só instante, sem que cometa uma injustiça contra Aquele a quem pertence'. E São Francisco de Sales, aquele varão apostólico, que tão bem soube empregar os dias todos de sua vida, fecundíssima certamente, em obras de caridade e de zelo pela glória divina e pela salvação das almas, costumava dizer com a mais profunda humildade: 'Quando reflito sobre o emprego que fiz do tempo de Deus, temo que não me queira dar a Sua eternidade, reservada somente aos que fazem bom uso dele'.

Tempo de Deus!

diz o santo. Verdadeiramente, é de Deus e não nosso, porque Ele é que no-lo concede na Sua amorosa Providência para que o consagremos inteiramente a Ele e o empreguemos no Seu divino serviço. Ditosos nós, se assim o fizermos! Que paz interior teríamos durante a nossa vida; que esperança tão doce e consoladora na hora da nossa morte; que galardão tão grande por toda a eternidade!" 

(Da obra: A perfeição cristã, segundo o espírito de São Francisco de Sales)