segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

NO CÉU NOS RECONHECEREMOS - Primeira carta / Parte I

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI

NO CÉU NOS
RECONHECEREMOS

Pelo

Pe. F. Blot, da Companhia de Jesus
Versão 19.ª edição francesa

pelo
Pe. Francisco Soares da Cunha


PRIMEIRA CARTA 

I

Estado da questão

É permitido afligir-nos pela morte dos nossos parentes, contanto que não cessemos de esperar. – Testemunho de Santo Agostinho. – Prática da Igreja – Palavras de S. Paulino. – Exemplo de Jesus Cristo.

SENHORA,

A morte descarregou o seu terrível golpe junto de vós, sobre as pessoas que vos eram mais caras. A vossa dor é extrema, e é legítima, ainda que não duvideis da eterna salvação daqueles cuja falta lamentais.

Por que motivos vos será proibido chorar por vossos parentes e amigos que adormecem no Senhor, contanto que, seguindo o conselho do Apóstolo, vos não entristeçais como os que não têm esperança? (I Thess. IV 12).

Santo Agostinho comentava assim estas palavras:

“É natural entristecermo-nos com a morte daqueles que nos são caros, pois que a natureza tem horror à morte, e a fé nos ensina que ela é um castigo do pecado.

A tristeza é uma necessidade: Hinc itaque necesse est ut tristes simus, quando aqueles que amamos deixam de existir. Porque, ainda que saibamos que nos não abandonam para sempre, como aconteceria se devêssemos ficar sempre na terra, mas que nos precedem pouco tempo, porque estamos destinados a segui-los talvez muito breve; todavia, como não contristaria o sentimento do nosso amor a inexorável morte que se apodera do nosso amigo?

Que seja permitido, pois, aos corações amantes entristecerem-se com a morte das pessoas amadas, contanto que haja um remédio para esta dor e uma consolação para estas lágrimas, na alegria que a fé nos faz gozar, assegurando-nos da sorte de nossos queridos defuntos, que se apartam somente por algum tempo de nós e passam a melhor vida.”[1]

A Igreja, pelo seu exemplo, permite-nos chorar, e pelo seu ensino ordena-nos esperar.

Como nós, toma luto por ocasião da morte de nossos parentes, e a sua voz, como a nossa, é cheia de tristeza.

Com o tato, que é particular às mães, e que elas sabem empregar em todas as coisas para se tornarem mais persuasivas, a Igreja, tem-se dito, pede de empréstimo à dor as suas lúgubres harmonias, tão bem adaptadas ao estado da alma aflita, que crê mitigar a sua dor nutrindo-se da mesma dor.

Mas, misturando os seus gemidos com os nossos gemidos e as suas lágrimas com as nossas, declara-nos, em nome de Deus vivo, que o que julgamos ser uma morte, não é mais do que uma separação momentânea, um ponto fixo de reunião que a pessoa tão chorada nos dá na habitação da vida, onde a reencontraremos em breve tempo para não mais a perdermos.

Acrescenta que, “mesmo na terra, não acabou tudo entre nós e esta alma; que ainda podemos amá-la e sermos dela amados, apesar da morte”.

A mesma Igreja ainda no-lo mostra na morada dos sofrimentos, implorando com voz aflitiva o fraternal tributo de nossas esmolas, de nossas orações e de nossas boas obras. Ou então, no-la faz ver já revestida da incomparável beleza do Céu, e repousando no seio de Deus, donde sobre nós lança olhares duma doçura e ternura inefáveis; faz-nos vê-la, preparando-nos com amor um lugar a seu lado, e oferecendo a Deus incessantemente as suas mais ferventes orações a fim de obter-nos o merecimento de possuí-la e de nunca mais a perder”[2].

S. Paulino, Bispo de Nola, consolou a Pamáquio, por ocasião da morte de Paulina, sua mulher, filha de Santa Paula e irmã de Santa Eustáquia.

O virtuoso esposo vertia lágrimas tão abundantes como as suas esmolas. Que vai fazer o seu amigo? Irá censurar estas lágrimas? Louva-las-á pelo contrário, e colherá nas Sagradas Escrituras todos os exemplos de santas lágrimas vertidas por ocasião da morte duma pessoa querida.

Depois acrescentará: “Para que censurar as lágrimas dos santos mortais? Não chorou o mesmo Jesus a morte de Lázaro, a quem amava?”

Não se dignou Ele condoer-se da nossa desgraça, até derramar lágrimas sobre um morto? Não se dignou chorar, acomodando-se à fraqueza humana, aquele a quem ia ressuscitar por um efeito da sua divina virtude?

“Eis o motivo, ó meu irmão, por que vossas lágrimas são piedosas e santas”: Idcirco et tuae, frater, lacrymae sanctae et piae. Porque uma semelhante afeição as faz correr; e se chorais uma digna e casta esposa, não é porque duvideis da ressurreição, mas porque vosso amor tem pesares e desejos[3].

Diante daqueles que vos repreenderem de vossas lágrimas, abri, pois, o Evangelho, e por única resposta, apontai-lhes com o dedo estas palavras de S. João: Et lacrymatus est Jesus – e Jesus chorou; e ainda as seguintes: Et turbavit seipsum – e se perturbou a si mesmo. (Joan., XI, 33, 35 ).

Mostrai-lhes estas linhas dum escritor que há bem merecido de todas as pessoas aflitas:

“Jesus quis privar-Se desta doçura que se encontra no sossego da aflição, quis ser perturbado. A Sua natureza divina não Lhe permitia sê-lo senão tanto quanto Ele mesmo concorresse para esta perturbação; foi isso o que fez; assim no-lo diz o Evangelho.

Depois dum semelhante exemplo, não mais atribuamos à nossa imperfeição as lágrimas que a aflição nos arranca, nem a perturbação em que ela nos lança: Jesus chorou, Jesus perturbou-Se.

É necessário, porém, que esta perturbação não degenere em inquietação, para se não perder a semelhança com Jesus.

Não é do agrado de Deus que eu desaprove as lágrimas de um esposo que, depois de ter levantado os olhos ao Céu para aí ver a sua esposa coroada de imortalidade, os sente encherem-se de lágrimas quando, abaixando-os para a terra, não encontra já esta companheira muito amada.

O sentimento que faz chorar a pessoa cuja companhia formava a nossa felicidade, não poderia ser condenado, quando não é o único motivo das lágrimas que vertemos na sua perda. Este desejo de gozar da sociedade da pessoa que se ama, é de tal sorte natural ao homem, que Deus lhe propõe o seu complemento como eterna recompensa de sua fidelidade em o amar durante a vida”.[4]




[1] Santo Agostinho, Serm. 172, no. 13.
[2] Marc, Le ciel, apêndice sobre o amor beatífico, cap. I.
[3] S. Paulino, Epist. XIII, no. 4, 5.
[4] Luiz Provana de Collegno – Consolações da religião na perda das pessoas que nos são queridas, Carta I.