segunda-feira, 30 de setembro de 2013

MATRIMÔNIO, AMOR E CARIDADE: CONSELHOS AOS NAMORADOS

Fonte: Salve Regina

PADRE CURZIO NITOGLIA
[Tradução: Gederson Falcometa]
2 de abril de 2011
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·         Depois de ter visto o que é a verdadeira Caridade sobrenatural e tê-la distinta antes de tudo do amor natural (que é bom mas imperfeito) e sobretudo do erotismo freudiano, que hoje invadiu todas as coisas, que é puro egoísmo, amor próprio, e é a morte do verdadeiro amor natural e sobrenatural, buscaremos agora aplicar as noções de verdadeiro amor natural, que deve ser aperfeiçoado por aquele sobrenatural, ao Matrimônio e de dar conselhos aos jovens namorados, afim de que possam se preparar convenientemente e vivê-lo estavelmente. 

·         O Matrimônio é uma união estável, que dura por toda a vida, entre um homem e uma mulher, em vista de formar uma família, de ter e de dar filhos sobretudo a Deus no Paraíso e de ajudarem-se reciprocamente, no corpo e no espírito. Afim de que o marido seja fiel a mulher e vice-versa, “na boa e na má sorte”, todos os dias “até que a morte lhes separe”, é necessária uma boa preparação para o Matrimônio. Por exemplo, como para se tornar sacerdote se entra no Seminário, se cumprem os estudos e se respeita a disciplina durante pelo menos 5 anos, para ver se é realmente chamado a vida sacerdotal, ou para ser militar se entra na Academia do exército, assim deve ser também o namoro em vista do Matrimônio. Se de fato, não se vive bem o namoro, muito provavelmente se viverá mal o Matrimônio. Como quando se faz mal o Seminário ou a Academia, e não nos retiramos antes, se terá quase seguramente uma vida sacerdotal ou militar em risco.
·         Um dos erros que se comete mais frequentemente no namoro, sobretudo no tempo atual, é de vê-lo apenas e exclusivamente ou mesmo principalmente, como atração física, sem discernir se existe comunhão de idéias e de sentimentos. Este é o erro inicial. As coisas pioram quando no ato prático não se respeita o corpo (que é “Templo do Espírito Santo”) e aquele da outra metade. A união sexual é ordenada a procriação, que é licita apenas no Matrimônio. Faltando, ao longo do curso do namoro, o respeito por si e pelo outro e vice-versa, durante o Matrimônio as faltas de respeito recíproco serão sempre maiores tornando o suportamento mútuo e o viver juntos uma tortura. Eis a importância inicial de escolher o próprio namorado ou a própria namorada em vista não apenas de qualidades externas, mas também – e sobretudo – daquelas interiores, que unem os espíritos, que são mais estáveis e duradouros do que a dos corpos, e então, de viver praticamente bem o namoro segundo a lei natural e revelada. De outro modo, se funda o Matrimônio sem Deus, sem amor recíproco de benevolência, mas apenas egoisticamente, vendo no outro um objeto de uso e consumo e não um sujeito inteligente e livre para conhecer e amar, respeitar para ser reconhecido, re-amado e respeitado. Matrimônio significa convivência, amor recíproco e altruísta. Então, se esse é fundado sobre o egoísmo ou concupiscência, não pode durar[1]. 
·         O verdadeiro amor é altruísta (de bono alieno), não é de concupiscência (de bono proprio), que em ultima análise é só egoísmo (‘ego’= eu: amo apenas e sobretudo a mim e não a outra pessoa, a qual vem desfrutada por mim e para mim) e é todo o contrário do amor, o qual consiste na benevolência, ou seja, no querer bem ao outro e o bem do outro e encontrar também a nossa felicidade no outro conhecido e amado. Então, o amor ou benevolência comporta reciprocidade entre o sujeito amante e a pessoa amada e enfim a comunhão de vida não apenas física, mas sobretudo espiritual, isto é, de pensamentos e de afetos racionais e sobrenaturais.  
·         O verdadeiro amor, portanto, deve tender a tornar a pessoa amada livre, forte e não excessivamente dependente da pessoa amante (isto vale para marido/mulher, pais/filhos, sacerdotes/fiéis, mestres/alunos e vice-versa, religioso/Deus…). Se queremos bem a qualquer um e o bem de qualquer um, devemos nos esforçar para valoriza-lo e não para esmagá-lo, manipulá-lo ou torná-lo escravo e súcubo. O amor nos torna unidos, mas não dependentes. A união reforça, a dependência enfraquece. No namoro, que é a preparação do Matrimônio, é preciso ajudar-se reciprocamente nas coisas não apenas temporais e materiais, mas sobretudo racionais e espirituais. De fato, o homem não é só matéria, nem mesmo é um puro espírito, mas um composto (assaz complicado) de corpo e alma, pelo que é preciso ter sempre presentes estes dois componentes humanos, mas na sua ordem e subordinação: o corpo é submisso a alma e a alma deve dirigir o corpo. Mesmo se depois do pecado original perdemos o pleno senhorio sobre o corpo, ainda mantemos um certo poder (diplomático, não despótico) sobre nossas paixões, instintos e impulsos. O homem, portanto, é ainda livre e responsável pelos próprios atos: a sua vontade, que foi ferida pelo pecado de Adão, permanece íntegra, não foi destruída, como ao invés ensinam Lutero e Freud. O Matrimônio, se é vivido só em vista do corpo vai a falência, não pode durar até a morte: a beleza física murcha, o prazer com passar dos anos desaparece, as doenças, as dificuldades temporais avançam e não vale a pena manter em pé alguma coisa que é baseado apenas sobre aquilo que por definição se corrompe. Se, o  Casamento fosse vivido apenas segundo o espírito, faltaria realismo, ignorando a real natureza humana composta subordinadamente de matéria e alma, e frustaria o seu fim primário que é a pro-criação (que é quase uma “criação”[2] de uma “criaturinha” vivente). Jamais devemos nos esquecer que não somos nem puros anjos, nem puras bestas, mas um misto, misterioso, de “anjo” (animal espiritual) “encarnado em um corpo animal”. Pelo que o verdadeiro amor natural significa desejar que o outro seja bom, feliz e que chegue ao seu Fim ultimo, o qual é Deus, e isso não se deve firmar apenas no aspecto material e físico, que também deve ser presente, mas deve ser subordinado ao aspecto racional e espiritual, dada a natureza do homem, “animal racional” e não “puro animal”. Além disso, o amor natural deve ser aperfeiçoado pela Caridade sobrenatural, porque Deus nos elevou a ordem sobrenatural e não podemos permanecer naquela simplesmente na natural, que, se é boa, é ainda imperfeita, escassa e deficiente de Graça sobrenatural e santificante, início da vida eterna, a qual somos ordenados[3]. O outro – por isso – não deve ser amado como Fim, não deve ser idolatrado, nem muito menos desprezado, ferido, possuído, manipulado, mas benquisto como “meio”, no bom sentido do termo (is qui est ad finem): aquilo que tende ao Fim e nos ajuda validamente a colher o Fim, e, não no sentido pejorativo do termo, como “puro objeto de capricho”, de comodidade e desfrutamento de que nos servimos e em seguida o jogamos fora quando não nos serve mais. 
·         O verdadeiro amor de benevolência, reciprocidade e comunhão deve infundir ao outro confiança, tranquilidade, segurança, força, verdade, coragem, em suma, aquilo que é o bem para o outro e do outro. Jamais ferir, humilhar, desencorajar, tornar escravo, dependente, manipulado, inseguro[4]. Apenas Satanás (o “grande Satanás”, ou seja, o diabo) e o “pequeno satanás” (o homem que serve de suposto do diabo) desencorajam, tiram a paz, tornam escravos e dependentes mediante o erro, a mentira e o mal moral. Jesus que significa ‘Salvador’, não é aquele que perde ou o “Danador” que destrói o outro. Paráclito significa ‘Advogado defensor’, não é o Acusador, que ao invés é o diabo ou demônio, o qual se diverte, com sarcasmo e ironia (as famosas “setinhas”, que ferem mais que as canhonadas) a manipular a alma e o pensamento do homem para torna-lo seu adepto e escravo. 
·         Um risco a evitar é aquele de querer ser aceitado a todo custo pelas criaturas e de não desgostar a elas, mesmo a condição de ser determinados pelo outro, renunciando e perdendo assim a nossa verdadeira liberdade (“fazer o bem e fugir do mal”) e autêntica personalidade (“criatura irrepetível feita a imagem e semelhança de Deus pessoal e transcendente”), que pode conhecer realmente e objetivamente, e amar livremente e meritosamente Deus, depois de ter sido conhecida, amada e criada por Ele. Não é preciso jamais colocar o outro (qualquer um que esse seja, mesmo “o pai e a mãe”, namorado(a) ou esposo(a) no lugar de Deus, de modo que pelo amor do outro se esqueça Deus e a sua Lei (se faz o mal e se evita o bem, o contrário da sindérese), e, para comprazer o outro, se renúncia a conhecer e amar deus (que é a essência da pessoa humana, a qual é um sujeito inteligente e livre, feito para conhecer o Verdadeiro e amar o Bem) arruinando assim a nós mesmos, o próximo e perdendo a amizade com Deus, Summum Verum et BonumA Imitação de Cristo nos adverte: “a maior parte das nossas preocupações depende do fato que desejamos agradar aos outros e tememos desagradar a eles”. 
·         Para chegar a ajudar o próximo no seu aperfeiçoamento ou bem racional, afetivo e espiritual, é preciso primeiro ter trabalhado sobre si mesmo (nemo dat quod non habet) e ter olhado em face e em profundidade os nossos lados positivos e negativos, que apenas com a Graça de Deus podemos melhorar, mas que podemos curar completamente apenas no Paraíso (com a ‘Visão beatifica’). Só a espiritualidade, ou seja, a verdadeira Caridade sobrenatural, que se funda sobre o amor natural de benevolência (gratia supponit naturam, non tollit sed perficit eam), pode sanar – suficientemente bem sobre esta terra (gratia sanans) e completamente no Paraíso (Lumen gloriae) – o homem composto de corpo, alma e espírito. Hoje se quer curar apenas com remédios e psicologia, como se o homem fosse só matéria e raciocínio e não tivesse sido elevado a ordem sobrenatural. Então, não devemos jamais nos sentir totalmente e absolutamente indignos e malvados diante de Deus, de nós mesmos e do próximo (por ex. Caim e Judas), como nem mesmo totalmente e absolutamente perfeitos e santos (por ex. o Fariseu que sai a pregar no Templo). Em caso contrário destruímos a nós mesmo (por desesperação ou presunção) e transmitimos aos outros estes sentimentos negativos (por defeito, desconfiança – ou – por excesso, megalomania) que insistimos em carregar dentro de nós e que nos levaria a “amar lhes” em “fusão absoluta”, quase como um apêndice nosso, ou – narcisisticamente – em uma dependência total a nós. Atenção, também ao excessivo destaque, a frieza, a dureza de coração, o distanciamento de pensamento e de sentir. Ao invés disso, respeito, desenvolvimento, crescimento nosso no outro, permanecendo si mesmo(individuum est indivisum in se et divisum a quolibet alio) e ajudando nos reciprocamente na vida, que é res severa (como diziam os antigos Romanos) e no sentido mais alto do termo, uma viajem para Deus. Verdadeiro amor é ajudar-se e realizar-se ou colocar em ato aquilo que se é em potência, in Domino. 
·         Como se vê as relações (namoro, matrimônio, direção espiritual, discente, docente, vida consagrada) podem permanecer constantes e duradouras se veem orientadas principalmente sobre Deus e em seguida se são fundadas sobre o bem do outro e para o outro (e não exclusivamente sobre nós mesmos), que devemos amar como a nós mesmos para ajudar nos reciprocamente a chegar ao nosso Fim, que é o Senhor. De fato, as necessidades da alma humana, que é espiritual, são abertos objetivamente ao infinito (anima est quodammodo, seu obiective, omnia) e apenas Deus, que é infinito, lhe pode satisfazer. Não conseguiriamos nunca sozinhos e nem mesmo ajudados por uma outra criatura finita e limitada como nós, mas, apenas amando a nós e o próximo para o bem do outro, e não por egoísmo, reciprocamente e em comunhão de idéias e de sentimentos propter Deum,poderemos encontrar a paz da alma e a felicidade relativa sobre esta terra, que será completa apenas na outra vida, aquela verdadeira, ou seja, aquela eterna.
·         Então, é preciso evitar o excesso de amor ou amor assassino, que consiste no querer de tal forma o bem do outro, que se passa a querer controlá-lo em tudo, pensando fazê-lo para o seu bem, enquanto, na realidade, isso o torna fraco, dependentemente e se impede o seu crescimento. Isto pode acontecer entre genitor e filho, marido e mulher, sacerdote e fiel, mestre e alunos. Uma degeneração deste excesso é o espírito de seita, em que um líder ou “santão” controla e manipula psicologicamente e mentalmente o seu grupo, até torna-lo seu escravo também interiormente. Ao invés, o verdadeiro amor é de benevolência ou de bono alieno e é feito de afeto, confiança e conforto dado ao outro, que o torna mais forte, seguro e tranquilo. É preciso encorajar, valorizar o outro e, se corrigir quando for necessário, deve ser feito para o seu bem e  se deve fazê-lo bem, ou seja, fazendo-lhe entender que não aprecia castigá-lo, que não o faz por crueldade, sadismo, antipatia ou acesso de ira, mas para que melhore, não repita os seus erros e saia do mal. É satanás que quer controlar cada coisa, espiar, possuir, esmagar, aviltar, acusar, repreender e chantagear. Ele não corrige, mas acusa para fazer o outro permanecer no mal, é o manipulador por excelência, que coloca dúvidas no outro para torna-lo seu escravo para sempre. Busquemos de não agir como ele (agere sequitur esse): seria muito perigoso sobretudo para nós. 
·         Parece me que posso concluir com a recordação de Aldo Fabrizi[5]. Que os namorados o tomem como exemplo e o seu matrimônio será preenchido de boas recordações e privado de desagradáveis surpresas, das quais pagam as despesas, sobretudo os filhos de genitores “mal-casados”.
Padre Curzio Nitoglia
2 de abril de 2011


[1] Lendo a vida de Aldo Fabrizi, me tocou a resposta que deu a pergunta ritual:
“Qual a coisa você recorda mais da sua mulher?”. O regista-ator disse sem hesitar: “que o primeiro beijo que nos demos foi na primeira noite de matrimônio”. Eis a importância de respeitar a pessoa amada e de fazer-se respeitar como pessoa e não de tratar e deixar-se tratar como objeto de consumo. A crise dos matrimônios é devida em grande parte a esta falta de compreensão do verdadeiro amor de benevolência, que respeita e quer a honorabilidade e a honestidade da outra parte e não a viola e nem a suja. Certamente uma namorada assim será recordada por toda a vida matrimonial e também durante na viuvez, como aconteceu a Aldo Fabrizi. Mas se essa não se faz respeitar, se o namorado não a respeita, qual recordação ou boa opinião poderá ter-lhe durante o resto do namoro e no matrimônio? Puderam confiar um no outro, quanto a fidelidade conjugal? Se não se mantiveram íntegros durante o namoro, a falta de confiança lhes rondará durante o Matrimônio.
[2] A qual, estreitamente falando, pertence só a Deus, que cria ex nihilo.
[3] A vida espiritual ou sobrenatural nos leva, se vivida bem, ao “Namoro e Matrimônio Espiritual” (v. São João da Cruz e Santa Teresa d’Avila). Então, aquilo que se diz para os namorados e os casados, vale – analogamente e em grau eminente – para os religiosos e os consagrados. Esses devem viver com Deus uma relação de Amor sobrenatural ou de Caridade infusa, qual seja: 1.º – benevolente ou altruístico (amar a Deus mais que a nós mesmos); 2.º – recíproco (Deus nos conhece e nos ama, mas quer ser conhecido e amado por nós, através da Fé, da Esperança e da Caridade); 3.º –em comunhão ou convivência (viver junto a Deus, presente realmente e fisicamente na alma do justo pela Graça Santificante). Se o religioso não preenche de Deus a sua vida, especialmente com a oração mental, essa será um fracasso: bem rápido serão as criaturas a tomar o lugar de Deus, e isto comporta o “divórcio” entre Deus e o religioso ou o consagrado, que na sua profissão ou ordenação contraiu um verdadeiro e próprio Matrimônio místico e espiritual com Deus.
[4] Isto vale também e especialmente para a vida cristã ou espiritual. Deus nos ama e quer a nossa felicidade eterna, mas nós podemos estraga-la com uma falsa idéia da vida espiritual e da relação com Deus, temido mais que amado, visto como um Patrão e não como um Amigo. Ao invés, Jesus nos revelou “vos chamareis amigos e não servos”. Depende de nós viver a Religião e a relação com Deus de forma verdadeira, confiante, serena e não triste, aterrorizada e choramingante. Especialmente o sacerdote e a guia espiritual devem fazer muita atenção, em formar as almas, a não plagiá-las tornando as dependentes deles mesmos, mas reforçar lhes e valorizar lhes em Deus.




[5] Ver nota 1.