domingo, 18 de agosto de 2013

Exercícios Espirituais para Crianças - A Oração (Parte III)

Nota do blogue: Acompanhe esse Especial AQUI.
Fr. Manuel Sancho, 
Exercícios Espirituais para Crianças
1955

PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)


4. — A outra oração, que se faz interiormente, é a mental. Sem embargo, às aspirações curtinhas, ainda que sejam interiores e sem palavras, não se lhes chama oração mental, porque esta supõe algo mais de tempo, acompanhado de reflexão interior, de afetos e de propósitos. Eu não saberia definir de outro modo a oração mental para que a compreendêsseis.

Ao chegarmos aqui, pode ser que algum diga: “As crianças com oração mental? Pobres criaturas! Graças sejam dadas a Deus se elas rezarem com um pouco de atenção”. Mas ter-vos-á em pouco quem assim falar. Eu vos tenho em maior conta, e por isto creio que podereis fazer a vossa oração mental, com preparação e composição de lugar e discurso do entendimento e afetos da vontade... — Quanta coisa! — direis vós, um pouco aturdidos com tanto aparato. — Quem é capaz de entender esse aranzel?

Em primeiro lugar, devo dizer-vos que, sem isso a que chamais aranzel, podeis fazer uma oração mental de primeira, porque para orar não se necessita nenhum método, como de método não se necessita para amar; antes, muitas vezes ele estorva.

Uma vez S. Francisco estava alojado em casa de um bom homem de Assis, chamado Messer Bernardo. Depois de cear, o Santo foi para a cama. Como ele era tão santo, Messer Bernardo observava-o, para ver em que era que ele ocupava a noite. Mas o santo fingiu dormir. O outro também fez que dormia, e começou a roncar fortemente; mas, por um rabinho do olho, observava S. Francisco, que, quando, pelos roncos de Messer Bernardo, se convenceu de que este estava dormindo como uma pedra, levantou-se, pôs-se de joelhos, e pela noite toda ficou suspenso em alta contemplação, e com uns suspiros como de fogo dizia a cada momento:

Meu Deus! meu Deus! — e não dizia outra coisa.

O outro, ouvindo-o orar com essa devoção, de tal maneira se comoveu, e de tal modo se lhe revolveu o coração, que desde então ele resolveu seguir o santo, e assim o fez, e foi um dos primeiros religiosos da Ordem Franciscana.

Já sei que me direis que aquilo era oração vocal: pois não era senão oração mental, mas ele dizia aquelas amorosas aspirações a Deus Nosso Senhor como setas inflamadas que brotavam do seu amoroso coração. Porque na oração mental podem-se dizer preces, e na vocal fazer suas paradazinhas de reflexão, sem dizer palavra, e por isso nem uma deixa de ser mental, nem outra de ser vocal. Melhor dizendo, as duas podem misturar-se, e ordinariamente se misturam sem nenhum inconveniente, porque para amar não há regras, e a oração é a comunicação de amor com Deus.

Também aquela outra santa, Taís a pecadora, quando fazia penitência dos seus pecados numa gruta, passava grande parte do tempo em meditação, e sabeis como a fazia? Repetindo com fervor estas palavras: ”Meu Deus, Tu que me criaste, tem misericórdia de mim”.

Havia um pobre homem que acompanhava dois frades, servindo-lhes de peão ou guia, e, em chegando à pousada, os religiosos procuraram um recanto para se entregarem à meditação quotidiana; mas o pobre homem, que via os religiosos orarem, recolhia-se também ao seu cantinho e fazia meditação à sua maneira. Por curiosidade, depois os religiosos lhe perguntaram como era que ele meditava. Ao que o bom homem respondeu:

Padre, eu dizia ao bom Deus: “Estes frades são santos e sábios, e eu um burro. Senhor, aquilo que eles te pedem eu também te peço”.

Se vós fizerdes a vossa meditação repe­tindo “Meu Deus!” com aquele fervor de S. Francisco, ou dizendo com Taís a pecadora: “Senhor, tu, que me criaste, tem misericórdia de mim”, sem dúvida fareis uma meditação muito boa. E, se, reconhecendo a vossa insuficiência para meditar, disserdes no íntimo do vosso coração ao bom Jesus: “Meu Deus, não sei meditar, mas peço-te o que te pedem os teus servos que tão bem meditam”, também fareis uma ótima oração mental, como fez aquele bom homem.