domingo, 23 de junho de 2013

UM RAIO DO CÉU

Nota do blogue: Agradeço ao amigo e leitor Fabrício pelo envio do texto. Deus lhe pague. 


Padre Júlio Maria de Lombaerde


Raios do céu... não são eles necessários para a nossa pobre terra? Ela é tão fria... tão gelada! (...) e o que a faz resplandecer, o que a anima é o raio do sol. Nossa alma, imagem do mundo exterior, necessita também de um raio de sol, dum raio do céu. A bondade, a doçura, a amabilidade não serão um raio do céu? Deus é a bondade por essência. O grande preceito que consideramos precedentemente é o gerador desta bondade, desta amabilidade que transfigura os sofrimentos da vida. Estudando a Sagrada Família, uma das primeiras virtudes que desperta a nossa atenção é a doçura, é a amabilidade de cada uma das augustas pessoas que a compõem.

A irradiação da sua alma é a caridade.
A irradiação de seu coração é a amabilidade.
Quer dizer que esta última é uma consequência direta da caridade, é o seu fruto suave.
Sim, sim, na Sagrada Família todos eram verdadeiramente amáveis, dotados de uma amabilidade toda divina.
Ser amável é possuir ao mesmo tempo um atrativo, que atrai a si o coração dos outros, e um laço que prende este coração ao nosso.
Oh! Como há em Jesus este atrativo irresistível!
Oh! Que doce encanto em Maria! E, em José, que atenção, que bondade!
Como lhes transbordavam os corações e como refletiam nos seus rostos a paz, a ternura e a amabilidade!
Jesus havia trazido este raio do céu, Ele o havia encarnado em sua santa Mãe, que era o seu reflexo vivo. E José, como formado nesta santa irradiação, deixara-se transfigurar por ela, digno emulo da Virgem amável, sua esposa imaculada.
Mas, vejamos de perto esta amabilidade de Jesus, Maria e José.
Que é que torna amável?
Será a beleza, a elegância, a ciência, a educação, a virtude em geral?
Não, é mais do que isso.
Sem virtude, de certo, é impossível ser muito tempo e perfeitamente amável; mas não devemos concluir disso que a virtude seja sempre amável, seja qual for a forma sob que se apresente. É preciso, como diz São Paulo, que ela se faça tudo para todos, que ela se expanda, que ela se dê, e que se dê sorrindo.
De fato, a amabilidade não é uma virtude à parte; é a reunião de várias grandes virtudes: é a caridade que dá, é a humildade que se abaixa, é a mortificação que se priva, é a paciência que suporta, é a força que jamais cansa.
Ser amável é fazer irradiar sobre os outros algo de nossa alma, que faça desabrochar o sorriso nos lábios, e dilatar-se o coração, assim como o sol faz desabrochar um botão de rosa.
Ser amável é ter sempre nos lábios a palavra carinhosa, que reanima, consola, fortifica, assim como a gota de orvalho reanima e coloca a planta que murchava.
Ser amável é guardar no seu exterior estas boas maneiras, esta naturalidade, esta paz do semblante, esta benevolência do olhar, que se transmitem, que se comunicam e deixam um certo contentamento a todos aqueles que de nós se avizinham e nos falam.
Mas não é tudo isso o quadro de Nazaré?
Jesus, Maria e José possuíam todas as virtudes em um grau heróico, e estas virtudes se refletiam sobre todos os que deles se aproximavam.
Em suas relações cotidianas, quando somente vistos pelos anjos, nesta intimidade que se encontra ainda às vezes nas nossas velhas famílias patriarcais onde a religião domina e reina em todos os corações, o seu grande cuidado era agradarem-se mutuamente.
Poderíamos representar a amabilidade do Menino Jesus? Quantas vezes ao dia, e mesmo durante a noite, os felizes esposos se mantinham imóveis diante do adorável menino, atraídos pelo seu encanto, pela sua contemplação.
Que doces lágrimas não corriam dos olhos da feliz Mãe, quando o pequeno Jesus vinha fazer-lhe estas perguntas infantis, encantadoras de simplicidade e de candura:
- “Boa Mamãe, não poderia eu fazer-vos prazer? Não poderia ajudar-vos neste trabalho? Não poderia evitar-vos tal sofrimento? Mandai, querida Mãe, vereis que obedecerei prontamente! Gostaria tanto de vos agradar. Quereria tanto provar-vos que vos amo!”
Oh doces e encantadores colóquios!
E quando a Virgem, que trazia já no coração este gládio mortífero, que no dia da Apresentação lhe havia cravado a profecia do velho Simeão; quando Maria, à vista de seu Jesus, que seria um dia imolado pela salvação dos homens, não podia mais reter as lagrimas, mas, tomando o menino, apertava-o contra o seu coração como para subtraí-lo aos sanguinários algozes, oh! Então, como Jesus chorava com ela, e procurava ao mesmo tempo, consolá-la.
- “Boa Mãe, porque chorais? Ter-vos-ia eu causado algum pesar? Quais são os malvados que vos fazem sofrer?”
E, enlaçando com a pequenina mão o pescoço da Virgem, Jesus ocultava a cabecinha loura sob o manto de sua Mãe, repetindo: “Ó boa Mãe, não choreis, eu vos amo tanto! (...) amar-vos-ei ainda mais, não choreis”.
Mas, se algumas vezes a terna criança conseguia estancar às lágrimas da Mãe, muitas vezes também as suas ternuras e as manifestações de seu amor alargavam ainda mais a chaga, pois era por causa d’Ele que ela sofria.
O menino corria então para São José e lançava-se nos braços dele, dizendo: “Pai, vinde consolar a boa mamãe, ela chora; dizei-lhe que eu a amo muito”.
E São José, conduzido por Jesus, ia unir as suas lágrimas às de Maria, pois o santo ancião não ignorava o mistério destas angustias e a causa das dores que elas excitavam no coração de Maria.
***
Oh doce, oh amante, oh sublime comunicação de pensamentos, de afeição e de anelos entre Jesus, Maria e José!
Havia lágrimas... deve ter havido muitas lágrimas sob o pequeno teto de Nazaré. Mas, como eram doces estas lágrimas e como secaram depressa sob o calor deste raio do céu, da amabilidade de cada um!
Se havia lágrimas, havia também sorrisos. Sem dúvida, tudo lá era saturado duma atmosfera grave e sobrenatural; mas Jesus era criança perfeita. Ora, o encanto da infância não é justamente o sorriso ingênuo e cândido? (...) não é a alegria ainda ignorante do futuro, que se dá, que se expande, que se irradia sobre tudo e proporciona um bem estar e uma renovação de vida a tudo o que a cerca?
A oficina de José era às vezes triste; triste pela falta de trabalho, triste pela pobreza que os espreitava, triste pelas privações que se deviam impor Maria e José.
Mas Jesus estava lá, e o seu sorriso fazia desenrugar-se depressa a fronte pensativa do santo Patriarca.
Quando José sofria, Maria Santíssima conduzia-lhe Jesus, que, sorrindo a seu pai adotivo, consolava-o e o fazia esquecer os sofrimentos e as fadigas.
“Pai, dizia-lhe a meiga criança, ajudar-vos-ei e juntos chegaremos ao fim. Estais cansado; descansai, deixai-me trabalhar um pouco em vosso lugar; vereis como farei bem”.
O feliz ancião, sentando-se ao lado do seu banco de carpinteiro, contemplava sorrindo a seu Deus, que, tendo-se feito criança, fazia-se ainda discípulo.
As vezes conversavam o pai e o pequeno aprendiz: - Aqui, meu filho... à direita, bate... toma cuidado com as tuas mãozinhas! Oh! Como será um dia um bom marceneiro! Vai dizer à tua mamãe que estou contente contigo.
E o ditoso José tomava-o entre os braços, cobria-o de beijos e retomava o trabalho com novo ânimo.
Agora mesmo o céu estava sombrio... Serenou; o sorriso de Jesus, como um raio do céu, trouxe aos seus lábios um sorriso, e aos seus braços nova força.
E quando a oficina estava em desordem, dizia-lhe Jesus sorrindo: “Pai, deixai-me limpar isso, deixai-me ficar perto de vós, eu vos amo tanto.”
E o Menino, ora ajudava a José, ora a Maria, nos pequenos trabalhos domésticos, iluminando tudo com o seu sorriso, fazendo irradiar sobre os seus ditosos pais as ternuras do seu coração e as riquezas da sua alma.
***
E com os estranhos, com as crianças da sua idade, com aqueles que o trabalho e o comércio punham em relação com seus pais, era a mesma benevolência, as mesmas atenções, a mesma amabilidade.
Depois, Maria e José, formados nesta escola, penetrados dos sentimentos de amabilidade, que formavam como a atmosfera que respiravam em torno de Jesus, procediam como Ele. E entre eles, que atenções, que linguagem amável!
- “Meu caro esposo”, dizia a Virgem.
- “Maria, repetia José, e muitas vezes acrescentava baixinho: “Mãe do meu Deus”.
- “Boa Mãe!” – “Bom Pai!” exclamava Jesus docemente. E os dias se passavam, sob este raio do céu, como passa aqui na terra a felicidade.
Eles se amavam! Eles se sentiam amados! Eles amavam tudo em Deus e por Deus.
Cada um dos membros da Sagrada Família esquecia-se de si mesmo para fazer prazer aos outros, e, deste esquecimento de si mesmo, desta necessidade de dar-se, de dedicar-se, nascia esta amabilidade, esta doçura, esta intimidade de relações, que fazem o encanto da família e que são o indício duma alma que Deus possui inteiramente.
Não poderíamos reproduzir um pouco de Nazaré?
O que fecha os corações é o egoísmo; o que os estreita é o amor das comodidades; o que os deixa frios e sem atrativos é a preocupação própria, o que os impede de atrair e prender os outros é a falta de fé e de caridade.
Oh! Peçamos a Deus:
Esta bondade, que torna atencioso;
Este amor, que torna dedicado;
Esta piedade, que impede de desfalecer;
Este tato, que sabe escolher;
Esta caridade de Jesus Cristo, que manda amar sempre.
Depois, façamos desabrochar, mesmo se nos for difícil, este sorriso de benevolência, esta palavra que consola e fortifica, esta postura modesta e agradável que cativa e que faz compreender aos outros que eles não são indesejáveis.
Ó Sagrada Família, como vós, nós queremos ser amáveis. Infundi em nosso coração e depositais em nossa fronte este raio do céu, para que o façamos brilhar incessantemente em torno de nós.
RESOLUÇÃO: Pensemos de vez em quando na amabilidade de Jesus, Maria e José; e quando nos sentirmos frios, egoístas, digamos a nós mesmos: Que teria feito em meu lugar a Sagrada Família?

EXEMPLO
O modelo das famílias cristãs
Em uma paróquia da Bélgica vivia um homem entregue as mais vergonhosos excessos da embriaguez.
Havia mais de 20 anos que ele não deixava de ser objeto de profunda aflição para sua esposa, seus dois filhos e toda a sua família.
Em 1869, um padre Redentorista pregou um sermão, em que apresentou a Sagrada Família de Nazaré como o modelo das famílias cristãs.
Os numerosos assistentes escutaram-no com o mais vivo interesse; mas um deles ficou mais comovido do que os outros.
O seu coração, que ficara insensível ouvindo as mais terríveis verdades, enterneceu-se pela exposição que o ministro de Deus fez da vida familial das augustas personagens de Nazaré.
Abriram-se os olhos do pobre desafortunado. Compreendeu os perigos da falsa vereda em que se tresmalhara. A sua decisão estava tomada. Imediatamente depois do sermão vai procurar o pregador e, lançando-se lhe aos pés, diz: “Meu Padre, pequei muito; mas V. Revma. tocou-me o coração”. Esta conversão foi tão duradoura quanto sincera, pois, desde então, a paz e o amor não deixaram de reinar naquela família.