terça-feira, 18 de junho de 2013

Exercícios Espirituais para Crianças - Inimigos da alma (primeira parte)

Nota do blogue: Acompanhe esse Especial AQUI.
Fr. Manuel Sancho, 
Exercícios Espirituais para Crianças
1955

PARTE PRIMEIRA
A conversão da vida do pecado à vida da graça
(Vida Purgativa. — 1.ª semana)


OS INIMIGOS DA ALMA

1. Quais são estes inimigos. — 2. O mundo. — 3. O diabo. — 4. A carne. — 5. As más companhias. — 6. A carne, o pior inimigo. —7. As ocasiões de pecar.

1. — Já vimos que o pecado é o único verdadeiro mal da alma, mal terrível que a afasta de Deus, seu último fim. Ora, a alma tem inimigos que a impelem ao pecado, matando-a pela privação da graça, e é óbvio que, depois de tratar do pecado, tratemos destes velhacos, destes nossos inimigos mortais, e saibamos lutar com eles e vencê-los.

Segundo conta o catecismo, são três estes inimigos: mundo, diabo e carne.

2. — O primeiro inimigo da alma é o mundo. — Que inimigo grande nós temos! — direis, pensando que, ao dizer mundo, me refiro a esta enorme bola em que vivemos. —Que inimigo grande e redondo! — Não, não é a terra o nosso inimigo, muito pelo contrário. Ela nos dá frutas nas árvores que cria, aromas nas flores, brisas perfumadas, peixes, aves... Oh! é muito boa a mãe-terra!O inimigo de nossas almas são os homens que habitam o mundo. Aqui torcereis o gesto, pensando que também vossos pais e vossos amigos verdadeiros e eu mesmo pertencemos ao mundo, e bem certo é que não somos inimigos vossos. Que mundo, então, será esse, inimigo das vossas almas? O mundo inimigo de nossas almas é composto pelos “homens mundanos que nos rodeiam”[1] pelos que não seguem a Cristo, pelos que com más máximas e piores exemplos corrompem as almas. “A sociedade compõe-se... de homens que guardam a lei de Deus e formam o número dos bons, e de homens que a infringem e formam o número dos maus. Pois esta segunda classe, que com seus maus exemplos ensina e provoca a primeira a pecar, é o primeiro inimigo da alma” (Ibidem).

Deste mundo falava Jesus Cristo quando dizia aos Seus apóstolos que o mundo o desprezaria e perseguiria. Porque este mundo inimigo da alma tem suas máximas contrárias às de Cristo. Cristo diz que sujeitemos as nossas paixões, e o mundo diz que lhes demos rédea solta, como aos terneiros sem domar; Cristo ensina a pobreza, e o mundo ama as riquezas; Cristo procura a vida oculta e humilde, e o mundo procura a vida de fausto e de brilho.

Um pequeno vai ao catecismo, à missão, aos exercícios: é o espírito de Cristo que o anima a isso. Mas ele se encontra com outros pequenos que se riem dele e o chamam de tolo e de carola. O pequeno fica envergonhado e, em vez de acorrer lá para onde Cristo o inspira, fica com aqueles incrédulos em embrião. Estais vendo? Já o mundo causou uma vítima e apoderou-se de uma alma inocente.

Certa menina usa um vestidinho modesto. Suas amigas, que vestem com indecência, zombam dela e lhe dizem que com aquele vestido ela parece uma freira; que elas andam na última moda. A menina chega a casa e tanto roga à mamãe, que esta lhe põe um vestido cujos moldes devem ter sido cortados por diabos modistas. Estais vendo? Outra vítima do mundo.

Terrível inimigo que, com seus exemplos e doutrinas, arrasta inúmeras almas ao inferno!

Estas doutrinas que o mundo ensina, muitas crianças as seguem sem se dar conta. Às vezes, as pobrezinhas não têm ouvido outra coisa; mas, se frequentassem o catecismo, se lessem livros bons, não acreditariam nessas patranhas que o mundo e seus sequazes mostram como moeda corrente e como meio para viver felizes neste mundo, mas não no outro. Às vezes acreditais muito razoável alguma máxima dessas que correm por toda parte, e no entanto são falsidades, porque inteiramente contrárias à doutrina do Evangelho. Se quiserdes então ouvir a voz interior da consciência, ela vos ensinará a verdade. Terrível inimigo é o mundo, que, com seus exemplos e doutrinas, arrasta inúmeras almas ao inferno.

3. — O outro inimigo da alma é o diabo, velhaco de marca maior, enredador sempiterno. É um velho muito velho que se apresenta sempre com cara emprestada, porque a sua nos espantaria. Ordinariamente, para nos tentar, ele se serve do mundo e das pessoas que seguem as máximas deste, e, enquanto estas lhe armam a peça, ele está , de palanque, observando o efeito das suas velhacarias e esfregando as mãos de prazer. Além disto, ele move os ventos das paixões e, por sugestões, faz ver as coisas diferentes do que são. É um grande pintor cenográfico. Sabeis como é que os cenógrafos pintam? Não pintam com pinceizinhos, nem medem com o duplo-centímetro, nem olham as delicadezas: grandes brochas, vassouras quase, servem-lhes para esse fim. Uma brochada aqui, um borrão acolá, um manchão mais abaixo... Já está pintado. Colocam os bastidores convenientemente, aplicam focos de luz em certas direções, e assim a decoração redunda num transunto da realidade. Mas há que olhar para isso de longe, porque de perto o cenário parece um amontoado de bastidores e de cordas, de borrões de várias cores, de montões informes de coisas... enfim, um mare magnum. E as pessoas do público, encantadas com o que vêem na cena, aplaudem calorosamente!

Pois assim é o diabo; é um pintor cenográfico que nos diz: “Isto é bosque, isto é casa”, e nem é bosque nem é casa. Mas o maldito usa de tão boa manha, dirige tais luzes sobre o que pinta, que aparece como uma maravilha o que é um despropósito.

Joãozinho há dias que trama uma diabrura. Pensa em fugir uma manhã para um sítio onde dizem que há um urso que dança e ciganos que tocam e cantam, e depois representam uma comédia em que saem reis, rainhas e acompanhamento de cavalaria. Assim dizem os anúncios. Entrada barata. O barracão ele já sabe onde fica. Sua mãe deu-lhe um dinheirinho para o caso de ele querer fazer alguma esmola. Mas, em vez de fazer esta boa obra, ele guarda o dinheirinho bem apertado na mão...

O pequeno caminha pela rua ensimesmado, e no seu interior trava-se este diálogo entre o seu anjo da guarda e o diabo:

Olha, Joãozinho, — diz-lhe o anjo — olha aquele aleijado que pede esmola: dá-lhe o dinheiro.

Não dês, tolo, — diz-lhe por sua vez o diabo — ele te servirá para o barracão dos ciganos.

Tua mãe proibiu-te entrares em barracão — sussurra-lhe o anjo.

Não faças caso de tua mãe por esta vez — sugere-lhe o diabo. — As mães às vezes são exigentes demais, e ela se esqueceu de que tens doze anos. Doze anos, e não poder entrar em barracões! Isso é uma tirania!

Joãozinho, meu filho, — sussurra o anjo — é o diabo quem assim te fala.

Joãozinho vacila; levanta a mão para se benzer; quer invocar a Virgem Maria... O diabo já está dobrando o corpo para se aprestar a correr e a largar a presa; mas nesse momento um diabo auxiliar, que vai invisível à frente de uma turba de palhaços e de mulheres de rua, desemboca com sua procissão na rua por onde vai Joãozinho, e soa uma trombeta e um tambor e uma voz estridente apregoando a comédia... Joãozinho já não vacila, e começa a andar rumo ao barracão, atrás daquela luzida tropa.

O anjo tutelar ainda lhe sugere bons pensamentos, mas o diabo, que se lambe de gosto, pinta-lhe com as cores mais vivas o barracão e seus prodígios. Joãozinho esquece-se de Deus, de seu anjo, de sua mãe, e entra no barracão...

Não vos contarei o que ele ali vê: vê coisas más, e sai dali tarde.  Sente o aguilhão da consciência... Tudo foi mentira: só é verdade que ele pecou gravemente, porque viu coisas muito más... Quer levantar os olhos ao céu azul, tão belo, ai! quando ele era bom, mas tão triste agora e tão sombrio... No fundo do seu coração parece-lhe ouvir uma gargalhada: é o diabo que se afasta. Assim paga o diabo àqueles a quem engana. Oh! maldito sedutor, que assim roubas a inocência de uma criança!

Pois tende cuidado, meus filhos, de que ele não vos engane assim. Quantas vezes sentireis interiormente essa voz sedutora que vos pinta o pecado com as mais vivas cores! Não duvideis: é a voz do enganador; é a voz do diabo, inimigo declarado de vossas almas. Ele sabe apresentar-se envolto em muitas galas, mas, se o vísseis tal qual ele é, vos espantaríeis. Um santo viu-o, e tão horrível foi essa visão, que o santo teria preferido todos os tormentos do mundo a tornar a ver esse infame, de tão abominável catadura.

Mas não o temais, meus filhos, porque o diabo não faz mal senão a quem voluntariamente se mete com ele em razões. Olhai aquela infeliz Eva que se pôs a discutir com ele: coisa mui diferente teria sucedido se, em vez de ouvir a voz da serpente, ela tivesse agarrado um pau e lhe houvesse esmagado a cabeça. Mas foi tola, e o pagamos ela e nós.

Já vistes os leões e as outras feras que há nos jardins zoológicos para divertir o público? Estão metidos em grandes jaulas de ferro. O público os contempla, atira-lhes pedrinhas e mesmo se ri deles; mas os leões, tigres e ursos não podem dar uma unhada em ninguém, porque estão encerrados nas suas jaulas.

Assim o diabo, como fera, está encerrado numa jaula. A ninguém pode fazer mal, senão a quem dele se aproxima voluntariamente. Não faleis com ele; não façais caso das suas tentações, e vereis como ele foge, e vos rireis dele nas suas barbas de bode. Para afugentá-lo é bom remédio fazer o sinal da cruz e invocar Jesus e Maria, porque então o diabo foge disparado como um foguete.

Já vedes que o leão não é tão feroz como pintam. Embora ladre, embora ruja, não façais caso dele: eis aqui o melhor remédio: o desprezo; porque, sendo ele tão soberbo, isso o fere ao vivo, e ele foge rugindo e maldizendo.

Continuará...



[1] Mazo. — Catecismo.