sexta-feira, 21 de junho de 2013

Graça santificante - (Final)

Nota do blogue: Acompanhar esse Especial AQUI.
Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950

II— Mérito

Que é mérito em geral?

E o direito a uma recompensa merecida por uma obra boa. Assim o operário tem direito ao salário que a recompensa do seu trabalho. Para inteligência desta doutrina advertimos que as obras são vivas, mortas, mortíferas, e mortificadas.

1.º Chamam-se vivas as obras que se fazem em estado de graça, excitando e auxiliando a graça atual, já porque procedem de um princípio espiritual vivo, já porque merecem a vida eterna.

2.º Chamam-se mortas às obras que não obstante serem moralmente boas e sobrenaturais, como a oração, a comunhão, são feitas em estado de pecado e não são, por isso, meritórias da vida eterna.

3.º Chamam-se mortíferas as obras que privam o homem da vida da graça, como são os pecados mortais.

4.º Chamam-se mortificadas todas aquelas obras que, sendo feitas em estado de graça, ficam impedidas de produzir o seu efeito, em razão do pecado mortal subsequente, quando já não têm mais valor para nos merecerem a vida eterna. Todavia, remetido o pecado pela Penitência, as obras que antes foram feitas na graça de Deus e mortificadas pelo pecado subsequente, revivem, e readquirimos o seu mérito. O pecado roubou-o, a graça restituiu-o.

Que é mérito sobrenatural?


E o direito a uma recompensa sobrenatural que resulta de uma obra sobrenaturalmente bem feita livremente para Deus, e de uma promessa divina que afiança essa recompensa. Expliquemos esta definição.

1.° O Mérito é um direito a uma recompensa sobrenatural que consiste no aumento da graça santificante na nossa alma, na glória e felicidade do Céu e no aumento desta glória e felicidade.

2.° Recompensa merecida por um até interior ou exterior de virtude sobrenatural, feito para Deus, feito em estado de graça e com o auxílio da graça.

I — Certeza do mérito

As recompensas do mérito são certas.

1.º Aumento da graça santificante na alma.

São João Evangelista diz que «Aquele que é justo justifique-se mais, e aquele que é santo santifique-se mais ainda.»

São Paulo exorta-nos a que pratiquemos o Evangelho na caridade a fim de crescermos em todas as coisas n'Aquele que é a cabeça, Jesus Cristo. (Efes. IV, 13). O Concílio de Trento afirma que o homem justificado, isto é, na graça de Deus, merece um aumento de graça pelas boas obras que faz.

2.º Glória e felicidade do Céu.

São Tiago diz: «Bem-aventurado o homem que sofre provações de toda a espécie porque receberá a coroa da vida que Deus promete àqueles que o amam. São Paulo compara a nossa vida a uma carreira no fim da qual se recebe uma coroa imortal. (I Cor. IX, 24).

O Concílio de Trento afirma ainda que o homem justificado merece a vida eterna.

3.º Aumento da glória e felicidade no Céu.

Nosso Senhor Jesus Cristo promete dar aos justos uma recompensa proporcionada às suas obras. « Dará a cada um, diz são João, segundo as suas obras.» (Apoc. XX, 12). O servo, que negociou com os talentos recebidos do seu Senhor, recebeu o duplo como recompensa. (Mat. XXV).

O Concílio de Trento assegura, finalmente, que aquele que morre em estado de graça merece o Céu e um aumento de glória.

II — Condições geral do mérito

Vejamos as condições gerais do mérito:

1.º Por parte do homem.

Estado de graça. — Tratando-se do mérito propriamente dito, a obra deve ser praticada em estado de graça.

Façamos uma comparação. Uma árvore é brava, selvagem; os seus frutos são acres, não se podem tragar. Que há a fazer? Cortá-la e lançá-la ao fogo? Não. Enxerte-se. E, na primavera, cobre-se de folhas, recama-se de flores e na estação própria dá frutos. Mas que frutos tão saborosos, dignos de ser apresentados na mesa dos grandes!

Coisa admirável! A árvore é a mesma, o tronco é o mesmo, os ramos são os mesmos! Mas devido à ação do enxerto a seiva foi transformada. Verdadeira imagem da transformação das almas pela graça. Pela graça somos enxertados em Cristo, tornamo-nos participantes dos Seus méritos.

Se uma pessoa estiver em pecado mortal, poderá, é certo, fazer boas ações, mas estas são frutos amargos rejeitados por Deus, como indignos de recompensa eterna.

Ouçamos a propósito, o Apóstolo são Paulo: Ainda que tenha uma fé capaz de transpor montanhas, ainda que eu fale a linguagem dos anjos e dos homens, ainda que dê todos os meus bens aos pobres e entregue o meu corpo aos rigores da mortificação, se não estiver nas graças de Deus, nada sou nem de nada me aproveita. Se a mesma pessoa passar ao estado de graça, a mínima ação, um copo de água fria que ela dê, não ficará sem recompensa.

A pessoa é naturalmente a mesma, mas sobre­naturalmente foi transformada pela seiva da graça que torna todas as ações agradáveis a Deus e meritórias.

Quanto é útil andar na graça de Deus, e prejudicial andar em pecado mortal!

A alma deve ser: 

1.° Moralmente boa. Pois que em vez de prêmio, o que se dará a uma obra má, é o castigo.

2.° Sobrenatural. Todo o bem que fazemos fora do influxo da graça, com as únicas forças da natureza, só nos poderá valer outro bem na mesma ordem: constitui merecimento natural e só dá direito a uma recompensa desta mesma ordem.

3.º Por parte de Deus. O merecimento de justiça supõe a vontade de Deus manifestada por promessa: «cada um, diz são Paulo, há de receber o salário, conforme o trabalho». A mim resta-me a coroa de justiça que me está reservada. «Eu mesmo, diz nosso Senhor, serei a vossa recompensa».

Estas condições deduzem-se das diversas causas que concorrem para a realização de atos meritórios, por consequência, de Deus e de nós mesmos. Deus não nos falta. Devemos, portanto, atender a nós mesmos e aos nossos atos.

III — Condições para o aumento do mérito

1 — Condições exigidas no sujeito em si mesmo.

As principais condições que contribuem para o aumento do nosso mérito são:

1.º O grau de graça santificante. — Na verdade, quanto mais graça santificante possuirmos, tanto mais agradáveis somos a Deus, e tanto mais lhe agradam os nossos atos e, por isso, maior recompensa têm. Como esta doutrina é consoladora para cada um de nós! Aumentando cada dia o capital da graça, aumento o valor dos meus atos e torno os cada vez mais meritórios. Façamos por corresponder ao convite de nosso Senhor: «Aquele que é justo justifique-se mais».

2.º O grau de união com Cristo. —Jesus Cristo é a fonte do nosso mérito e a causa meritória principal de todos os bens sobrenaturais. «Não sou eu quem opera, diz são Paulo, é a graça de Deus comigo.» (I Cor. XV, 10).

Ora quanto mais perto estamos da fonte mais recebemos da sua plenitude; quanto mais unidos estamos à cabeça mais recebemos dela o movimento e a vida. É isto mesmo que nos diz Jesus Cristo nesta bela comparação: Eu sou a videira e vós os ramos; aquele que permanece em mim eu nele, esse produz muito fruto. (Jo. XV, 1-16). Unidos a Jesus Cristo, como os ramos à cepa, recebemos tanto mais seiva divina quanto mais habitualmente, atualmente e estreitamente estamos unidos à cepa divina.

Por isso a santa Igreja nos pede que façamos as nossas ações por Ele e n'Ele.

Por Ele. — Ninguém vai ao Pai sem passar por Ele. Ele diz, falando de si mesmo: «eu sou o caminho.»

Com Ele. — No caminho da vida devemos dar-lhes a mão como uma criança a seu pai, devemos operar com Ele, Sem mim, diz Ele, nada podeis fazer.

N'Ele. — Devemos entrar n'Ele, fazer organicamente parte d'Ele como os ramos de uma árvore, e tê-lo por cabeça dos membros de um corpo. Então podemos dizer com são Paulo: Eu vivo, mas verdadeiramente não sou eu que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim, é Jesus Cristo que pensa, fala e opera em mim.

Assim toda a nossa atividade torna-se auten­ticamente cristã, atividade por Cristo, com Cristo e em Cristo.

Fora disto não há senão falsificação.

3.º A intensidade ou fervor com que se opera. — Podemos fazer as nossas ações com fervor, com ardor, utilizando toda a graça atual posta à nossa disposição, ou ao contrário, com desleixo e frouxidão. É evidente que os resultados nestes dois casos são bem diferentes.

Se operamos com indolência, se fazemos pouco e mal, nada adquirimos, ou só poucos méritos; se operamos com todas as forças, de modo a fazermos muito e bem, alcançamos muitos merecimentos.

Façamos sempre cada vez mais e cada vez melhor.

4.º A pureza de intenção ou perfeição do motivo que nos leva a operar. — A intenção é o que há de principal nos nossos atos.

Ora há três elementos que dão à nossa intenção valor especial.

1.º A caridade isto é, o amor de Deus e do próximo. Assim as nossas ações mais vulgares, sem perderem o seu valor próprio, participando do valor da virtude da caridade, convertem-se em atos de caridade. Por exemplo: comer para refazer as forças é um até honesto, que num cristão que vive em graça, se torna um até meritório; mas reparar as forças para melhor poder trabalhar para glória de Deus e bem das almas, é um motivo de caridade bem superior e que nobilita esse até e lhe confere grande valor meritório.

2.º Várias intenções. — Uma ação boa, feita por diversas intenções, torna-se mais meritória. Assim um até de obediência aos superiores, feito por um duplo motivo: respeito à autoridade e amor a Deus, que se vê na pessoa do superior, terá o duplo mérito — da obediência e da caridade.

E, pois, útil propormo-nos várias intenções sobrenaturais.

3.º Tornar explicitas e atualizar as intenções sobrenaturais. — Assim como o pedreiro, à medida que vai fazendo parede, se vai servindo do prumo para que toda fique em linha vertical, assim também à medida que vamos fazendo boas ações sobrenaturais, devemos renovar a intenção de fazer tudo para glória de Deus, porque as paixões humanas, sobretudo o amor próprio, as desviam da linha reta. — Tudo, pois, para maior glória de Deus!

2 — Condições exigidas no até em si mesmo

Não são unicamente as disposições do sujeito que aumentam o mérito, mas também as circuns­tâncias que contribuem para tornar a ação mais perfeita.

1.º Excelência do até que se pratica. — Há uma hierarquia nas virtudes: assim os atos das virtudes teologais são mais perfeitos que os atos das virtudes morais, e, por este motivo, os atos de fé, esperança e caridade são meritórios que os atos de prudência, justiça, fortaleza e temperança.

2.º A quantidade, em certas ações, pode influir no mérito. — Assim, em igualdade de circunstâncias, uma esmola de cem escudos é mais meritória que a de dez centavos.

3.º A duração torna também a ação mais meritória. — Orar ou sofrer durante uma hora vale mais do que fazê-lo durante cinco minutos.

4.º Dificuldade do até. — O mérito está em proporção com o esforço moral ou físico despedido na realização do até. Resistir a uma tentação violenta é mais meritório do que resistir a uma leve tentação; praticar a doçura, quem tem um temperamento irascível é mais meritório do que quem tem um temperamento meigo.
Devemos, pois, não só santificar todas as nossas ações, mas também fazê-las com a máxima perfeição para que sejam muito meritórias.

III — Bem-aventurança eterna

Os frutos da terra têm cada um seu sabor especial; assim também os frutos do Espírito Santo ou as obras sobrenaturais tem cada uma o seu sabor.

Ora, do mesmo modo que o sabor não nos delicia se o fruto não se põe em contacto com o paladar, órgão do gosto, assim também é preciso que o sabor dado pela graça santificante às obras sobrenaturais entre em contacto com o paladar espiritual para que haja deleitação espiritual — beatitude ou felicidade suprema.

A graça, dá pois, a felicidade eterna.

Diógenes, o cínico, mandara construir no mercado de Atenas, um belo estabelecimento, no frontispício do qual se liam estas palavras: aqui, vende-se a sabedoria. Um homem rico da cidade mandou um dos seus criados comprar sabedoria no valor de três moedas. Diógenes tomou o dinheiro e escreveu esta sentença: «Em todas as coisas considera o fim»: A máxima parece tão sensata ao rico Ateniense que a mandou gravar na fachada da sua casa.

Nada custa a gravar esta sentença nas nossas almas.

Consideremos o fim de nossa vida natural: é a morte. O fim de nossa vida sobrenatural: esta não tem fim. Se estamos na graça de Deus a morte será uma grande alegria, porque, da vida da graça passamos à vida da glória. Entre a graça e a glória há a espessura de um véu, a morte descortina esse véu.

A graça e só ela, dá a felicidade eterna.

«Que a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo seja convosco». (Tess. V, 28).

Continuará com o capítulo: Graça atual...