sábado, 4 de maio de 2013

Amor do próximo - Sexta Parte

Nota do blogue: Acompanhar esse Especial AQUI.
Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950

Origem dos pecados contra o amor do próximo

            1— Egoísmo

            Cada um deve amar-se a si mesmo, devido a excelência da sua alma e do seu corpo. O corpo é a morada criada por Deus para a alma imortal e o instrumento da alma, que nos foi confiado por Deus para acumular merecimentos para a vida eterna. Portanto, a vida e a saúde do corpo são de grande valor pois a vida terrena é o tempo de semear para se colher na vida eterna.

         O egoísmo ou o amor desordenado de si mesmo, faz com que o homem, para satisfazer as suas paixões e comodidades, passe por cima dos interesses de Deus e do próximo; sacrifica tudo a si mesmo.
            Ora aquele que se ama desordenadamente a si mesmo perder-se-á. Perde primeiramente o que tem de melhor: o amor; pois que amor e egoísmo são incompatíveis. Com quem deixará um egoísta de ter conflitos de amor próprio? Quem poderá amar um egoísta? — Perde a paz interior. O egoísta vive sempre em desconfiança, em luta, não tem um momento de descanso, nem na alma nem no corpo. Perde-se, torna-se escravo. A sua inteligência clara, a sua vontade livre, os seus sentimentos nobres, escraviza-os ao seu instinto pervertido, ao egoísmo que é a paixão das paixões.
            Devemos, pois, quebrar as cadeias do egoísmo a fim de tornar livre, a livre filha de Deus — a caridade.

            2— Avareza

            O avarento não procura adquirir somente o que é necessário ou útil a si ou a uma coletividade, quer ter para ter. Daí vêm muitas privações e sovinices no seio da abundância. Serve-se de todos os meios lícitos e ilícitos para acumular riquezas.
            Guardai-vos da avareza, diz o divino Mestre, porque ela causa grandes estragos.

            1.º A avareza rouba os bens, as riquezas.
            O avarento não quer senão receber. Como um cão danado que morde toda a gente, diz são Vicente de Ferrer, o avarento não quer tirar aos seus semelhantes senão lucros.
            2.º A avareza rouba o amor do próximo.
            A avareza rouba a riqueza verdadeira e própria da vida: o amor do próximo. O avarento é cruel para com o próximo, não tem compaixão daqueles que sofrem, nem piedade dos desgraçados que não quer socorrer.
            O seu coração assemelha-se a uma bigorna que não amolece ainda que lhe batam continuamente com um martelo; e as suas riquezas a um montão de estrume, que tornaria os campos férteis se o espalhassem. Ela não é verdadeiramente útil, diz são Boaventura, senão repartida pelos pobres que facilmente podia sustentar com o seu supérfluo.
            3.º A avareza rouba o amor de Deus.
            Não se podem servir a dois senhores — Deus e as riquezas; odeia-se necessariamente um, quando se ama o outro. Mas, perder o amor de Deus é perder o próprio Deus. O avarento é um idólatra, diz são Paulo, cujo Deus é o dinheiro. A este ídolo consagra os seus pensamentos, desejos e cuidados.
            Foi Jesus Cristo, o primeiro, como diz Oscar Wilde, que reconheceu que a riqueza é para o homem uma tragédia maior que a pobreza. Quando ele diz ao jovem rico: «Vende tudo o que tens e dá-o aos pobres», ele pensa menos na situação dos pobres, do que na alma do jovem; é a sua alma que sofre privações no meio das riquezas. Sim, é menos ao amor dos homens que nos convida, do que ao nosso amor próprio que ele nos grita: Guardai-vos da avareza!

            3— Ira

            Por causa da ira, diz são Tiago, cometem-se só injustiças diante de Deus.

            1.º O homem irado comete muitas injustiças.— Toda a falta de amor que há na ira é uma falta contra o amor de Deus; de maneira que quando se faz mal a alguém é o mesmo que fazê-lo a Deus.
            Se se perguntasse a um homem irado: contra quem vos encolerizais? Contra este nó sem vida? Contra este animal sem razão? Contra este homem inocente?
            Verdadeiramente, não é contra eles, porque não são responsáveis pelos meus excessos.
            Então, contra quem é? Contra Aquele que dispõe e regula tudo?
           A resposta deveria ser, sim: Contra Deus? É realmente contra Deus que se encoleriza. Mas como não é possível atingir Deus, então revolta-se contra as suas criaturas.
            A ira é uma injustiça contra Aquele que é a eterna Bondade.
         O homem exaltado é pior que um animal feroz, porque a ferocidade do leão, diz são Boaventura, desaparece quando encontra outro; o homem exaltado, ao contrário, volta o seu furor contra os seus semelhantes. É até pior do que os demônios. Estes são autores de todas as discórdias, mas estão sempre unidos entre si; ao contrário, o homem enfurece-se contra o seu irmão e da ira provém muitas feridas, assassinatos e demandas.
            2.º O homem irado torna-se odioso aos seus semelhantes. — Ninguém gosta das tempestades nem dos furacões e menos ainda do homem irascível; desviam-se dele como de um cão raivoso e nunca se podem travar laços de amizade com ele. «Não queiras ser amigo do homem iracundo, diz o Espírito Santo, nem andes com o homem furioso». (Prov. XXII, 24).
           É mais fácil viver com um animal do que com um homem irado, porque o animal deixa-se domesticar e o homem irado, não.

            4A inveja

            1.º A inveja é diabólica na sua natureza.
            A inveja tem uma origem diabólica. «A inveja é do diabo». (Sap. II, 14). Foi o demônio que, entre a boa semente de Deus, semeou este joio no coração do homem.
            2.º A inveja é diabólica nas suas ações.
            A inveja é diabólica na sua natureza e nas suas ações.
            Quantas inimizades, perseguições e injustiças há no mundo devido à inveja.
            Se esta terra é um leito de morte, onde, cada dia, quase cem mil homens dão o último suspiro, e é um imenso cemitério, tudo isto é obra da inveja. «Foi pela inveja do demônio que a morte entrou no mundo». (Sap. II, 24).
            Neste tempo de guerras sangrentas, cidades destruídas, campos desvastados, hospitais cheios de feridos e a face da terra orvalhada com lágrimas e sangue, tudo isto, em parte, é obra da inveja que não pode ver um poder estranho prosperar e viver.
            Mais sinistra nos parecerá, porém, a ação da inveja no mundo, se recordarmos que, entre todos estes mortos, não há somente homens, há um Deus. Foi como vítima imediata da inveja, segundo o testemunho das Escrituras, que morreu Jesus Cristo.
             A inveja é uma paixão que não causa senão sofrimento. Não faz o mal por amor as honrarias, como o orgulho; nem por prazer, como a luxúria; nem por amor do ouro, como a avareza. A inveja, diz o Espírito Santo, é a podridão dos olhos. (Prov. XIV, 30). O que ela proporciona são horas amargas, dias tristes, uma vida infeliz, uma eternidade desgraçada.
            Conta-se que um santo, vendo do alto do Céu sua mãe no abismo da condenação, não descansou enquanto não conseguiu que um anjo descesse a essas profundezas para a conduzir ao Céu. Quando, porém, o anjo a arrebatava, muitos companheiros da sua desgraça agarraram-se a ela para irem participar da sua felicidade. Mas, quando esta mulher viu que outros se aproximavam desse lugar de felicidade eterna, cheia de inveja, sacudiu-os e caíram de novo, nesse profundo abismo. A mão do anjo deixou-a também cair e o santo reconheceu que um invejoso não é capaz de participar da vida eterna e do eterno amor de Deus.
            3.º A inveja opõe-se ao amor. — O amor regozija-se com o bem em toda a parte que o encontra; a inveja, ao contrário, entristece-se à vista da felicidade dos outros, considerada como um mal para si. O amor consola os tristes, socorre os desgraçados, quer transformar em bem todo o mal que encontra no mundo; a inveja, ao contrário, até a gota de felicidade que aparece no meio de uma infinidade de males a quer transformar em desgostos e tormentos.
            4.º A inveja opõe-se ao próprio Deus. — Deus é o amor e o amor é de si difusivo. Ora a inveja não quer que Deus seja bom e faça bem; não quer que Deus seja Deus.

            5A sensualidade

            A sensualidade, o amor dos sentidos, tem a sua origem no corpo e o corpo não é senão egoísmo. Nenhum dos sentidos do corpo quer dar, todos querem receber. A sensualidade também não quer senão adquirir e possuir, mesmo por meios violentos. Pouco lhe importa, diz alguém, que corrompa o mais delicado per­fume de uma flor, que tire a honra, a paz e a felicidade a uma pessoa. Este amor sensual é diabólico, vem do demônio e conduz ao inferno.
            Todo o amor se deve espiritualizar, por isso, dizia Sócrates, que não era com os sentidos mas com a alma que amava os seus amigos. Devemos ver Deus nas criaturas e, por isso, amá-las com um amor puro e santo.