terça-feira, 28 de maio de 2013

Graça santificante - (Terceira parte)

Nota do blogue: Acompanhar esse Especial AQUI.
Cônego Júlio Antônio dos Santos
O Crucifixo, meu livro de estudos - 1950

2 — Seus efeitos na pessoa

1.º Sendo a natureza uma potência de operações, necessita esta potência de um princípio operador que seja o centro atributivo e responsável das operações. Este centro é a pessoa. As ações, diz o axioma filosófico, atribuem-se à pessoa.

2.º E sendo a pessoa o centro atributivo e responsável das operações da natureza, segue-se logicamente que a pessoa participa da dignidade da natureza. Ora pela graça santificante a nossa natureza é deificada, há pois, também a deificação da pessoa.

Como se opera esta deificação da nossa pessoa pela graça?

Pela justificação, ação divina que produz na nossa pessoa um tríplice efeito: Remissão dos pecados, santificação e união com a Santíssima Trindade.

I— Remissão dos pecados

Antes de sermos elevados à ordem sobrenatural somos todos pecadores, pois que temos, pelo menos o pecado original. Sendo o pecado um obstáculo à felicidade divina, o primeiro efeito da justificação é destruir o pecado na pessoa elevada, efetivamente, à ordem sobrenatural.

O cristão renasce da água do Espírito Santo e do fogo. Porque a água? A graça, é como uma água divina, diz o Catecismo Romano, que purifica de todas as manchas a alma. Porque o fogo? O ouro que é passado pelo cadinho fica inteiramente purificado, a alma, ao receber o batismo, fica imaculada.

Convém notar que a graça santificante purifica a alma mas não purifica a carne da concupiscência da inclinação para o mal. Por isso diz São Paulo: «Eu sei que nada de bom está em mim, isto é, na minha carne». (Rom. VII, 18). A concupiscência permanece para que se reconheça quão pernicioso é o pecado e para que se tenha sempre, na luta contra a natureza corrompida, ocasião de adquirir muitos méritos para o Céu.

II— Santificação

A graça santificante, diz o Concílio de Trento, comunica à nossa alma a beleza de Deus. O fogo sobre o ferro penetra-o, abrasa-o, torna-o luminoso, ígneo, dourado, por assim dizer: assim sucede à alma, pela ação da graça, adquire uma qualidade permanente de luz e esplendor, uma beleza incomparável. Somos divinizados, e, por isso, a Escritura chama aos homens, deuses.

A destruição do pecado e a santificação sucedem-se como o duplo fenômeno do desaparecimento das trevas e do aparecimento da luz.

III — União com a Santíssima Trindade

Devido a essa qualidade impressa na alma, o justo torna-se filho de Deus e irmão de Jesus Cristo, membro do Seu Corpo místico e santuário do Espírito Santo.

1— Filho de Deus e irmão de Jesus Cristo

1.º A graça santificante é uma participação criada da natureza divina ou incriada, recebida, por geração, no Sacramento do batismo. Aqui a geração, diz Santo Tomás, atribui-se ao Pai como ao seu autor, ao Filho como à causa exemplar e ao Espírito Santo como àquele que imprime a imagem de Jesus Cristo nas almas. «Pois que, acrescenta são Cirilo de Alexandria, não seríamos filhos de Deus por adoção, se o Filho único do Pai não fosse o modelo sobre o qual deveríamos ser formados pelo Espírito Santo».

Ele tomou a nossa substância nascendo entre nós e comunicou-nos a substância de Seu divino Pai, fazendo-nos nascer de Deus pelo Espírito Santo: Qui ex Deo nati sunt. (Jo. I, 23). «Vede o amor do Pai para conosco, diz São João, nós somos chamados e somos realmente filhos de Deus». (Jo. III, 1).

Como consequência desta filiação divina somos herdeiros do Céu. «Filhos e herdeiros», diz São Paulo. (Rom. VIII, 17).

2.º Pela graça o justo torna-se também irmão de Jesus Cristo. A nossa fraternidade com Jesus Cristo é uma consequência direta da nossa filiação divina. Com razão, diz São Paulo, «Jesus Cristo é o primogênito entre irmãos». (Rom. VIII, 29). Somos, pois, Filhos do mesmo Pai: Ele por natureza e nós por adoção. Os direitos, os efeitos e as vantagens, em certo modo, são as mesmas. Somos todos da família de Deus participantes da plenitude da graça e da glória de Jesus Cristo. «Vós sois, diz São Paulo, herdeiros de Deus e coerdeiros de Jesus Cristo». (Rom. VIII, 17). Herdeiros de Deus porque é nosso Pai e coerdeiros de Cristo porque Este é nosso irmão.

Há um quadro célebre. É a Ceia de Leonardo Vinci. O genial artista gastou vinte anos na execução desta obra. Querendo esboçar na tela a figura de Jesus, começou então a procurar um modelo. Passarem-se meses sem que aparecesse o modelo perfeito. Encontrou-o por fim. Entrando numa igreja, encantou-o um jovem que estava a ajudar à Missa. O jovem de feições tão inocentes, tão majestosas, dava uma impressão da divina beleza. E diz de si para si: está aqui o modelo ideal. Deu-se então ao trabalho. Passou largo espaço de tempo reproduzindo o modelo que a boa sorte lhe deparara. O vulto de Jesus ressaía da tela fazendo transparecer, de uma maneira maravilhosa, toda a beleza da majestade, bondade e ternura divinas.

Só lhe faltava reproduzir na tela a figura de Judas. Precisava, portanto, de reproduzir na tela o conjunto de todos os vícios: a avareza, a raiva, o ódio, o desespero. Deu-se a percorrer os bairros miseráveis, as vielas onde mora o vício e o crime. Viu caras hediondas, feições patibulares e repugnantes. Em nenhuma encontrava a encarnação da malícia que exprimisse o ideal que concebera.

Começa a percorrer as prisões. Vê ladrões, assassinos, gente com o crime estampado no rosto, mas não o satisfazem.

Um dia, porém, baixou a um cárcere subterrâneo onde estavam reclusos os maiores criminosos. Viu aí uma figura horrível, hedionda, que tinha bem estampado no rosto o crime e o desespero. Estava aí o modelo desejado. Fixou a sua fisionomia e começou a fazer um esboço. A certa altura diz, de si para si, o ilustre pintor: Parece-me que há aqui traços já reproduzidos. E, entretanto, pergunta ao criminoso:

Quem és tu? Eu sou Pedro Bodinelli, servi, há anos, de modelo para o vulto de Jesus no vosso quadro—a Ceia. Ó desgraçado, exclama, com espanto e dor, Leonardo de Vinci, como é possível que tu, que servistes de modelo da fisionomia de Jesus, sirvas agora de modelo para a fisionomia de Judas! E que o jovem de feições divinas entrou no caminho do vício e, de crime em crime, foi até à profundeza dos abismos.

Eis a transformação que a perda da graça de Deus, o pecado opera na aparência exterior do homem. O que será na alma?! Quem vive na graça de Deus é um anjo, um outro Jesus Cristo, diz são Bernardo, quem a perde é um demônio.

2— Deveres dos filhos de Deus e irmãos de Jesus Cristo

Nesta grande família cristã o nosso modelo a imitar e exemplar a seguir é Jesus Cristo. Predestinou-nos, diz São Paulo, para sermos conforme à imagem de Seu Filho, o primogênito entre muitos irmãos, (Rom. VIII, 29). O Verbo divino, vindo ao mundo e revestindo a natureza humana, propõe-se glorificar o Pai e salvar a dignidade decaída. Para este duplo fim prescreve-nos os meios a empregar e indica-nos os obstáculos a vencer. Tudo se reduz ao fim, aos meios e aos obstáculos. Ora é isto precisamente que é expresso no Pai-nosso, sob uma forma simples. O Pai-nosso é o resumo do Evangelho. O nosso fim é a glória de Deus e a nossa felicidade eterna.

— Pai nosso que estais no Céu.— Estas palavras inspiram-nos um ato de fé na grandeza dAquele que habita nos Céus: — um ato de ternura filial porque é nosso Pai.

Honra divinaSantificado seja o vosso nome. — Com estas palavras, diz Santo Agostinho, devemos desejar e pedir que Deus seja conhecido, amado, servido e glorificado por todos os homens, ainda pelos infiéis que o desconhecem, pelos ímpios que o blasfemam e pelos pecadores que o ultrajam.

Nossa salvação. — Depois da honra divina devemos cuidar especialmente da nossa salvação.

1.º Venha a nós o vosso reino. - Filho do mais nobre, do mais rico e justo dos Pais reclamamos a nossa herança. É um reino que Jesus Cristo descobriu e conquistou para nós.

2.º Seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu. — Mas esta herança, este reino não se obtém somente pelo desejo, pela oração, pela esperança, é preciso merecê-lo, empregando os meios prescritos pelo Salvador, isto é, cumprindo os nossos deveres. «Não basta clamar: Senhor! Senhor! para entrar no reino dos Céus, é preciso fazer a vontade de meu Pai!»

Não basta, pois, pedir o Paraíso é preciso obedecer aos divinos preceitos. Com este fim dizemos: Seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu.

3.º O Pão nosso de cada dia nos dai hoje. — A vontade de Deus não pode ser sobrenaturalmente e constantemente cumprida sem a assistência do Senhor ao espiritual e ao temporal. Por isso nós pedimos: O Pão nosso de cada dia nos dai hoje. Por estas palavras pedimos o que é necessário cada dia à vida da alma, isto é, a palavra de Deus, a graça e a Eucaristia, e o que é indispensável à vida do corpo: a alimentação, o vestuário, a habitação. O Pão nosso. — E o pão a que temos um certo direito em virtude da nossa adoção e dos méritos de Jesus Cristo e que nós pedimos em união de caridade com todos os membros do corpo místico de Cristo.

Depois de termos pedido os meios para conseguir o nosso fim, pedimos que desvie os obstáculos que se opõem à nossa salvação.

1.º Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores — Pedimos a Nosso Senhor que nos perdoe os nossos pecados, e como somos todos pecadores, suplicamos que nos perdoe as nossas faltas, assim como nós perdoamos aos que nos devem.

2.º Não nos deixeis cair em tentação. — Estamos expostos a muitos perigos e ocasiões de pecado, por isso, temos necessidade de pedir a Deus que nos livre de todos os perigos e ocasiões de pecado ou que, pelo menos, nos dê a graça de não cairmos.

3.º Mas livrai-nos do mal. — Isto é, do mal da alma, sobretudo do pecado e do castigo que lhe é devido, e de qualquer mal do corpo, enquanto é um obstáculo à nossa salvação. Pedimos também para sermos livres dos males da outra vida, do inferno e do Purgatório.

Recitemos, pois, atenta e devotamente esta sublime oração, oração que consta de poucas palavras, diz Tertuliano, mas cheia de riqueza!

3— Membros do corpo místico de Cristo

Jesus Cristo, diz São Paulo, é a cabeça de um corpo de que somos os membros. Assim como a cabeça e os membros não formam senão um e mesmo corpo, assim também Jesus Cristo e os cristãos, não formam senão um todo.

Esta união com Cristo começa no Batismo: «Somos batizados no mesmo Espírito, diz São Paulo, para formar um só corpo; aperfeiçoa se pela Confirmação, conserva se pela Eucaristia: «aquele que me comunga permanece em mim e eu nele».

E logo que o pecado quebrou esta união, renova-se pela penitência. Finalmente, no curso habitual da vida alimenta se em nós pela fé, pela graça e pelo amor. Esta união é a fonte de todo o bem e de todos os nossos merecimentos. E de Jesus Cristo como nossa cabeça que provém todos os nossos bons pensamentos, todos os piedosos movimentos, todas as graças interiores que formam os santos. É em virtude da nossa união com Cristo, que todas as nossas orações e boas obras se tornam de um merecimento infinito e alcançam o Céu. Tudo o que nós fazemos, não o fazemos sós; Cristo opera conosco e em nós.

Oramos? Cristo ora em nós. A nossa oração e a Sua não fazem senão uma oração.

Trabalhamos? Cristo trabalha conosco. O nosso trabalho junta-se ao de Jesus em Nazaré.

Sofremos? Cristo sofre em nós. Pelos nossos sofrimentos e completamos, como diz São Paulo, o que falta aos sofrimentos de Cristo. (Col. I, 14).

Como membros do Corpo místico de Cristo enriquecemos a nossa vida de tudo o que Jesus possui, de tudo o que Ele fez, de tudo o que Ele é.

4— Santuário do Espírito Santo

Pela graça, Deus habita em nós. São Paulo diz: «Não sabeis que os vossos membros são templos do Espírito Santo, que habita em vós?» (I Cor. VI, 19).

— Santo Agostinho afirma que um cristão é um templo animado que entra dentro de um templo inanimado.

— O sacerdote ao administrar o Sacramento do batismo intima da parte de Deus o espírito imundo a abandonar a criança que vai tornar-se a habitação do Espírito Santo. «Sai espírito imundo para dar lugar ao Espírito Santo».

Eis o conceito que os primeiros cristãos faziam da graça.

— O Prefeito romano perguntava a santa Luzia: Então Deus habita em ti? E ela respondia: Sim, as almas castas e puras são templos de Deus.

— O Imperador Trajano chamava miserável a santo Inácio de Antioquia e este observava-lhe: Não me trates de miserável porque eu trago a Deus comigo.

— Leônidas, pai de Orígenes, vai junto do berço de seu filhinho, descobria-o no peito e beijava-o aí com toda a reverência. Perguntando-lhe porque procedia assim, respondeu: Eu adoro a Deus no coração de meu filho que acaba de ser batizado.

Ó grandeza admirável! Quão venerável é a alma e respeitável o corpo de um cristão!

5 — Deveres para com o santuário do Espírito Santo

Para levantar um edifício é necessário:

1.º Talhar e polir todas as suas pedras. Do mesmo modo, na construção do templo de Deus, devemo-nos servir do martelo e cinzel da mortificação para desbastar e polir, isto é, tirar todos os defeitos e substituí-los por virtudes. Numa palavra, devemos cuidar da nossa perfeição espiritual. O Apóstolo São Paulo repetia, muitas vezes com toda a energia: «lembrai-vos que sois templos de Deus; o templo de Deus que vós sois é santo. Se alguém profana este templo será rigorosamente castigado. Deus o destruirá». (I Cor. III, 17 —11 Cor. VI, 16)

— As coisas santas devem tratar-se santamente: devemos conservar a pureza da alma e a castidade do corpo para que assim sejamos digna habitação da Trindade Santíssima.

— Prestamos toda a atenção a uma pessoa de categoria que nos visita. Ora, onde recebemos personagens comparadas aos hóspedes da nossa alma: o Pai, o Filho e o Espírito Santo?

Tenhamos vida interior, diz Hamon, evitando os desvarios da imaginação, as divagações do nosso espírito, as afeições do nosso coração, a dissipação dos nossos sentidos e ocupando- -nos inteiramente de Deus, adorando-o, suplicando-lhe e dando-lhe graças, a todo o momento.

2.º Juntar e coordenar as pedras. — Bem talhadas e bem polidas as pedras, é preciso juntá-las e coordená-las umas com as outras de maneira a constituírem um edifício magnífico.

Somos, diz o Apóstolo, pedras vivas destinadas à construção desse templo imortal que Deus prepara na eternidade: templo augusto, de cada alma santa deve fazer parte, a contar desde os profetas e os Apóstolos que são os seus fundamentos, os mártires que são as suas vítimas, as virgens que são as suas flores, os confessores que são o seu ornamento, até aos santos mais desconhecidos que resplandecerão todos, cada um no seu lugar, pela variedade dos seus méritos; — templo sempre crescente que se vai elevando cada dia até à sua plena perfeição e cuja dedicação se fará no Céu no dia em que Jesus apresentar a Seu eterno Pai a Sua Igreja pura e imaculada para Lhe ser unida para sempre. (Efes. II, 21, 22).

continuará...