sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O Orgulho e os vícios anexos

Nota do blogue: Acompanhe esse especial AQUI.

A Vida Espiritual explicada e comentada 
Adolph Tanquerey


§ I. O orgulho em si mesmo

820. O orgulho é um desvio daquele sentimento legítimo que nos leva a estimar o que há de bom em nós, e a procurar a estima dos outros na medida em que ela é útil às boas relações que devemos manter com eles. Não há dúvida que podemos e devemos estimar o que Deus pôs em nós de bom, reconhecendo que Ele é o primeiro princípio e o último fim de tudo: é um sentimento que honra a Deus e nos leva a respeitar-nos a nós mesmos. Pode-se, outrossim, desejar que os outros vejam esse bem, que o apreciem e dêem por ele glória a Deus, do mesmo modo que devemos reconhecer e estimar as qualidades do próximo: esta mútua estima não faz senão favorecer as boas relações que existem entre os homens.
Mas pode haver desvio ou excesso nestas duas tendências. Por vezes esquece o homem que Deus é autor desses dons, e atribui-os a si mesmo: o que é evidentemente desordem, porque é negar, ao menos implicitamente, que Deus é o nosso primeiro princípio. Assim mesmo, pode alguém ser tentado a operar para si próprio, ou para ganhar a estima dos outros, em lugar de trabalhar para Deus e de lhe referir toda a honra do que faz: é também desordem, porque é negar, implicitamente ao menos, que Deus é o nosso último fim. Tal é a dupla desordem que se encontra neste vício.
Pode-se, pois, definir: um amor desordenado de si mesmo que faz que o homem se estime explícita ou implicitamente, como se fosse o seu primeiro princípio ou último fim. E uma espécie de idolatria, porque o homem se considera como o seu próprio Deus, segundo faz notar Bossuet (n.º 204). - Para melhor combatermos o orgulho, exporemos:

1.º- as suas formas principais;
2.º- os defeitos que ele gera;
3.º- a sua malícia;
4.º- os seus remédios.

I. As principais formas do orgulho

821. 1.º A primeira forma consiste em se considerar a si mesmo o homem, explícita ou implicitamente, como seu primeiro princípio.
A) Há relativamente poucos que explicitamente se amem de forma tão desordenada que cheguem a considerar-se primeiro princípio de si mesmos.
a) É o pecado dos ateus que voluntariamente rejeitam a Deus, por não quererem senhor; ni Dieu, ni maitre. É deles que fala o Salmista, quando assevera: “Disse o insensato em seu coração: não há Deus. Dixit insipiens in corde suo: non est Deus[1]. Foi equivalentemente o pecado de Lúcifer, que, pretendendo ser autônomo, recusou submeter-se a Deus; o dos nossos primeiros pais, que, desejando ser como deuses, quiseram conhecer por si mesmos o bem e o mal; o dos hereges, que, como Lutero, se negaram a reconhecer a autoridade da Igreja estabelecida por Deus; e o dos racionalistas que, ufanos da própria razão, não querem submetê-la à fé. É, outrossim, o pecado de certos intelectuais, que, demasiadamente orgulhosos para aceitarem a interpretação tradicional dos dogmas, os atenuam e deformam, para os harmonizarem com as suas exigências.

822. B) É maior o número dos que caem implicitamente neste defeito, procedendo como se os dons naturais e sobrenaturais, que Deus nos liberalizou, fossem completamente nossos. Reconhece-se, é verdade, em teoria que Deus é o nosso primeiro princípio; mas na prática, tem-se da própria pessoa uma estima desmesurada, como se cada um fosse autor das qualidades que possui.
a) Há quem se compraza nas suas qualidades e merecimentos, como se fosse único autor deles: “A alma, vendo-se bela, diz Bossuet, deleitou-se em si mesma e adormeceu na contemplação da própria excelência: deixou um momento de se referir a Deus: esqueceu a própria dependência; primeiramente demorou-se e depois entregou-se a si mesma. Mas, procurando ser livre até se emancipar de Deus e das leis a Justiça tornou-se o homem cativo do seu pecado”.        

823. b) Mais grave é o orgulho dos que se atribuem a si mesmo a prática das virtudes como os Estóicos; dos que imaginam que os dons gratuitos de Deus são frutos dos nossos merecimentos e que as nossas boas obras nos pertencem mais que a Deus, quando em realidade é Ele a sua causa principal; ou enfim, dos que nelas se comprazem como se fossem unicamente suas.

824. C) É este mesmo princípios que faz que o orgulhoso exagere as suas qualidades pessoais.

a) Fecham-se os olhos sobre os próprios defeitos, e remiram-se as qualidades com óculos de aumento; por esse processo chega o homem a atribuir-se qualidades que não possui ou que ao menos não têm mais que a aparência da virtude; e assim é que, dando esmola por ostentação, julgará que e caritativo, quando não passa de orgulhoso; imaginará que é um santo, porque tem consolações sensíveis, ou escreveu belos pensamentos ou excelentes resoluções, quando na realidade está ainda nos primeiros degraus da escala da perfeição. Outros crêem ter uma grande alma, porque fazem pouco caso das pequenas regras, querendo-se santificar pelos grandes meios.
b) Daí a preferir-se injustamente aos demais não vai mais que um passo: examinam-se à lente os defeitos alheios, nos próprios nem se sonha; vê-se o argueiro nos olhos do vizinho, nos próprios não se enxerga a trave. Por este caminho chega muitas vezes o orgulhoso, como o Fariseu, a desprezar os irmãos; outras, sem ir tão longe rebaixa-os injustamente no próprio conceito, julgando-se melhor que eles, quando na realidade lhes é inferior. Do mesmo princípio vem procurar dominar os demais e fazer reconhecer a sua superioridade sobre eles.
c) Com relação aos Superiores, traduz-se o orgulho pelo espírito de crítica e revolta, que leva a espiar os seus mais pequeninos gestos ou passos, para os censurar: quer-se julgar, sentenciar de tudo. Deste modo se torna muito mais difícil a obediência; sente-se enorme dificuldade em acatar a sua autoridade e decisões, em pedir-lhes as licenças necessárias; aspira-se à independência, isto é, em última análise, a ser seu primeiro princípio.

825. 2.º A segunda forma do orgulho consiste em se considerar um a si mesmo explícita ou implicitamente como seu último fim, fazendo as próprias ações sem as referir a Deus e desejando ser louvado, como se elas fossem completamente suas. Este defeito deriva do primeiro; pois, quem se considera como seu primeiro princípio, quer ser também seu último fim. Aqui seria mister renovar as distinções já feitas.
A) Explicitamente, pouquíssimos são os que se consideram seu último fim, exceto os ateus e os incrédulos.
B) Muitos são, porém, os que procedem na prática, como se estivessem imbuídos desse erro.
a) Querem ser louvados, cumprimentados pelas suas boas obras, como se fossem os seus autores principais e tivessem o direito de proceder por sua conta, para satisfação da própria vaidade. Em lugar de referirem tudo a Deus, entendem antes que devem receber felicitações pelos seus pretensos triunfos, como se tivessem direito a toda a honra que daí provém.
b) Procedem por egoísmo, pelos próprios interesses, dando-se-lhes muito pouco da glória de Deus, e ainda menos do bem do próximo. E assim, vão até o excesso de imaginar praticamente que os outros devem organizar a sua vida para lhes agradarem e prestarem serviço; fazem-se assim centro e, a bem dizer, fim dos demais. Não será isto usurpar inconscientemente os direitos de Deus?
c) Sem irem tão longe, há pessoas piedosas, que se buscam a si mesmas, se queixam de Deus, quando Ele as não inunda de consolações, se desalentam, quando se vêem na aridez, e imaginam assim falsamente que o fim da piedade é gozar das consolações, sendo que em realidade a glória de Deus deve ser o nosso fim supremo em todas as ações, mas sobretudo na oração e nos exercícios espirituais.

826. É, pois, forçoso confessar que o orgulho, sob uma ou outra forma, é defeito muito comum, até mesmo entre as pessoas que se dão à perfeição, defeito que nos segue através de todas as fases da vida espiritual e que só conosco morrerá. Os principiantes quase nem sequer dão por ele, porque não se estudam assaz profundamente. Importa chamar-lhes a atenção para este ponto, indicar-lhes as formas mais ordinárias deste defeito, para as tomarem por matéria do exame particular.



[1] Sl 13,1.- 2- Tr. de la Concupiscense, ch XI