domingo, 6 de janeiro de 2013

Doutrina Cristã - Parte 2


Monsenhor Francisco Pascucci, 1935, Doutrina Cristã
tradução por Padre Armando Guerrazzi, 2.ª Edição, biblioteca Anchieta.

Art. I. - Creio em Deus Padre, todo poderoso, Criador do céu e da terra.

Quem é Deus?

9. - Quem é Deus? - Deus é o ser perfeitíssimo, Criador e Senhor do céu e da terra.
Quando ordenou Deus a Moisés libertasse da escravidão do Egito o povo hebreu, definiu-Se a Si mesmo, dizendo: - "Eu sou o que sou". Assim dirás aos filhos de Israel: "Aquele que é enviou-me a vós." (Êxodo, III, 14).
Essa definição, à primeira vista, parece um artifício de palavras, mas é, pelo contrário, uma expressão profundíssima, que atraiu, em todos os tempos, a admiração dos maiores engenhos.
Significa que Deus é o ser por excelência, que não recebeu o ser de outrem, mas é o próprio ser, tem-lhe a plenitude, é por natureza o ser necessário, que sempre existiu e sempre existirá independentemente de qualquer outro ser.

Atributos de Deus

10. - Deus é o ser perfeitíssimo, porque há n’Ele toda perfeição, sem defeitos nem limites.
Pelo termo "perfeição" entendemos as qualidades de Deus, isto é, os Seus atributos, que se dizem também propriedades divinas. Formam elas uma e mesma causa com a essência ou a natureza divina.
São umas absolutas, quando as consideramos pertencentes a Deus em si, sem relação às criaturas;
são outras relativas, quando as consideramos pertencentes a Deus como criador, e, portanto, em relação às criaturas.

São ATRIBUTOS ABSOLUTOS de Deus:

a) A simplicidade: - Deus é substância inteiramente simples: não está unido à matéria, e, portanto, não tem partes;
b) A imensidade: - Deus está em todo lugar ou espaço;
c) A imutabilidade: - Se mudasse, ou mudaria para adquirir ou para perder alguma perfeição - o que não pode acontecer, porque Deus é ser necessário e perfeitíssimo;
d) A eternidade: - Deus sempre existiu e sempre existirá;
e) A onipotência: - Deus pode fazer tudo quanto quer, excluindo-se o mal, que Deus não pode querer, sendo, como é, a Bondade infinita;
f) A onisciência: - Deus compreende perfeitamente a Si mesmo e todas as causas passadas, presentes e futuras, assim como todas as causas possíveis e hipotéticas.

São ATRIBUTOS RELATIVOS:

a) A liberdade, por ser Deus absolutamente independente em Suas operações e, por isso, imune de qualquer coação externa e de qualquer necessidade interna;
b) a bondade por essência, donde procede todo bem;
c) A justiça, enquanto dá a cada um segundo o que fez, recompensa e pune segundo o mérito;
d) A veracidade, não podendo enganar-Se, porque é onisciente, - nem enganar, porque é bom;
e) A fidelidade, pois faz tudo o que promete e cumpre tudo o que ameaça;
f) A providência, com que tem cuidado das causas criadas, conserva-as e dirige-as ao fim próprio, com sabedoria, bondade e justiça infinitas.

Unidade de Deus

11. - Deus há um somente, isto é, não há nem pode haver mais deuses.
Fora absurdo pretender houvesse dois seres infinitamente perfeitos na mesma ordem: um limitaria o outro; já não seriam infinitos.
Um ente não pode ser infinitamente perfeito, se há outro que tenha as mesmas perfeições em igual medida. Por exemplo, se um tem a potência em medida igual à do outro, poderia um destruir o que o outro produzira e assim se destruiriam reciprocamente.

Trindade de Deus

12. - Deus é uno em natureza ou na substância divina, - e trino em pessoas.
Cada Pessoa é Deus, porque tem cada uma toda a natureza divina, mas as três constituem um só Deus. Esse é o primeiro e principal mistério de nossa fé, mistério que se deve crer, porque Deus no-lo revelou.
No Antigo Testamento, não tinham os Hebreus idéia clara da Santíssima Trindade; somente nós, cristãos, em virtude da revelação, podemos descobrir em alguns passos do Antigo Testamento as traças desse mistério, como quando, antes de criar o homem, Deus exclamou, empregando o plural: - "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança" (Gen. I, 26); ou quando Abraão viu, em Mambre, três homens iguais e lhes falou como a um só. (Gen. XVI, 2-3).
Em o Novo Testamento, porém, temos a revelação clara desse mistério, especialmente quando aos Apóstolos disse Jesus Cristo: - "Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Padre, e do Filho, e do Espírito Santo.” (Mat. XXVIII, 19).
As três pessoas divinas são iguais e distintas: são iguais, porque têm a mesma natureza divina, as mesmas perfeições e as mesmas operações, embora ao Padre se atribuía o poder, ao Filho a sabedoria e ao Espírito Santo o amor e, conseguintemente, a salvação das almas;
são distintas, isto é, uma não é outra.
Conquanto sejam igualmente eternas e perfeitíssímas as três pessoas divinas, todavia ao Padre dizemos primeira pessoa, ao Filho segunda e ao Espírito Santo terceira, para se exprimir a origem como é por nós concebida (de modo imperfeitíssimo).
É o Padre a primeira pessoa, porque não procede, isto é, não tem origem de outra pessoa divina, mas d’Ele procedem o Filho e o Espírito Santo.
O Filho é gerado pelo Padre, enquanto o Padre Se conhece a Si mesmo e tem de Si o pensamento e idéia. Ora, ao passo que, em nós, o pensamento ou idéia é acidental, porque ora está, ora pode deixar de estar, - em Deus é coisa subsistente, consubstancial, isto é, da mesma Sua substância; e esse pensamento ou idéia de Deus, consubstancial a Ele, é o Filho, pessoa real, viva, igual ao Padre.
O Espírito Santo procede do Filho e do Pai. O Padre, conhecendo-Se a Si mesmo, gera uma imagem semelhante a Si - o Filho; ama-O e é d’Ele amado; mas esse amor, que o Padre expira ao Filho e o Filho ao Padre, é um amor substancial, subsistente, vivo: - eis a terceira pessoa da S. S. Trindade, que a Sagrada Escritura chama Espírito Santo.

Deus Criador

13. - Deus, plenitude do ser e em Si felicíssimo, nada pode procurar e desejar fora de Si mesmo: - se aos outros seres lhes dá a existência, é Sua vontade livre e infinitamente boa que deseja tornar raízes a esses seres, a que faz existir.
A fé nos revela que é Deus o Criador do céu e da terra, isto é, de todo o universo visível e invisível, de tudo o que está fora dele, Deus.
Criar é fazer alguma coisa do nada, isto é, com um simples ato da vontade dar a existência ao que antes não existia.
É atributo exclusivo de Deus, porque, tendo Ele a plenitude do ser e não sendo limitado em Suas obras, pode comunicar a outros seres a existência.

Os puros espíritos

14. - Deus criou, pois, o céu e a terra. Pelo nome comum de céu, entendem-se principalmente os puros espíritos - seres simples, imateriais, dotados de inteligência e vontade, superiores ao homem e completos em si mesmos, isto é, não destinados a fazer parte de outra substância (puro, isto é, só espírito). Diferem da alma humana, que é espírito, mas destinada a ser unida a um corpo para formar integralmente o homem.
Esses puros espíritos são chamados pela Sagrada Escritura Anjos, isto é, mensageiros, núncios: - falam deles várias vezes o Velho e o Novo Testamento: desde o Anjo que Deus pôs a guardar a entrada do Paraíso terrestre, quando foram dali expulsos, Adão e Eva, até aos Anjos mais de uma vez nomeados no Apocalipse.
Seu numero é grandíssimo: diferentes entre si pelos dotes, mais excelentes uns que outros, formam três hierarquias em nove coros: - Anjos, Arcanjos, Principados, Potestades, Virtudes, Dominações, Tronos, Querubins e Serafim.
Foram criados para louvar a Deus e gozar-Lhe a felicidade.
Deus quis uma prova da fidelidade deles.
Grande número lhe foi fiel, Lhe prestou a homenagem devida e foi confirmado em graça.
Outros, guiados por Lúcifer, se rebelaram contra Deus, pecando por orgulho, e foram, por isso, precipitados do céu ao fogo eterno, preparado propositalmente para eles.
Temos, pois, duas espécies de puros espíritos: - os espíritos bons ou Anjos bons e os espíritos maus ou demônios.
Os Anjos são ministros invisíveis de Deus e também foram escolhidos para a guarda de cada homem.
Fala-se de contínuo, na Divina Escritura, do ministério dos Anjos para com os homens, e claríssimas são as palavras de Jesus Cristo, quando, ao mostrar uma criança, disse: - "Vede, não desprezeis um só destes pequeninos; pois vos digo que os seus Anjos no céu vêm incessantemente a face de meu Pai, que está nos céus. (Mat. XVIII, 10.)
Aos Anjos temos-lhes o dever de veneração; e ao Anjo da Guarda o de lhe sermos também gratos pela assistência que nos presta, de lhe ouvirmos as inspirações e de nunca ofendermos a sua presença com o pecado.
Os demônios chamam-se espíritos malignos, potências das trevas e, embora hajam perdido os dons sobrenaturais, conservam os dons naturais, próprios da natureza angélica.
De ódio a Deus, tentam os homens. E Deus tal coisa lhes permite para provarem no homem a fidelidade e, assim, dar-lhe ocasião a méritos.
Os demônios podem, com a permissão divina, invadir o corpo humano, e, nesse caso, as ações externas, determinadas pelos mesmos no homem, não são imputáveis a este, porque não são ações livres.
Os Livros Sagrados referem inúmeros casos de possessão corpórea e de libertação operada por Jesus Cristo e pelos Apóstolos, e a Igreja tem o poder de exorcizar os obsessos.

Criação do mundo

15. - Além dos puros espíritos, pelos nomes de céu e "terra" se entende tudo o que há no universo, a saber, o sol, a lua, os astros e, entre estes, a terra que habitamos, com tudo o que nela se encontra - minerais, plantas, animais e o homem.
A história da criação, temo-la no primeiro livro da Escritura, que se chama Gênesis, porque precisamente narra à origem de todas as coisas.
Moisés nos diz que Deus, em seis dias, criou o céu e a terra com tudo o que neles se encontra: a luz, o firmamento, o ar e os mares; as plantas, o sol, a lua, as estrelas, os peixes e os pássaros; os animais terrestres e, finalmente, o homem.
O escopo do escritor sacro era o de inculcar ao povo a idéia da criação, de ensinar-lhe que Deus criara o universo no principio dos tempos, que nada há que não seja obra de Deus, que essa obra é boa e deve inspirar ao homem sentimentos de gratidão e assim proclamar a obrigação do culto e a maneira de prestá-lo.
Não estamos, pois, diante de um tratado rigorosamente científico, mas diante de uma narração histórica popular. Nessas narrações, há duas verdades de fé:

1.º Que Deus criou o céu e a terra, todas as coisas visíveis e invisíveis:
2.º Que Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança; desse homem, chamado Adão, formou a mulher; e desses dois primeiros descenderam todos os homens que hoje povoam a terra.
Quanto ao mais, a Igreja deixa ampla liberdade de interpretação. Os seis dias podem ser entendidos como seis épocas indeterminadas, mais ou menos longas, durante as quais o universo criado por Deus se veio transformando sucessivamente até à organização da terra, para ser esta a morada do homem.
Pondo em confronto o que é de fé no ensino da Igreja e os dados certos da ciência, resulta que nenhum conflito pode haver entre o ensino da ciência e da fé. Os pretensos contrastes nascem, geralmente, ou de não serem entendidos e expostos os dogmas da fé segundo a mente da Igreja, ou de se ter, como ditames racionais e científicos, opiniões errôneas. (Conc. Vatic., Cap. IV da fé e da razão).

Fim da criação

16. Todo ser inteligente e livre opera sempre por um certo fim. Que fim se propôs Deus na criação? Podemos considerar um fim primário e absoluto e um fim secundário e condicionado.
Fim primário e absoluto da criação é a gloria externa de Deus. Deus, feliz em Si mesmo, não tem necessidade de coisa alguma, mas quis criar, para fazer reluzir nas coisas criadas as Suas perfeições: criou os seres inteligentes - o homem e os Anjos, - para que Lhe conhecessem as obras e, louvando-O, Lhe dessem glória.
Fim secundário e condicionado da criação dos seres inteligentes e livres - é a felicidade destes, mas com a condição de que eles queiram consegui-la e façam nesse sentido quanto for necessário: as criaturas inferiores devem, pois, ajudar o homem a conseguir esse fim.

Continuará...