segunda-feira, 19 de março de 2012

Primeira dezena - A excelência do Santo Rosário na sua origem e no seu nome

Nota do blogue: Acompanhe este Especial AQUI.  


1ª ROSA 

O Rosário compreende duas coisas: a oração mental e a oração vocal. A oração mental do Santo Rosário não é mais que a meditação dos principais mistérios da vida, da morte e da glória de Jesus Cristo e de Sua Santíssima Mãe. A oração vocal consiste em dizer quinze dezenas de Ave-marias precedidas por um Pai-nosso enquanto que se meditam e se contemplam as quinze virtudes principais que Jesus e Maria praticaram nos quinze mistérios do Santo Rosário. 

No primeiro terço, que é de cinco dezenas, honramos e consideramos os cinco Mistérios Gozosos, no segundo os cinco Mistérios Dolorosos, e no terceiro os cinco Mistérios Gloriosos. Assim o Santo Rosário é uma consagração composta de oração vocal e mental para honrar e imitar os mistérios e as virtudes da vida, da morte e paixão e da glória de Jesus e Maria. 

2ª ROSA 

Uma vez que o Santo Rosário é essencialmente composto pela oração de Jesus e pela Saudação Angélica, ou seja o Pai-nosso e a Ave-maria, e pela meditação dos mistérios de Jesus e de Maria, é sem dúvida a primeira oração e a primeira devoção dos fiéis, que após os apóstolos e os discípulos foi posta em prática de século em século até aos nossos dias. 

Contudo o Santo Rosário, na forma e no método que tem atualmente, não foi inspirado à Igreja, oferecido pela Santíssima Virgem a São Domingos para combater os hereges albigenses e os pecadores, que no ano de 1214, tal como o conta o Bem-aventurado Alain de la Roche no seu famoso livro intitulado: “De Dignitate psalterii”. 

São Domingos, vendo que os crimes dos homens eram um obstáculo à conversão dos albigenses, entrou numa floresta próxima de Toulouse e aí passou três dias e três noites em contínua oração e penitência, não cessando de gemer, de chorar e de macerar o corpo com duras disciplinas, afim de apaziguar a cólera de Deus, até que caiu meio morto. A Santíssima Virgem apareceu-lhe então, acompanhada de três princesas do Céu, e disse-lhe: “Sabes, meu querido Domingos, de que arma a Santíssima Trindade se serviu para reformar o mundo? – Ó Senhora, respondeu ele, Vós o sabeis melhor do que eu, porque depois de Vosso Filho Jesus Cristo fostes Vós o principal instrumento da nossa salvação.” Ela acrescentou: “Sabe que a principal arma foi o Saltério Angélico, que é o fundamento do Novo Testamento; portanto, se queres ganhar para Deus esses corações endurecidos, reza o meu Saltério.” O santo levantou-se todo consolado e, ardendo de zelo pela salvação daquela população, dirigiu-se à catedral para pregar. Os sinos começaram a tocar por intervenção dos anjos para reunir os habitantes, e assim que São Domingos começou o seu sermão levantou-se uma tempestade, a terra tremeu, o sol obscureceu-se, e os repetidos trovões e relâmpagos fizeram empalidecer e estremecer todos os ouvintes. O seu terror aumentou quando viram uma imagem da Santíssima Virgem exposta num lugar proeminente, levantar os braços três vezes ao Céu pedindo vingança a Deus contra eles, se não se convertessem e não recorressem à proteção da Santa Mãe de Deus. 

O Céu queria através destes prodígios aumentar a nova devoção do Santo Rosário e torná-la mais famosa. 

Por fim a tempestade cessou com as orações de São Domingos. Ele continuou o seu sermão e explicou com tanto fervor e força a excelência do Santo Rosário que quase todos os habitantes de Toulouse abraçaram a sua prática, renunciando aos seus erros; e viu-se, em pouco tempo, uma grande mudança na vida e nos costumes da cidade. 

3ª ROSA 

A forma miraculosa como foi estabelecida a devoção do Rosário, que tem certa semelhança com a maneira como Deus deu ao mundo Sua Lei no Monte Sinai, mostra com clareza a excelência desta divina prática. Também São Domingos, inspirado pelo Espírito Santo, instruído pela Santíssima Virgem e por sua própria experiência, pregou até ao fim da vida o Santo Rosário com seu exemplo e suas palavras, nas cidades e no campo, diante dos grandes e dos pequenos, diante dos sábios e dos ignorantes, diante dos católicos e dos hereges. O Santo Rosário, que rezava todos os dias, era a sua preparação antes da pregação e o seu encontro após a pregação. 

Estando o santo na igreja de Notre-Dame de Paris, no dia de São João Evangelista, numa capela atrás do grande altar, rezando o Terço para se preparar para o sermão, a Santíssima Virgem apareceu-lhe e disse-lhe: “Domingos, ainda que seja bom o que preparaste para o teu sermão, eis aqui um sermão bem melhor que te trago.” São Domingos recebeu de Suas mãos um livro onde estava esse sermão, leu-o, saboreou-o e compreendeu-o, dando graças à Santíssima Virgem. À hora do sermão subiu ao púlpito e, apesar da festividade, limitou-se a dizer de São João Evangelista que ele merecera ser guardião da Rainha dos Céus. A assembléia era constituída por doutores e pessoas eminentes, que estavam habituadas a ouvir discursos polidos e originais, mas São Domingos disse-lhes que não lhes falaria de modo nenhum com palavras hábeis da sabedoria humana, mas com a simplicidade e a força do Espírito Santo; pregou-lhes o Santo Rosário, e explicou-lhes palavras por palavra, como a criancinhas, a Saudação Angélica, servindo-se de comparações muito simples, as quais tinha lido no livro que lhe dera a Santíssima Virgem. 

Eis as palavras do sábio Cartagène, descrevendo esse episódio, tiradas em parte do livro do Bem-aventurado Alain de la Roche intitulado "De Dignitate psalterii": B. Alanus Patrem sanctum Dominicum sibi haec in revelatione dixisse testatur: "Tu praedicas, fili, sed uti caveas ne potius laudem humanam quaeras quam animarum fructum, audi quid mihi Parisiis contigit. Debebam in majori ecclesia beatae Mariae praedicare, et volebam curiose non jactantiae causa, sed propter astantium facultatem et dignitatem. Cum igitur more meo per horam fere ante sermonem in psalterio meo (Rosarium intelligit) quadam in capella post altare majus orarem, subito factus in raptum, cernebam amicam meam Dei Genitricem afferentem mihi libellum et dicentem: "Dominice, et si bonum est quod praedicare disposuisti sermonem, tamen longe meliorem attuli." Laetus librum capio, lego constanter, ut dixit, reperio, gratias ago, adest hora sermonis, adest parisiensis Universitas tota, dominorumque numerus magnus. Audiebant quippe et videbant signa magna quae per me Dominus operabatur; itaque ambonem ascendo. Festum erat sancti Joannis Evangelistae. De eo aliud non dico nisi quod custos singularis esse meruit Reginae coeli. Deinde auditores sic alloquor: Domini et Magistri praestantissimi, aures reverentiae vestrae solitae sunt curiosos audire sermones et auscultare. At nunc ego non in doctis humanae sapientiae verbis, sed in ostensione spiritus et virtutis loquar." Tunc, ait Carthagena post beatum Alanum, stans Dominicus eis explicavit Salutationem angelicam comparationibus et similitudinibus familiaribus hoc modo.(1) 

E o Bem-aventurado Alain de la Roche, como diz o mesmo Cartagène, refere muitas outras aparições de Nosso-Senhor e da Santíssima Virgem a São Domingos, para o instigar e animar cada vez mais na pregação do Santo Rosário, afim de destruir o pecado e de converter os pecadores e os hereges. Ele diz numa passagem: Beatus Alanus dicit sibi a beata Virgine revelatum fuisse Christum Filium suum apparuisse post se sancto Dominico et ipsi dixisse: "Dominice, gaudeo quod non confidas in tua sapientia, sed cum humilitate potius affectas salvare animas quam vanis hominibus placere. Sed multi praedicatores statim volunt contra gravissima peccata instare, ignorantes quod ante gravem medicinam debet fieri praeparatio, ne medicina sit inanis et vacua: quapropter prius homines debent induci ad orationis devotionem et signanter ad psalterium meum angelicum; quoniam, si omnes coeperint hoc orare, non dubium est quin perseverantibus aderit pietas divinae clementiae. Praedica ergo psalterium meum." (2) 

Ele diz em outra passagem: Omnes sermocinantes et praedicantes christicolis exordium pro gratia impetranda a Salutatione angelica faciunt. Hujus rei ratio sumpta est ex revelatione facta beato Dominico cui beata Virgo dixit: "Dominice, fili, nil mireris quod concionando minime proficias. Enimvero aras solum a pluvia non irrigatum. Scitoque, cum Deus renovare decrevit mundum Salutationis angelicae pluviam praemisit; sicque ipse in melius est reformatus. - Hortare igitur homines in concionibus ad Rosarii mei recitationem, et magnos animarum fructus colliges." Quod sanctus Dominicus strenue executus uberes ex suis concionibus animarum fructus retulit. (3) 

É com agrado que reproduzo palavra por palavra estas passagens latinas destes bons autores em favor dos pregadores e sábios que podem pôr em dúvida a maravilhosa virtude do Santo Rosário. Enquanto que a exemplo de São Domingos os pregadores proclamaram a devoção do Santo Rosário, a piedade e o fervor floresceram nas ordens religiosas que praticavam esta devoção, assim como no mundo cristão; mas depois que se negligenciou este presente vindo do Céu, não se vêem mais que pecados e desordens por todo o lado. 

4ª ROSA 

Todas as coisas, mesmo as mais santas, estão sujeitas a mudanças, sobretudo quando dependem da vontade dos homens. Não é pois de admirar que a confraria do Santo Rosário tenha subsistido apenas, no seu primeiro fervor, mais ou menos cem anos, após a sua instituição, tendo depois caído num quase completo esquecimento. A malícia e a inveja do demônio sem dúvida contribuíram para esse esquecimento como meio de travar o curso das graças de Deus que essa devoção lançava ao mundo. Como consequência, a justiça divina atingiu todos os reinos da Europa no ano de 1349 com a mais terrível das pestes, a qual, vinda do leste, se espalhou pela Itália, Alemanha, França, Polónia, Hungria, e devastou quase todas as suas terras. Em cada cem homens apenas um sobrevivia; as cidades, os burgos, as aldeias e os mosteiros ficaram completamente despovoados durante os três anos que durou este contágio. E a este flagelo de Deus seguiram-se ainda outros dois: a heresia dos Flagelantes e um desgraçado cisma em 1376. 

Assim que, pela misericórdia de Deus, estas misérias se findaram, a Santíssima Virgem ordenou ao Bem-aventurado Alain de la Roche, célebre doutor e famoso pregador da ordem de São Domingos, do convento de Dinan de Bretagne, que renovasse a antiga confraria do Santo Rosário, afim de que, uma vez que essa célebre confraria tinha nascido nessa província, um religioso da mesma província tivesse a honra de a restabelecer. Este bem-aventurado padre começou a trabalhar nesta grande obra no ano de 1460, depois de Nosso Senhor Jesus Cristo, para convencê-lo a pregar o Santo Rosário, se manifestou na Sagrada Hóstia, quando um dia ele rezava Missa: “Porque me crucificas tu de novo?” “Como, Senhor?”, perguntou-lhe o Bem-aventurado Alain surpreendido. “São os teus pecados que me crucificam, respondeu-lhe Jesus, e preferiria ser crucificado outra vez a ver meu Pai ofendido pelos pecados que cometeste. E crucificas-me ainda agora, porque tens o conhecimento e quanto é necessário para pregar o Rosário de minha Mãe, e por este meio instruir e desviar muitas almas do pecado salvando-as e afastando-as de grande males, mas não o fazendo tornas-te culpado dos pecados que elas cometem.” Estas terríveis censuras fizerem o Bem-aventurado Alain resolver-se a pregar incessantemente o Rosário. 

A Santíssima Virgem disse-lhe assim um dia, para o animar cada vez mais a pregar o Santo Rosário: “Tu foste um grande pecador na tua juventude, mas obtive de meu Filho a tua conversão, rezei por ti e desejei, quanto fosse possível, sofrer toda a espécie de sofrimentos para te salvar, porque os pecadores convertidos são a minha glória e porque queria tornar-te digno de pregar o meu Rosário.” São Domingos, revelando-lhe os grandes frutos que fizera entre os povos através desta bela devoção que pregava continuamente, dizia-lhe: “Vides quomodo profecerim in sermone isto; id etiam facies et tu, et omnes Mariae amatores, ut sic trahatis omnes populos ad omnem scientiam virtutum.” “Vê os frutos que colhi pela pregação do Santo Rosário; faz o mesmo, tu e todos aqueles que amam a Santíssima Virgem, afim de atrair, pelo santo exercício do Rosário, todos os povos à verdadeira ciência das virtudes.” 

Eis resumido o que a história nos ensina sobre o estabelecimento do Santo Rosário por São Domingos e da sua renovação pelo Bem-aventurado Alain de la Roche. 

5ª ROSA 

Falando com exatidão existe apenas uma Confraria do Rosário, na qual os confrades se propõem rezar 150 Ave-marias por dia. Mas se se considerar o fervor das diferentes pessoas que praticam esta devoção existem então três espécies de confrarias, a saber: a do Rosário Comum ou Ordinário, a do Rosário Perpétuo e a do Rosário Quotidiano. A Confraria do Rosário Ordinário exige que se reze o Rosário pelo menos uma vez por semana; a do Rosário Perpétuo uma vez por mês; e a do Rosário Quotidiano que se reze o Rosário todos os dias por inteiro, isto é 150 Ave-marias por dia; sendo que nenhum destes Rosários leva ao pecado, nem mesmo venial, se se vier a falhar, pois tal compromisso é um ato totalmente voluntário e além de toda a obrigação. Em todo o caso não vale a pena ingressar na confraria se não se tem a vontade determinada de rezar o Rosário tal como a confraria o exige, desde que se possa fazê-lo sem descurar das obrigações de estado. Quando a recitação do Santo Rosário entra em conflito com uma ação à qual o estado obriga, deve-se preferir essa ação ao Rosário, por mais santo que ele seja. Quando devido a doença não se pode rezar o Rosário nem por inteiro nem em parte, sem agravo da saúde, não se está obrigado. Quando por uma obediência legítima, ou por um esquecimento involuntário, ou por uma necessidade premente, não se pode rezar o Rosário não há nisso qualquer pecado, mesmo venial. E em nenhum destes casos o confrade deixa de participar das graças e dos méritos dos outros irmãos e irmãs do Santo Rosário que o rezam em todo o mundo. 

Cristão, mesmo que não o rezeis por pura negligência, sem nenhum claro menosprezo, ainda assim não pecareis. Contudo, nesse caso, perdereis a participação nas orações, nas boas obras e nos méritos da confraria, e, por vossa infidelidade em coisas pequenas e além da obrigação, caireis insensivelmente na infidelidade nas coisas grandes e de obrigação essencial pois Qui spernit modica paulatim decidet. (4) 

6ª ROSA 

Desde o tempo em que São Domingos estabeleceu a devoção do Santo Rosário até ao ano de 1460, em que o Bem-aventurado Alain de la Roche, por ordem do Céu, a renovou, se lhe dá o nome de Saltério de Jesus e da Santíssima Virgem; isto porque contém tantas Saudações Angélicas quanto o Saltério de David contém salmos. Uma vez que os simples e os ignorantes não são capazes de rezar o Saltério de David, podem encontrar na recitação do Santo Rosário um fruto igual, e mesmo superior, àquele que se colhe da recitação dos salmos: 1) Porque o Saltério Angélico tem um fruto mais nobre, que é o Verbo incarnado, enquanto que o Saltério de David não faz mais que profetizá-lo; 2) Porque da mesma maneira que a verdade suplanta a imagem e o corpo a sombra, assim o Saltério da Santíssima Virgem suplanta o Saltério de David, que mais não foi que imagem e sombra; 3) Porque o Saltério da Santíssima Virgem ou Rosário, composto pelo Pai-nosso e pela Ave-maria, é obra direta da Santíssima Trindade. 

Eis o que o sábio Cartagène diz sobre este assunto: Sapientissimus Aquensis, libro ejus de Rosacea Corona ad Imperatorem Maximilianum conscripto, dicit: “Salutandae Mariae ritus novitiis inventis haud quaquam adscribitur. Si quidem cum ipsa pene ecclesia pullulavit; nam cum inter ipsa nascentis ecclesiae primordia, perfectiores quoque fideles tribus illis Davidicorum psalmorum quinquagenis, divinas laudes assidue celebrarent, ad rudiores quoque qui modo arctius divinis vacabant piis moris aemulatio est derivata... rati id quod erat, cuncta illorum sacramenta psalmorum in coelesti hoc elogio delitescere, si quidem eum quem psalmi venturum concinunt, hunc jam adesse, haec formula nuntiavit; sicque trinas salutationum quinquagenas "Mariae Psalterium" appellare coeperunt, oratione utique dominica in singulas decades ubique praeposita prout a psalmidicis observari ante adverterunt.” (5) 

O Saltério ou Rosário da Santíssima Virgem é dividido em três terços de cinco dezenas cada um: 1) para honrar as três pessoas da Santíssima Trindade; 2) para honrar a vida, a morte e a glória de Jesus Cristo; 3) para imitar a Igreja triunfante, para socorrer a militante e para consolar a sofredora; 4) para imitar as três partes do salmos cuja primeira é sobre a vida purgativa, a segunda sobre a vida iluminativa e a terceira sobre a vida unitiva; 5) para nos encher de graça durante a vida, de paz na hora da morte e de glória na eternidade. 

7ª ROSA 

Depois de o Bem-aventurado Alain de la Roche ter renovado esta devoção, a voz pública, que é a voz de Deus, deu-lhe o nome de Rosário, que significa coroa de rosas. O mesmo é dizer que todas as vezes que se reza como é devido o Rosário se coloca sobre a cabeça de Jesus e de Maria uma coroa composta de cento e cinquenta e três rosas brancas e de seis rosas vermelhas do Paraíso, as quais não perderão jamais a sua beleza nem o seu brilho. A Santíssima Virgem aprovou e confirmou o nome de Rosário, revelando a muitos devotos que por cada Ave-maria que rezavam a presenteavam como uma bela rosa, e que por cada Rosário lhe ofereciam uma coroa feita dessas rosas. 

O irmão Alfonso Rodriguez, da Companhia de Jesus, rezava o seu Rosário com tanto ardor que via com frequência, a cada Pai-nosso, sair de sua boca uma rosa vermelha, e a cada Ave-maria uma rosa branca; ambas iguais em beleza e perfume e apenas distintas na cor. 

As crônicas de São Francisco contam que um jovem religioso tinha o louvável costume de rezar todos os dias, antes da refeição, a coroa da Santíssima Virgem. Um dia, não sei porque razão, não o fez. Chegou a hora do jantar e ele pediu ao superior que lhe permitisse rezá-la antes de ir para a mesa; com esta permissão, retirou-se para a sua cela. Como demorava, o superior enviou um religioso a chamá-lo, o qual o encontrou em sua cela, todo resplandecente de uma celeste luz, e com a Santíssima Virgem e dois anjos a seu lado. À medida que ele rezava as Ave-marias, belas rosas saíam da sua boca, e os anjos apanhavam essa rosas, uma após outra, e metiam-nas sobre a cabeça da Santíssima Virgem que lhes dava o seu consentimento. Dois outros religiosos enviados para ver a causa da demora dos anteriores viram todo este mistério, e a Santíssima Virgem não desapareceu antes que toda a coroa fosse rezada. 

O Rosário é pois uma grande coroa e o Terço uma pequena grinalda de flores ou uma pequena coroa de rosas celestes que se colocam sobre a cabeça de Jesus e de Maria. A rosa é a rainha das flores, do mesmo modo o Rosário é a rosa e a primeira das devoções. 

8ª ROSA 

Não é possível exprimir o quanto a Santíssima Virgem estima o Rosário acima de todas as devoções e o quanto é magnifica a recompensar aqueles que trabalham para pregá-lo, estabelecê-lo e cultivá-lo; e, pelo contrário, como é terrível para aqueles que querem opor-se-lhe. 

São Domingos em nada pôs tanto coração durante a vida como em louvar a Santíssima Virgem, pregar as Suas grandezas e incitar todo o mundo a honrá-lA através do Rosário. Esta poderosa Rainha do Céu por seu lado não cessou de derramar abundantemente Suas bênçãos sobre o santo, e coroou os seus trabalhos de mil prodígios e milagres. Nada houve que São Domingos pedisse a Deus que não obtivesse por intercessão da Santíssima Virgem; como o maior de todos os favores, Ela tornou-o vitorioso sobre a heresia dos Albigenses e fê-lo pai e patriarca de uma grande ordem. 

E quanto ao Bem-aventurado Alain de la Roche, reparador desta devoção? 

A Virgem Santíssima honrou-o muitas vezes com a Sua visita para o instruir sobre os meios de conseguir a salvação, de ser um bom padre, perfeito religioso e imitador de Jesus Cristo. 

Durante as tentações e as horríveis perseguições dos demônios que o reduziam a uma extrema tristeza e quase ao desespero, Ela consolava-o e dissipava com a Sua doce presença todas essas nuvens e trevas. Ela ensinou-lhe o método de rezar o Rosário, suas excelências e seus frutos; favoreceu-o com o glorioso título de Seu novo esposo, e por penhor de suas castas afeições, pôs-lhe um anel no dedo, um colar feito de Seus cabelos ao pescoço, e deu-lhe um rosário. O abade Tritème, o doutor Cartagène, o sábio Martin Navarre e outros falam dele elogiosamente. 

Após ter trazido para a confraria do Rosário mais de cem mil almas, morreu em Zwolle, na Flandres, a 8 de Setembro de 1475. 

O demônio, invejoso dos grande frutos que o Bem-aventurado Thomas de Saint-Jean, célebre pregador do Santo Rosário, conseguiu com esta prática, reduziu-o, com seus maus tratos, a uma longa e penosa enfermidade na qual os médicos o deixaram sem esperança. Uma noite, em que ele julgava certa a sua morte, o demônio apareceu-lhe com aspecto assustador, mas, elevando devotamente o olhar e o coração para uma imagem da Santíssima Virgem que estava junto do seu leito, gritou com todas as forças: “Ajudai-me, socorrei-me, ó minha dulcíssima Mãe!” Assim que proferiu estas palavras, a Santíssima Virgem, estendendo-lhe a mão da santa imagem, agarrou-lhe o braço e disse-lhe: “Nada temas, meu filho Thomas, eis-me aqui em teu socorro; levanta-te e continua a pregar a devoção do meu Rosário como a começaste. Eu defender-te-ei contra todos os inimigos.” A estas palavras o demônio pôs-se em fuga. O doente levantou-se em perfeita saúde, deu graças à sua boa Mãe com uma torrente de lágrimas, e continuou a pregar o Rosário com um sucesso maravilhoso. 

A Santíssima Virgem não favorece somente os pregadores do Rosário, mas recompensa também gloriosamente aqueles que, por seu exemplo, atraem os outros para esta devoção. 

Afonso, rei de Leão e Galiza, desejando que todos os seus servos honrassem a Santíssima Virgem através do Rosário, lembrou-se, para os animar com seu exemplo, de trazer um grande rosário no seu cinto, sem que no entanto o rezasse; contudo, tal fez com que toda a corte começasse a rezá-lo devotamente. 

O rei caiu gravemente doente e todos o julgaram morto; e assim foi levado em espírito ao tribunal de Jesus Cristo. Ele viu os diabos que o acusavam de todos os crimes que tinha cometido e ia ser condenado às penas eternas, quando a Santíssima Virgem se apresentou em seu favor diante de Seu Filho. Uma balança foi trazida e os seus pecados foram colocados num dos pratos, enquanto no outro a Santíssima Virgem colocou o grande rosário que ele carregara em Sua honra e todos os rosários rezados devido a esse exemplo, os quais pesavam mais que todos os seus pecados, e depois, olhando-o com olhar compassivo, disse-lhe: “Obtive de meu Filho, como recompensa do pequeno serviço que me prestaste carregando o rosário, o prolongamento da tua vida por mais alguns anos. Aproveita-os bem, e faz penitência.” O rei, retornado desse arrebatamento exclamou: “Ó bendito Rosário da Santíssima Virgem, pelo qual fui resgatado da condenação eterna.” Assim que recobrou a saúde passou o resto da vida com grande devoção ao Santo Rosário e rezou-o todos os dias. 

Que os devotos da Santíssima Virgem procurem conseguir o maior número de fiéis que puderem para a confraria do Santo Rosário, a exemplo destes santos e deste rei; receberão na terra grandes graças e ganharão a vida eterna. Qui elucidant me vitam aeternam habebunt. (6) 

9ª ROSA 

Mas vejamos agora que injustiça é impedir o progresso da Confraria do Santo Rosário e quais sãos os castigos com que Deus puniu muitos desgraçados que desprezaram e tentaram destruir a Confraria. 

Uma vez que a devoção do Santo Rosário foi autorizada pelo Céu através de muitos prodígios e que é aprovada pela Igreja por diversas bulas papais, apenas os libertinos, os ímpios e os livres pensadores do nosso tempo, tentam manchar ou depreciar a Confraria do Santo Rosário, ou pelo menos afastar dela os fiéis. É fácil perceber que suas línguas estão infectadas com o veneno do inferno e que são movidos pelo espírito maligno, porque ninguém pode desaprovar a devoção do Santo Rosário sem que condene o que há de mais piedoso na religião cristã, a saber: a Oração Dominical, a Saudação Angélica, e os mistérios da vida, da morte e da glória de Jesus Cristo e da Sua Santa Mãe. 

Esses livres pensadores, que não suportam que se reze o Rosário, caem com frequência, sem que o percebam, nos juízos condenados dos hereges que têm horror ao Terço e ao Rosário. 

É afastar-se de Deus e da verdadeira piedade abominar as confrarias, uma vez que Jesus Cristo nos assegurou que se encontrava no meio daqueles que se juntassem em seu nome. Não é ser bom católico desprezar tantas e tão grandes indulgências como as que a Igreja concede às confrarias. Por fim é ser-se inimigo da salvação das almas, dissuadir os fiéis de pertencerem ao Santo Rosário, pois, por este meio, eles deixam o partido do pecado para abraçar a piedade. Se São Boaventura teve razão ao dizer que morrerá em pecado e será condenado aquele que desprezar a Santíssima Virgem “Qui negligerit illam morietur in peccatis suis”, que castigos devem esperar aqueles que afastam os outros da sua devoção! 

10ª ROSA 

Quando São Domingos pregava esta devoção em Carcassone, um herege ridicularizava os seu milagres e os 15 mistérios do Santo Rosário, o que impedia a conversão dos hereges. Deus, para punir este ímpio, permitiu que quinze mil demônios entrassem no seu corpo. Perante isto os seus parentes levaram-no ao bem-aventurado Padre São Domingos para o livrar desses espíritos malignos. Ele pôs-se em oração e exortou todos os presente a rezarem com ele o Rosário em alta voz, e a cada Ave-maria, a Santíssima Virgem fazia sair cem demônios do corpo do herege em forma de carvões ardentes. Assim que ficou curado, ele abjurou dos seus erros, converteu-se e entrou na Confraria do Rosário com muitos dos seus companheiros arrependidos por este castigo e pela virtude do Rosário. 

O douto Cartagène, da ordem de São Francisco, e muitos outros autores, contam que no ano de 1482, quando o venerável Padre Jacques Sprenger e os seus religiosos trabalhavam com grande zelo para restabelecer a devoção da Confraria do Santo Rosário na cidade de Colônia, dois famosos pregadores, invejosos dos grandes frutos que eles conseguiam com essa prática, procuravam depreciá-la com seus sermões, e como tinham talento, e um grande crédito, dissuadiam muitas pessoas de ingressar na confraria. Um desses pregadores para melhor atingir os fins do seu pernicioso objetivo, preparou um sermão expressamente para o Domingo. A hora do sermão chegou e o pregador não apareceu; chamaram-no, procuraram-no, e por fim encontraram-no morto sem que ninguém o tivesse socorrido. O outro pregador, persuadindo-se de que este acidente era natural, resolveu substituí-lo para abolir a Confraria do Rosário. O dia e a hora do sermão chegaram, e Deus castigou este pregador com uma paralisia que lhe prendeu os movimentos e as palavras. Ele reconheceu o seu erro e o do seu companheiro, e recorreu à Santíssima Virgem no seu coração, prometendo-lhe pregar por todo o lado o Rosário, com tanta força como o tinha combatido, se para isso ela lhe devolvesse a saúde e a palavra, ao que a Santíssima Virgem aquiesceu; e encontrando-se de súbito curado levantou-se como um outro Saul, e de perseguidor tornou-se defensor do Rosário. Ele reconheceu publicamente o seu erro, e pregou com todo o zelo e eloquência a excelência do Santo Rosário. 

Por certo que os livres pensadores e críticos deste tempo, ao lerem as histórias deste pequeno livro, porão em dúvida a sua veracidade, como sempre fazem, mas mais não fiz que transcrevê-las de muitos bons autores contemporâneos e em parte de um livro escrito recentemente pelo Reverendo Padre Antonin Thomas, da Ordem dos Pregadores, intitulado “Roseira Mística”. 

Todos sabem que há três tipos de fé para as diferentes histórias. Para com as histórias da Sagrada Escritura nós devemos ter uma fé divina; com as histórias profanas, que não repugnam à razão e escritas por bons autores, uma fé humana; e com as histórias piedosas, contadas por bons autores e de modo algum contrárias à razão, à fé e aos bons costumes, ainda que sejam muitas vezes extraordinárias, uma fé piedosa. Julgo que não se deve ser nem demasiado crédulo nem demasiado crítico, e que é preciso estar no meio em tudo para encontrar o ponto da verdade e da virtude; mas também digo que assim como a caridade crê facilmente tudo o que não é contrário à fé nem aos bons costumes “Caritas omnia credit(7) o orgulho, por outro lado, leva a negar quase todas as histórias bem provadas, sob o pretexto de que elas não se encontram na Sagrada Escritura. 

É a armadilha de Satã, onde os hereges que negam a tradição caíram, e onde os críticos de hoje caem insensivelmente, crendo somente no que compreendem, ou naquilo que lhes agrada, sem qualquer outra razão que o orgulho e a suficiência do seu próprio espírito.

Notas:

(1) O Bem-aventurado Alain afirma que seu Pai São Domingos lhe disse um dia numa revelação: “Meu filho, tu pregas; mas para que não busques mais os louvores humanos que a saúde das almas, escuta o que me aconteceu em Paris. Eu devia pregar na grande igreja dedicada à Bem-aventurada Maria, e desejava fazê-lo de uma maneira engenhosa, não por orgulho, mas pela importância e dignidade da minha assistência. Estando, como era meu costume, a rezar o meu Rosário durante a hora que precedia o sermão, tive um arrebatamento. Vi, meu amigo, a Mãe de Deus trazendo-me um livrinho e dizendo-me: “Domingos, por muito bom que seja o sermão que decidiste pregar, trouxe-te um bem melhor.” Felicíssimo, peguei no livro, li-o por inteiro, e, tal como Maria me havia dito, encontrei nele o que era preciso pregar. Agradeci-Lhe de todo o coração. A hora do sermão chegou, eu tinha diante de mim a Universidade de Paris inteira e um grande número de senhores. Eles entendiam e viam os grandes sinais que o Senhor operava através de mim. Subi à tribuna. Estávamos na festa de São João, mas do apóstolo limitei-me a dizer que ele merecera ser escolhido para guardar o Reino dos Céus. Em seguida falei deste modo ao meu auditório: “Senhores e Mestres ilustres, vós estais habituados a ouvir sermões elegantes e sábios; quanto a mim, não pretendo dirigir-vos as doutas palavras da sabedoria humana, mas mostrar-vos o Espírito de Deus e a Sua virtude.” E então, diz Cartagène segundo o Bem-aventurado Alain, São Domingos explicou-lhes a Saudação Angélica através de comparações e de analogias familiares. 

(2) O Bem-aventurado Alain diz que a Santíssima Virgem lhe revelou que Jesus Cristo Seu Filho apareceu antes dEla a São Domingos e lhe disse: “Domingos, alegro-me de ver que não te apoias sobre a tua própria sabedoria, e que trabalhas com humildade pela saúde das almas, em vez de tentares agradar aos homens vãos. Mas muitos pregadores querem sem demora levantar a voz contra os pecados mais graves, ignorando que antes de dar um remédio penoso é preciso preparar o doente de modo a recebê-lo e aproveitá-lo. Eis porque eles devem primeiro exortar seus ouvintes ao amor à oração, e especialmente ao meu Angélico Saltério; porque se todos começarem a rezar deste modo, não há razão para duvidar que a divina clemência não seja propícia àqueles que perseverarem. Rezai pois o meu Rosário.” 

(3) Todos os pregadores fazem rezar a Saudação Angélica no início dos seus sermões para obter a graça divina. A razão vem de uma revelação feita a São Domingos pela Bem-aventurada Virgem. “Meu filho, disse-lhe Ela, não te espantes de não seres bem sucedido nos teus sermões. Porque tu lavras um solo que não foi ainda regado pela chuva. Sabe que, quando Deus quis renovar o mundo, Ele enviou primeiro a chuva da Saudação Angélica; e por esse modo é que o mundo foi reformado. Exorta pois os homens nos teus sermões a rezar o meu Rosário e recolherás grandes frutos para as almas.” Isto fez São Domingos com constância, e suas pregações obtiveram um sucesso notável. 

(4) Sir 19: 1 “Aquele que se descuida das pequenas coisas, cairá pouco a pouco.” 

(5) O sapientíssimo escrivão de Aix-la-Chapelle, J. Beyssel, diz em seu livro “A Coroa de Rosas”, dedicado ao imperador Maximiliano: “Não se pode afirmar que a saudação mariana seja uma invenção recente. Ela cresceu com a própria Igreja. Com efeito, desde as origens da Igreja, os fiéis mais instruídos celebravam os louvores divinos pela tripla cinquentena dos Salmos de David. Nas casas simples, que se debatiam com mais dificuldades no serviço divino, nasceu assim uma santa emulação... pensaram, e com razão, que nos celestes elogios do Rosário estavam incluídos todos os divinos segredos dos Salmos, e isto, sobretudo, porque se os Salmos O cantavam como para vir, esta forma de oração se endereçava a Ele como já vindo. Foi assim que começaram a chamar “Saltério de Maria” às três cinquentenas de Saudações, fazendo mesmo preceder cada dezena da Oração Dominical como haviam visto fazer aqueles que recitavam os Salmos.” 

(6) Sir 24: 31 “Aqueles que me tornam conhecida terão a vida eterna.” 

(7) 1 Cor 13: 7 “A caridade tudo crê.”