segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A verdade de sempre (São Vicente de Lerins)

A verdade de sempre 
(São Vicente de Lerins) 


"Perguntando eu com toda a atenção e diligência a numerosos varões, eminentes em santidade e doutrina, que norma poderia achar segura para distinguir a verdade da fé católica da falsidade da heresia, eis a resposta constante de todos eles: quem quiser descobrir as fraudes dos hereges nascentes, evitar seus laços e permanecer íntegro na sadia fé, há de resguardá-la, sob o duplo auxílio divino: primeiro, com a autoridade da lei divina e segundo com a tradição da Igreja católica

Ao chegar a este ponto, talvez pergunte alguém: sendo perfeito como é o cânon das Escrituras e suficientíssimo por si só para todos os casos, que necessidade há de se acrescentar a autoridade da interpretação da Igreja? 

A razão é que, devido à sublimidade da Sagrada Escritura, nem todos a entendem no mesmo sentido, mas cada qual interpreta à sua maneira as mesmas sentenças, de modo a se poder dizer que há tantas opiniões quantos intérpretes. De uma maneira a expõe Novaciano, diversamente Sabélio, Donato, Ário, Eunômio, Macedônio; de outra forma Fotino, Apolinário, Prisciliano; de outra, ainda, Joviniano, Pelágio, Celéstio ou Nestório. 

Portanto, é necessário que, em meio a tais encruzilhadas do erro, seja o sentido católico e eclesiástico o que assinale a linha diretriz na interpretação da doutrina dos profetas e apóstolos. 

E na própria Igreja Católica deve-se procurar a todo custo que nos atenhamos ao que, em toda a parte, sempre e por todos foi crido, pois isto é próprio e verdadeiramente católico, como o diz a índole mesma do vocábulo, que abarca em geral todas coisas. 

Ora obtê-lo-emos se seguirmos a universalidade, a antigüidade e o consenso. Isto posto, seguiremos a universalidade se professarmos como única fé a que é professada em todo o orbe da terra pela Igreja inteira; a antigüidade, se não nos afastarmos do sentir manifesto de nossos Santos Padres e antepassados; enfim, o consenso, se na mesma antigüidade recorrermos às sentenças e resoluções de todos ou quase todos os sacerdotes e mestres

O que fará, de acordo com isto, um cristão, se vir que uma pequena parcela da Igreja se desgarra da comunhão universal da Fé? Que há de fazer senão preferir a saúde do corpo inteiro à gangrena de um membro corrompido? 

E que fará se o contágio da novidade se esforçar por devastar não já uma parcela, mas toda a Igreja Universal? Neste caso, todo o seu empenho será o de apegar-se à antiguidade, a qual não pode já ser vítima de enganos de novidade alguma. 

E se na antiguidade mesma se descobrir o erro de duas ou três pessoas, ou até de alguma cidade ou província? Então o católico se esforçará a todo custo para opor à temeridade ou ignorância de uns poucos, os decretos, se os houver, de algum Concílio universal, celebrado por todos na antiguidade. 

E se, finalmente, surgisse uma questão, sem que o nosso cristão católico tenha algum destes auxílios a seu alcance? Então procurará um modo de investigar e consultar, comparando-as entre si, as sentenças dos maiores, daqueles que mesmo vivendo em lugares e tempos diversos, por haver perseverado na fé e na comunhão de uma mesma Igreja Católica, foram tidos por mestres confiáveis; e o que eles, não um ou dois somente, mas todos à uma em consenso unânime, abertamente, repetidamente, persistentemente, houvessem sustentado, escrito, ensinado, – isso tenha ele entendido que há de crer sem dúvida alguma

(S. Vicente de Lérins, apud Sigfrido Huber, Los Santos Padres / Sinopsis desde los tiempos apostólicos hasta El siglo sexto, Ediciones Desclée, De Brouwer, Buenos Aires: 1946, tomo II, p. 335-338).

PS.: Grifos meus.