sexta-feira, 7 de outubro de 2011

AGONIA

AGONIA

"O amor e a morte estão tão misturados na Paixão do Salvador,
que se não pode ter no coração um sem o outro."
(São Francisco de Sales)

Agonia é a luta suprema entre a vida e a morte; é a dor violenta de uma alma, ao sentir que se lhe partem, um por um, de modo irrevogável, definitivo, os doces laços que a traziam vinculada aos destinos do corpo. Agonia são também as angústias morais que, parece, nos avizinham do aniquilamento derradeiro. Física ou moral, ela tem sempre uma significação aterradora, porque resume a maior soma de sofrimentos de que é capaz a natureza humana.

Por isso, sentindo Jesus a torrente de iniqüidades que se Lhe despenhavam sobre o coração - torrentes iniquitatis conturbaverunt me - pálido, fremente, amesquinhado, lamenta-Se como buscando algum alívio no coração dos Seus discípulos. - Eu me sinto morrer de tristeza. Se, pois, me tendes amor, permanecei aqui e velai Comigo por uns poucos momentos. Tristis est anima mea, usque ad mortem. Sustinete hic et vigilate mecum

Era o tédio, que torna a vida insuportável. Era o pavor, que abala o coração, até os fundamentos, à perspectiva dos martírios que O ameaçam. Era a tristeza, que tudo reveste de sombras funerárias. Era o abatimento, que são os pródromos da morte que se avizinha, inexorável, lentamente sem compaixão e sem piedade. Coepit taedere, et povere, et contristari et maestus esse

Tal era o estado de alma de Jesus, no Jardim das Oliveiras, situação angustiosa que o Salmista mais havia descrito historicamente do que profetizado. Cor meum conturbatum est; formido mortis cedidit super me; timor et tremor venerunt super me et contexerunt me tenebrae.

Mas, se Jesus era Senhor da morte; se a morte não podia aproximar-se dEle senão tremendo, e no momento preciso em que Lhe aprouvesse chamá-la; se a cruz se Lhe desenhava, nitidamente, em todo o horizonte da vida, como um batismo ansiosamente desejado - Baptismo autem habeo baptizari et quomodo coarctor usquedum perficiatur, por que treme Jesus à perspectiva do Calvário? 

Porque o medo da morte não é um prejuízo vão; porque o medo da morte é natural ao homem e tem a Deus por autor. Mortem horret non opinio, sed natura - explica S. Agostinho - e Jesus, o Filho Unigênito de Deus, queria deixar-nos patente que era como um de nós, que tinha a nossa mesma natureza humana, e, porque era homem como nós, sentia compaixão bastante para morrer e sacrificar-Se por nós. Debuit per omnia fratribus similari, ut misericors fieret

Oh, tristezas de Jesus! Oh, angústias indizíveis do Salvador! Quão bem me fazeis compreender o valor da penitência e da mortificação cristã, do silêncio da oração e das lágrimas do infortúnio, das tristezas da solidão e dos sofrimentos da pobreza, - penitências, lágrimas, infortúnios, sustos de consciência, heroísmos de humildade que, pelas angústias de Jesus, se hão de transformar em eternas alegrias, alegrias inauferíveis e para todo o sempre duradouras. Tristitia vestra convertetur in gaudium, et gaudium vestrum nemo tollet a vobis. 

No entretanto, os discipulos dormiam.

- Assim é que não pudestes velar comigo alguns instantes? Sic non potuistis una hora vigilare mecum? Vigilate et orate ut non intretis in tentationem

A maior miséria do homem não é, certamente, o ser fraco, senão o reputar-se forte; é o orgulho, a presunção com que se fia de si mesmo, sem embargo da fraqueza que lhe é natural. 

Não fosse o homem esse poço de orgulho em que se não sabe se maior é o ridículo que lamentável a inconsciência, e não teria a Igreja de chorar tantos filhos que amamentou com seus carinhos maternais e com o leite da sua doutrina. Fortes, intangíveis na abundância imaginária de suas forças, na experiência acumuladas em anos de fáceis vitórias, nos recursos falhos de uma ciência que, iluminando incompletamente, não chega a mover e a decidir a vontade - eles que, na sua presunção, julgavam tocar a cabeça nas nuvens, ei-las, de chofre, precipitadas até às portas da condenação. Ego dixi in abundantia mea: non movebor in aeternum ... Et vita mea inferno appropinquavit. 

Recorrer às luzes da oração, valer-se da força dos Sacramentos, apoiar-se nas leis de Deus e da Igreja, para que se não desviem no cumprimento do dever, - seria a barreira oposta pelo Cristo às invasões da tentação e do pecado. Mas eles dormem, dormem inconscientes do perigo que os ameaça

Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. E notai, com S. Cirilo, a beleza desta expressão do Salvador: - para que não entreis em tentação

A tentação que entra em nós, é a tentação que nos assalta, sem embargo da nossa vigilância. Não é um pecado, mas triste condição da miserável natureza humana. 

O homem, pelo contrário, que entra na tentação, é o homem que acolhe, que aprova, que aceita a tentação. É o homem que voluntariamente sucumbe e, conscientemente, se arroja nos braços do pecado. 

Vigiai e orai, porque a carne é sempre fraca, bem que o espírito se disponha as mais heróicas resistências. Spiritus quidem promptus est;caro autem infirma.

(No Calvário por Dom Duarte Leopoldo E Silva, segunda edição, 1937)

PS.: Grifos meus.