terça-feira, 31 de maio de 2011

VII- O GRANDE SILÊNCIO

VII- O GRANDE SILÊNCIO


Esse silêncio devia durar mais de duas horas. Durante esse lapso de tempo as trevas ir-se-ão cada vez mais adensando; tudo se espavorirá em torno do augusto moribundo, e as palavras que Ele acaba de pronunciar operarão lentamente, qual germe poderoso, nas almas.

O perdão, lançado indistintamente sobre todos os algozes e sobre todos os soldados, já inclina o coração do centurião e o dos seus homens... E dentro em pouco, prostrando-se, eles vão ser os primeiros a exclamar: este era verdadeiramente o Filho de Deus!

A misericórdia divina concebida ao ladrão enche-o, eleva-o, purifica-o, e aquele santo moribundo conserva a alma deliciosamente ocupada com aquela soberana e divina compaixão.

Aquela dupla palavra: Mulher, eis aí Vosso filho! João, eis aí vossa mãe!... oh! como opera a um tempo suave e dolorosamente no coração de Maria e de Seu novo filho!

A princípio, ao primeiro enunciado dessa palavra, João e Maria devem ter-se entreolhado... e, nesses recíprocos olhares, que respeitosa veneração da parte do novo filho!... que ternura do lado da nova Mãe!

Em seguida Maria compreendeu, com a reflexão e pela operação divina que agia nEla, compreendeu todo o singular alcance dessa doação. Indubitavelmente, e é o primeiro sentido verdadeiro falando daquele modo Jesus não fazia mais do que cumprir os deveres de um bom Filho. Ele partia, morria: Sua Mãe ali estava, ia ficar sozinha, e Ele não quer que Ela fique assim sem arrimo e isolada. Queria dizer que Ele ainda se ocupava com Ela, mesmo durante a Sua vida pública. Nem tudo está relatado nos evangelhos: há um evangelho do coração que se não escreve, sente-se.

Jesus se vai, e quer que alguém O substitua: Seus olhos procuram, há um apóstolo presente... Ah! se Pedro ali estivesse! Aquela Mãe inconsolável tocava-lhe de direito, a ele, o chefe da Igreja, o vigário, o representante de Cristo. Mas não estava. E então Jesus dá à felicidade de João aquilo que houvera talvez dado ao primado de Pedro, se este tivesse sido fiel.

Há horas em que Deus procura: feliz de quem se acha então sob os olhares do Senhor!

Portanto Maria se torna a Mãe de João, e João deverá ter para com Ela toda a ternura de Jesus.

Porém a Virgem penetrou mais a fundo na palavra de Seu Filho: dá-Lhe Ele coisa melhor e Lhe pede mais. Ela compreendeu-O.

É uma maternidade mais extensa; e, segundo a tradição da piedade cristã, para corresponder a Seu Filho, que lhO pedia moribundo, Ela devia amar no novo filho todos os homens presentes, todos os homens futuros.

E é precisamente esta dolorosa maternidade que executa a Sua obra durante aquelas duas horas de silêncio.

- Ah! meu Jesus, que é que Me pedis? Todos os homens presentes?... E Maria olha à volta de Si. Há lá João, certamente o Seu olhar se compraz nele, mas há também os algozes, os soldados, os motejadores, os sacerdotes e os fariseus. Será mister ir até estes? – Ó Mãe dolorosa, é mister. Que revolvimento nas Suas entranhas! Uma vez mais, é mister.

E os homens vindouros? Ai! Assim como Seu Filho, do alto da Cruz, abraçava com Seu olhar divino todas as gerações, do pé da Cruz Maria deve estender a amplitude da Sua maternidade a todos os homens futuros.

Não recueis ante esta tarefa, ó minha Mãe, vinde até mim e estreitai-me nesse cruel amplexo!

Ela assim faz; porém, ao mesmo tempo em que se Lhe operava nas entranhas essa nova e cruel parturição, o coração se Lhe rasgava sob a ponta do gládio prometido por Simeão. Ela compreendeu então o alcance da sinistra profecia; mas, como via Seu Filho oferecer as mãos e os pés aos cravos, ofereceu Seu coração ao gládio, e foi desta ferida cruenta que nós nascemos, naquela hora de silêncio e de trevas, ao pé da Cruz, a dois passos do ladrão perdoado, ao lado de Madalena chorosa, e na aproximação simbólica e divina de João e Maria.

E Jesus contemplava tudo do alto ao Seu trono sangrento; e pôde dizer então, como após os dias da primeira criação, que tudo tinha sido bem feito: et vidit Deus quod esset bonum (Gên. 1,12).

Desde aquela hora do Calvário, desde aquele parto laborioso e novo, Maria tem pelo mundo duas classes bem distintas de filhos.

Há a raça de João: as almas puras ou purificadas. A estas, as carícias e as doçuras dos olhares de uma Mãe que ama neles a vida de Seu Jesus, a graça. Quantas se encontram, ó Mãe, dessas almas seletas? Eu vejo só um João no Calvário.

E há a raça dos algozes. Ai! Quem há que possa lisonjear-se de lhe não pertencer ou de lhe não haver pertencido?

- Quem comete o pecado não crucifica de novo Jesus Cristo? E ao lado dessa Cruz incessantemente erguida não deve haver uma Mãe incessantemente de pé e dolorosa? Ela lá está, mas nós lá estamos com Ela, e Ela nos ama.

E é este talvez um dos maiores milagres de Deus, o haver sabido de tal sorte atrair a Si os pecadores, que deles tenha feito filhos de Sua Mãe; porque aquela hora lúgubre Maria não somente Se digna de recebê-los, como ainda os procura, vai atrás deles, retém-nos e lhes abre o Seu coração como o melhor e o mais seguro dos refúgios.

Sancta Maria, refugium paccatorum, ora pro nobis.

(A Subida do Calvário, pelo Pe. Luís Perroy, S.J.; Editora Vozes, III Edição, 1957. Continua com o post: Quarta palavra: O desamparo.)

domingo, 29 de maio de 2011

VI- TERCEIRA PALAVRA: JOÃO E MARIA

VI- TERCEIRA PALAVRA: JOÃO E MARIA


Assim, toda a vida passada de Jesus reconstitui-se aos pés da Cruz nas recordações comovidas e agitadas dos assistentes. Maria, Madalena, o próprio ladrão, a se dar crédito à piedosa lenda que faz desse ladrão um miraculado de Cristo no deserto, na estrada do exílio quando a Sagrada Família fugiu para o Egito: - outras tantas testemunhas do passado. Todas as santas mulheres que O seguiram pelos caminhos da Galiléia e da Judéia, e que lá estão, ao longe, também devem repassar as recordações de outrora, sobretudo a hora do seu primeiro encontro com o Cristo; as palestras familiares, à tarde, ao frescor cadente da noite, debaixo das grandes figueiras, dos opulentos sicômoros, ou através dos eloendros que beiram as margens encantadoras de Tiberíades: o Mestre gostava tanto de ali pregar a Sua nova e insólita doutrina!

Tudo revive, por conseguinte, aos olhos deles, e essas múltiplas imagens formam uma auréola de glória, de amor e de saudade em torno do Semblante lânguido do Senhor.

Estava ainda lá, com as três Marias, Salomé, a mãe ambiciosa dos filhos de Zebedeu, Tiago e João: como ela também não havia de se lembrar da hora em que, tomada de uma pretensão bem perdoável às mães, se abeirava do Cristo no caminho, dizendo-Lhe: - Mestre, quero pedir-Vos uma coisa. – Oh, que é? – Já que sois Rei, sobretudo já que o ides ser, fazei que meus dois filhos, João e Tiago, se assentem no Vosso Reino um à Vossa direita e outro à Vossa esquerda. – Ó mulher, não sabeis o que estais pedindo. O Meu Reino, mas vede-lhe as insígnias hoje: o trono, uma cruz; a coroa, espinhos; as jóias, o Meu sangue que borbota; o Meu título está pregado lá em cima, lede-o; e os que estão a Minha direita e à Minha esquerda, dois crucificados como Eu. Não, em verdade não sabeis o que pedis. João e Tiago, sois capazes de beber no Meu cálice? – Sim, Senhor. – Sim?... mas este cálice é fel, vinagre, são as lágrimas que Me escorrem dos olhos, é a cólera de Meu Pai, é o desprezo dos homens, é o abandono dos Meus. E bebereis tudo isto? Oh! não sabeis o que estais pedindo. O bom ladrão mendigar-Me-á uma simples lembrança, bem longe de reclamar lugares de escolha; e há de ter a lembrança e há de ter o lugar.

Todo o que se exaltar será humilhado, e todo o que se humilhar será exaltado.

Como todos estes pensamentos, como todos esses longínquos quadros deviam vir flutuar em torno de Salomé, mormente quando ao lado daquele Jesus moribundo, desconsiderado e escarnecido, ela avistava de pé seu filho João! Ele lá estava sozinho.

E o outro, Tiago? aquele que pedia também um lugar junto ao Rei e afirmava poder beber no mesmo cálice? Fugiu, esconde-se; João está só, e era o mais moço.

E também este, naquele cimo ensangüentado, deve pensar nos dias antigos, e as suas recordações comovidas escrevem uma página da vida passada do Mestre.

A hora do primeiro encontro impõe-se-lhe amorosamente à memória, porque há sempre que tornar a esse instinto do coração que, em face do ser amado, amesquinhado, rebusca avidamente as primeiras imagens do seu primeiro amor.

João pensa, assim, naquelas margens do Jordão onde o Precursor batizava no meio dos compridos caniços afilados e das moitas de tamargueiras que beiravam o rio. Naquele dia do primeiro encontro, o Batista estava sozinho naquelas margens tão frescas e contrastarem violentamente com a planície arenosa de Jericó, talada como um leito de torrente enxuto. Estava só com dois discípulos, André de Betsaida e João filho de Salomé e de Zebedeu, pescador, como André, no lago de Genesaré.

São quatro horas da tarde, o ar está mais tépido, o sol vai sumir-se para as bandas de Jerusalém, por trás dos montes da Quarentena.

Súbito, faz-se ouvir um ruído de passos; João Batista se volta: é Jesus. A Sua alva figura sobressai através das folhagens.

- Eis o Cordeiro de Deus, murmura o Batista.

André e João apreenderam essa palavra escapada ao Precursor, deixam-no e põem-se a seguir timidamente Jesus que caminha na frente.

Em dado momento, o Cristo se volta.

- Que quereis? Perguntou-lhes. – Mestre, saber onde morais. – Vinde e vede.

Aonde os conduziu Ele? A que retiro? A Jericó? Mais além, para o lado do Mar Morto? Ou na direção da fonte de Eliseu? Não o sabemos, mas sabemos que eles ficaram com Ele todo o resto do dia; sabemos também que, no dia seguinte ao dessa entrevista, André, encontrando-se com seu irmão Simão, dizia-lhe: - Encontramos o Messias. E sabemos mais que, há algum tempo daí, passando Jesus por diante da barca de João e de Tiago, os dois irmãos que pescavam com seu pai Zebedeu, o Mestre diz: - Vinde e segui-Me.

Assim foi feito. João estava capturado. Lembrava-se dessa captura deliciosa, e também do quanto entrara depois na intimidade do Senhor, a ponto de repousar a cabeça no Seu peito, quase rosto contra rosto. E hoje, que mudança! Sobretudo quando, contemplando aquele Semblante conspurcado e desdourado, revia-o nas suas lembranças brilhantes como o sol, no cimo do Tabor.

No lugar daqueles dois ladrões havia então Elias e Moisés: o céu falava, o Cristo rutilava, alvejara-se-Lhe a veste de uma alvura de neve... e agora, naquela escuridão crescente do Calvário, João já não via senão três agonizantes que estertoravam em três cruzes.

Evidentemente devia operar-se-lhe uma subversão no espírito: ele não compreendia, não apreendia o porquê de tantos sofrimentos.

Nem nós, tampouco, compreendemos na nossa vida a causa misteriosa das provações que nos acabrunham: faz-se mister uma luz mais alta do que a da nossa razão. Creiamos, porém, que isso é justo, que isso é bom, que isso é glorioso para Deus. Este ato de fé é a única luz que sobrevive a muitas sombras, e que brilha através dos destroços esparsos da nossa pobre vida...

Nesse ínterim, o céu se velava cada vez mais de trevas inexplicáveis: foi nesse momento, foi no meio do desconcerto que naturalmente devia causar esse fenômeno, que subitamente Jesus chamou por Sua Mãe:

- Mulher, diz Ele docemente, Mulier...

Não estaquemos ante a frieza aparente de um termo que em realidade e na língua do lugar é um termo de respeito e de veneração afetuosa.

“Ele chama por Sua Mãe, diz Santo Ambrósio, porque a Sua ternura de Filho devia este último testemunho a semelhante Mãe”. (Epístola à Igreja de Verceil).

Que frêmito não deve ter sacudido todo o coração de Maria! Como Ela Se aproximou da Cruz, quase a colar os lábios aos membros de Seu querido Filho, estendendo os braços para cima, e mais ainda toda a Sua alma!

- Mulher, Mãe!... é o último apelo dos moribundos. Aqueles que assistem; testemunhas contristadas, às agonias dos hospitais, aos últimos estertores do ferido nos campos de batalha, surpreendem-se de ouvir brotar, nos extremos delírios, como um grito lancinante, esse doce nome de mãe. É um clamor desesperado ao ente a quem mais havemos querido. Quando o homem sente que tudo lhe vai fugir, por um derradeiro instinto volve-se então para aquele que nunca abandona porque sempre amou, e chama: Minha mãe!

Naquele espírito que soçobra só há um semblante que sobrenada a tudo o mais: minha mãe! E é como que uma invencível esperança de que essa mãe reclamada vencerá todos os obstáculos e todas as distâncias, para vir uma última vez beijar aquela fronte que empalidece e aqueles lábios que morrem...

“Santa Maria, Mãe de Deus e mãe nossa, rogai por nós pecadores, agora, mas, sobretudo na hora da nossa morte”.

Eu compreendo esta oração, ela é feita para mim, ó meu Deus; e nesse último apelo ao coração tão bom de minha Mãe do céu eu saberei por tudo quanto minha alma ainda conservar de ternura e de súplica.

- Mulier, Mulher, Mãe, dizia, pois Jesus, esse será doravante o Vosso filho!... e indicou João com o olhar.

- Eis aí Vosso Filho em Meu lugar, ó Mulher, em Meu lugar, ó Mãe!...

E, volvendo para o discípulo a quem amava os olhos dolorosos, murmurou:

- Eis aí vossa Mãe.

E, isto dizendo, reengolfou-Se num grande silêncio.

(A Subida do Calvário, pelo Pe. Luís Perroy, S.J.; Editora Vozes, III Edição, 1957. Continua com o post: o grande silêncio.)

domingo, 22 de maio de 2011

Carta de um herege/ Resposta de um cristão


Carta de um herege

É este o vosso rei? Prostrado no Horto, tendo a face por terra, tendo a alma triste até a morte?

Pense bem, isso não acontece com um rei. Um rei goza de prazeres e tem servos prostrados aos vossos pés. Tem dinheiro, fama e delícias, como se entristecer com uma vida assim? Um rei não conhece a tristeza e a agonia.

Oh... perdoem-me, cristãos, vosso rei, era tão pobre que não tinha onde reclinar a cabeça para descansar e era um simples filho de carpinteiro, não é?

Vejam quem vem lá... olhem, cristãos, o vosso rei com um manto encharcado do próprio sangue; uma  coroa de espinhos e um cedro de cana... Que rei esfarrapado! é esse o vosso rei? Respondam miseráveis cristãos?! Ele não abre a boca... não dá uma ordem, recebe cusparadas na face desfigurada e permanece em silêncio... cadê a sua autoridade? simples soldadinhos brincam com a suposta majestade do vosso rei, onde está o seu poder? A sua glória? Porque não reage?

Vosso rei vai morrer da forma mais dolorosa e infame e permanece calado. E onde estão os seus seguidores? Há poucos dias o aclamavam e hoje vejo poucos que permanecem com ele, um rei não acabaria assim, abandonado...

Vejam suas mãos e seus pés, seu corpo dilacerado, isso não acontece com um rei...
Cadê o seu exército?

Entre dois ladrões ele foi pregado e diz poucas palavras entre o sangue abundante e as lágrimas.

Pense bem cristãos, um rei não morre assim.

Resposta de um cristão

Sim, este é o meu Rei – Meu Senhor Jesus Cristo - e o Seu Reino não é deste mundo.

Veio para nos ensinar a humildade, a mansidão e a bem sofrermos. Sua glória está em servir e não em ser servido. Veio nos salvar e por isso Se ofereceu como Vítima imaculada.

Oh! meu Rei, que cegueira a deste mundo... quantos entregues a ídolos mesmo depois de Vossa morte ignominiosa por todos os homens; escravos das riquezas, das honras e dos louvores humanos, Vos ignoram por orgulho, por não aceitarem que és Rei entre as dores.

Um dia tremeram diante de Vossa vinda triunfante, onde julgará todos os povos, triste dia será o desses hereges que não aceitaram o Vosso Amor no Calvário.

Triste dia!... e então ao verem os seus “reis de areia” serem aniquilados por Vossa justiça, dirão: Malditos somos, por não aceitarmos servir ao verdadeiro e único Rei, o Rei dos cristãos, malditos somos!

Venha Rei dos exércitos e nos ensine a sermos Vosso fiéis soldados!
Assim seja.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Segunda palavra: o bom ladrão

Segunda palavra: o bom ladrão


Este episódio do ladrão é um dos mais maravilhosos, dos mais consoladores para nós no grande drama do Calvário.

O que primeiro admira é a rapidez que empolga a cena. Algumas palavras se cruzam por sobre a cabeça inclinada de Jesus Cristo, uma prece a esse Cristo, uma resposta de Jesus, e está tudo acabado. Mas também está tudo mudado. Aquele bandido, coberto de todos os seus crimes mais ainda do que do seu sangue, torna-se, num abrir e fechar de olhos, um santo tão purificado e um eleito tão autêntico, que merecerá naquele dia mesmo ser o companheiro de Cristo no paraíso.

- Hoje, digo-te em verdade, Eu, este Rei achincalhado, mas eterno, hoje mesmo estarás comigo no paraíso – Que rapidez!...

Deus não precisa de muito tempo para entrar numa alma, para transformá-la completamente: e é o que é consolador para nós. Mas, nessa ação tão rápida, que drama profundo e pungente: é mister acompanhar-lhe todas as peripécias.

São, portanto, três na cruz, a dominarem com suas cabeças lívidas e já moribundas a multidão que lhes ondeia aos pés. Ora, daqueles três, só um tem a fronte curvada como um convencido, como um verdadeiro condenado que se envergonha dos seus crimes e os reconhece: é o Cristo.

Os outros dois estão no paroxismo da dor e da revolta. Um frêmito de ódio sacode-lhes os pobres membros regados de sangue. Eles parece terem esquecido todo o seu passado, não pensam em qual tenha sido a sua vida e qual também a sua justa condenação. Voltam-se contra Jesus, que parece a causa do seu suplício. Teriam eles sido crucificados naquele dia mesmo se o Cristo não tivesse tido de o ser? Ele lhes é, pois, ao menos a causa da sua morte antecipada, e em razão disto raivam, rangem de furor, blasfemando o divino Pendurado da Cruz.

Et latrones qui crucifixi erant cum eo improperabant ei (Mt. 27,44).

Jesus, cujo ouvido divino percebe todas as intenções secretas, condói-Se deles mais talvez do que os de baixo; sente nas palavras deles a dor abrasadora que os aguilhoa: e por eles tanto quanto pelos algozes foi que Ele deixou cair a sua doce e primeira prece: - Pai, perdoai-lhes, porque eles, principalmente eles, não sabem o que fazem.

Ó mistério das eleições divinas! Ó profundeza das potências da nossa vontade! Os dois ouviram a santa e abençoada palavra. Um se cala, opresso, aturdido por aquele golpe de misericórdia; o outro, entregue todo à sua dor, ao seu violento desejo de viver, à raiva de ter sido crucificado mais cedo por causa daquele Jesus, o outro, apanhado no ar todas as blasfêmias que sobem de baixo, pega de uma à passagem e exclama:

- Se verdadeiramente és o Cristo, começa por te salvares a ti mesmo, e a nós depois!...

Esta impetração não tinha nada, em si, de blasfêmia: o ladrão exacerbado clama àquele Messias, àquele taumaturgo, àquele Filho de Deus, que se salve a Si, e a eles ainda por cima. Não pede sequer a salvação para si só: Et nos, porém nós contigo, nós dois que estamos sofrendo e morrendo atrozmente. É provável, entretanto, que esse pedido tenha sido acompanhado e seguido de mais odiosas blasfêmias.

Insinua-se o evangelista: um dos ladrões, diz ele, blasfemava contra Ele, chamando:

- Salva-te então a ti mesmo e a nós dois contigo.

Mas a resposta brusca, viva do outro ladrão é a prova disso. Não é mesmo uma resposta, é uma violenta réplica:

- Oh! como! Brada o ladrão que estava defronte, nem tu também tens medo de Deus?... embora estejas morrendo no mesmo suplício?... Ainda para nós é só justiça; mas ele, ele não fez mal.

Que significa isto, em verdade? Eis então aquele ladrão, aquele celerado que cuspia blasfêmias havia apenas um instante, e que subitamente se faz advogado daquele a quem insultava? Chega até a falar de um Deus que estaria ali... pertinho... Será o delírio da agonia, será a demência do sofrimento que assim o fazem disparatar?

Há naquelas palavras uma sucessão rápida de sentimentos que denota o trabalho de uma graça excessiva.

O ladrão ouviu e ainda ouve todas as blasfêmias que sobem para a cruz: ouviu ao mesmo tempo a prece e o silêncio daquele Cristo pregado naquela cruz, daquele Cristo a quem alternativamente e por mofa chamam de Messias, de Rei dos Judeus, de Filho de Deus. A princípio ele se admira; mas em seguida parece apreender a monstruosa injustiça que cravou no mesmo patíbulo aquele Cristo benfeitor e a eles... celerados.

Sente então – por esse instinto supremo de justiça – que um Deus mais cedo ou mais tarde vingador paira sobre aquele drama do Calvário:

- Então não o temes... esse Deus, clama ele ao companheiro... nós, nós temos só aquilo que merecemos... mas Ele, esse companheiro que ai está, no meio... que mal fez?...

E olha para ele... e, à medida que fala, dir-se-ia que uma luz lhe invade o espírito.

- Não, não, esse ente que morre como nós, e que perdoa, e que ora morrendo, não é um ente vulgar: coroaram-no irrisoriamente... e cruelmente... mas, e se fosse um Rei? Matam-no porque ele é o falso Messias: mas, e se fosse o verdadeiro?

Se fosse o Filho de Deus... o próprio Deus?...

- É, eu creio, sinto, confesso-o e imploro-o...

E, volvendo os olhares súplices para o Cristo, murmurou:

- “Senhor, lembrai-vos de mim... quando chegardes ao vosso reino!”

Ó conversão estranha, exclama São João Crisóstomo. Ele vê um crucificado... e confessa um Rei da Glória! (Crisóstomo, homilias. De cruce et latrone.)

Vê chagas abertas e sangue que corre, diz Santo Ambrósio, e, bem longe de o crer um criminoso, reconhece-o como um Deus! (Ambrósio, sermão 50).

Ele não clama como os outros, diz Eusébio: Se é Deus, salva-me; mas sim: Já que és Deus, livra-me do julgamento futuro. (Eusébio, homilia de Latrone beato.) Meu Senhor e meu Mestre... dignai-vos de Vos lembrar de mim...

Assim, aquele homem já não crê, vê, a fé foi absorvida.

Ele já está nos esplendores da graça, compreendeu num instante toda a economia da vida e da morte divinas. (Cornélio a Lapide – Comnent. in Lucam, c. 23 ss 40 – chega até a dizer que, chamando ao companheiro: Neque tu times Deum? [Tu também não temes a Deus?] videtur Christum denotare eumque confiteri esse Deum, q. e.: Times vindictam Christi quem blasphemas, quia ipse non tantum est homo sed et Deus”; parece designar o Cristo e confessar que ele é Deus; ou seja: Não temes a vingança do Cristo que blasfemas? Porque Ele não é só homem, mas também Deus. – Santo Ambrósio e Eusébio têm esses mesmos sentimentos.) O homem que está ali no meio é um Deus, e está condenado embora não tenha feito mal algum, e morre por ser o grande celerado, o grande miserável da humanidade.

Mas é também o Rei lá do alto: tem, pois um reino, um palácio, servos: vai subir a esse reino, e pode fazer ali entrar quantos quiserem crer nEle.

E então ele crê, espera, ama, aquele, pobre ladrão sem letras e sem ciências, repleto de pecados e de ignomínias; mas ele sabe divinamente que todos os seus pecados, todas as suas ignomínias lá estão sobre aquele homem-Deus, como a púrpura real do Rei que Ele é: e diz docentemente fazendo-Se pequeno na Cruz, não podendo estender a mão como um mendigo, mas estendendo a alma dolorida e radiosa:

- Meu Senhor e meu Rei, lembrai-Vos de mim, - uma simples lembrança! – quando entrardes no Vosso grande reino.

E Jesus, que não pode mexer-Se, imóvel também, e Jesus, que não pode nem erguer a cabeça para o ósculo de amor nem levantar os braços para o perdão supremo, Jesus diz-lhe, entretanto com uma irradiação de bondade e de alegria inefável:

- Hoje, amigo, sou eu quem te diz, estarás junto a mim no paraíso.

No paraíso! Com Ele! Ouviste, ó pobre facinoroso? E entre a imobilidade dolorosa daqueles dois homens passou-se num instante a maior e a mais rápida ação que jamais tenha havido.

E agora o ladrão se clã: Jesus igualmente não diz mais nada; porém os seus dois semblantes se entreolham e os seus dois corações se falam: “In hoc enim totius forma salutis”, diz Santo Ambrósio (Sermão 50). E eis aqui todo o segredo da salvação eterna.

Reconhecer um Deus lá onde há um simples homem, e um homem humilhado; discernir através dos desfalecimentos do supliciado a glória do Rei eterno! E, quanto a nós, nas particularidades da vida, não nos escandalizarmos com a mão que nos fere: bem mais ainda, beijarmos essa mão quando nos lacera ou se retira; muito melhor, não murmurarmos do silêncio, às vezes esmagador, de Deus, e da convivência que Ele parece emprestar aos nossos inimigos: enfim, por toda parte e sempre firmes na fé e ardentes no amor, aguardarmos a “revelação futura” e consentirmos em murmurar o nosso Credo até o fim, nas trevas do Calvário: repito, é toda a santificação. In hoc totius forma salutis. Desde agora a noite pode vir, há ao pé da grande vítima um facho que arde: a alma luminosa do ladrão, que lhe ilumina a pavorosa agonia com a rutilação da bondade divina. Ele vela, ora, espera. “Comigo, no paraíso, hoje”; isto lhe basta, e ele torna a entrar na sua escuridão e na sua imobilidade.

Como Deus é bom! Como, depois do que acabamos de ver, não crermos que ele queira perdoar-nos?

Que é que nos impediria, aliás, de receber essa inesgotável misericórdia?...

Olha para o Calvário, ó minha alma: seriam os teus pecados? O número deles? A malícia? Toda a vida pregressa do bom ladrão é como que aniquilada num instante; abisma-se nesta palavra:

- Hoje, comigo, no paraíso. – Mas e ontem?
- Que importa o ontem? Se hoje estás no paraíso, que mais te é preciso?...
- Seria o tempo que te faltaria? Alguns segundos bastaram àquele criminoso.
- É a justiça de Deus que te assusta? – Onde está ela? Na Cruz. Em ti só vejo agora a obra da bondade. E então? Que é que pode atormentar-te?

Ó tortura, ó grandeza, ó suprema piedade de Deus! Ó meus pecados, como me inquietais pouco! Tivesse-os em cem vezes mais, que é preciso para os fazer para sempre perdoar?

É preciso estar na cruz: estaremos ao menos quando morrermos. É preciso reconhecer que sofremos justamente: é a única vantagem que devemos auferir dos nossos pecados. Finalmente, é preciso mendigar um olhar do Rei Jesus. Memento mei; menos do que um olhar, uma lembrança basta.

Tudo o que não passa de um temor ultrajante para com um Deus tão bom. Não só Ele perdoa, não só esquece, mas ao mesmo tempo diz:

- Estarás comigo hoje.
- E o purgatório?
- Comigo, digo-te, e no paraíso. Então eu não posso tudo apagar, tudo tirar, quando me apraz? Ecce agnus Dei qui tollit peccata mundi. Se eu tiro os pecados do mundo, não estão dentro os teus?...

E eis aí o segredo da paz e da confiança dos nossos últimos momentos.

- Mas eu sofro constrangido e forçado.
- Que importa, se sofres!

“Pois Jesus perdoa facilmente aos que sofrem com Ele e fazem um sacrifício voluntário dos seus males mesmos forçados” (Bossuet – meditação para o tempo do Jubileu, 5ª consideração.)

- Mas...
- Pára com as tuas objeções, alma ainda orgulhosa até o fim: acaso o pobre discute quando estende a mão? Estende a tua, recebe, e fica para sempre na gratidão.

Há almas santas que guardam sempre em reserva alguma força a fazer valer contra a justiça de Deus: uma irrisão!... teias de aranha diante de uma chama ardente!... mais vale ainda depender só da sua piedade.

Ir-se para Deus pobre, nu, vazio e despojado, nada mais tendo depois de ter tido tudo; só lhe poder apresentar a própria miséria e decadência, abeirar-se daquele juiz temível que penetra os anjos, e apresentar-se-Lhe sem advogado, sem inocência e sem reparação: de certo, que mais tremenda desgraça!... A não ser que se sinta desabrochar docemente nos lábios, com o espírito do bom ladrão, esta oração única que tudo salvará: In sola misericordia Domini spero salutem. Só da compaixão do Senhor espero a minha salvação. Amém (Epitáfio de uma antiga pedra sepulcral na igreja de São Remígio, em Reims.)

(A Subida do Calvário, pelo Pe. Luís Perroy, S.J.; Editora Vozes, III Edição, 1957. Continua com o post: Terceira palavra: João e Maria.)

PS: Grifos meus.

domingo, 15 de maio de 2011

Como preparar-se para tal ato? (Casamento)

Como preparar-se para tal ato?


Primeiramente, é preciso prepara-se

Algumas; muitas até, não se preparam.

Seguras de si mesmas, um pouco loucas, provavelmente inconscientes, improvisam o casamento do mesmo modo como improvisa seu discurso... Rebaixam o ideal a tal ponto que não pensam ter de subir muito para atingi-lo. Não refletiram nem nos deveres, nem nos riscos, nem nas responsabilidades que surgirão. Ficam, pois, tranqüilas. De qualquer jeito, elas se desembaraçarão!...

Sempre se desembaraçarão!... Infelizmente, sim, mas de outra maneira que consiste em não se desembaraçarem...

Não se improvisa o traje nupcial nem tão pouco o enxoval. Ele é preparado com tanto afã! Com tanta minúcia! É uma coisa verdadeiramente emocionante...

Toda a família dele participa. O pai, a mãe, os irmãos e irmãs, o avô, a avó, a amiga Emília, a vizinha Deltanira, o tio Augusto, a tia Ondina, cada qual tem sua sugestão a apresentar. Ah! este traje! Este enxoval!...

Coisa alguma é improvisada, exceto o próprio casamento, no que ele tem de essencial.

E sabe-se acaso o que é o casamento? O que exige? A que obriga? Quebra-se a cabeça por causa de um botão a mais ou a menos, mas não se quebra por causa de palavras tão importantes como são: “amor, fidelidade, sinceridade, dedicação”... Será por medo de, uma vez quebrada, nada ser encontrado dentro dela?...

Espalham-se pela mesa os presentes oferecidos. Mas, de antemão, não se espalham os temíveis presentes que a vida poderá trazer.

Percorrem-se todas as casas de modas para a compra dos móveis e da roupa... mas não se põe de joelhos num oratório para pensar maduramente no desconhecido que se vai afrontar e perguntar a si mesma, lealmente, se tem a necessária força para lutar contra as ondas da travessia.

Ora, existem coisas que não se improvisam. O casamento é uma delas. Tanto mais grave se apresenta como obrigações, tanto mais vasto como promessas, tanto maiores conseqüências acarreta, menos se tem o direito de improvisá-lo. Também não se improvisa um tratado de paz. Uma guerra também não. O sacerdócio também não, e a eternidade muito menos.

E o casamento também não. A menos que, pensando-se dissolvê-lo ao primeiro incidente, se deixe de respeitar o que foi desonrado por si mesmo.

Mas, então, não se será mais uma cristã.

Não se é mais honesta visto que, sem que o pareça, o anel nupcial já se rachou sutilmente e está ameaçado de uma fácil ruptura...

Sendo o que é, o casamento deve ser preparado.

E como preparar-se para ele?

Por uma reflexão minuciosa

Não se trata de dizer: “Contanto que eu esteja casada, tanto melhor para o resto!” A palavra “casamento” pode, em certos casos, significar tantos sofrimentos com tão poucas alegrias que, decididamente, é mais do que prudente bem considerá-lo antes.

A vida obriga a não exigir demais. O bom senso quer que as pretensões sejam moderadas. O rapaz “perfeito” não se colhe em qualquer jardim... E tão pouco a moça “perfeita”. Mas, entre tudo e nada, há muita coisa, e a cristã, chegada a hora de escolher ou aceitar, deve saber quem a solicita e exigir dele o mínimo que a possa tranqüilizar.

Saber quem a solicita! Conhecer a quem ela se entrega! Que vale ele, moral e religiosamente falando? Oferecerá algumas garantias de felicidade? Casando-se com ele, a fé correrá algum risco? A piedade ficará comprometida? É ele honesto ou não? Trabalhador ou não? Sobre que bases se organizará a educação dos futuros filhos? O lar comum terá probabilidades de conservar intacta a fidelidade?

Numa palavra, para onde irá ela na companhia dele?...

Muitas vezes os pais mostram-se indiferentes a tais questões. Já consideraram o peso da carteira do pretendente e chegaram à conclusão de que ele é “um bom partido”. Mas isso não deve bastar à jovem ainda livre. Porque é ela quem se casa, é ela quem será feliz ou infeliz, é ela quem carregará o fardo pesado ou leve, ela quem viverá depois que seus pais morrerem. Poderão eles impor-lhe um fardo que não terão de suportar com ela? O rapaz lhes agrada, está bem. Mas é preciso que ele também agrade à filha... Não poderão, pois, forçar seu consentimento, nem censurar suas reflexões, nem recusar o direito de recusar.

O casamento não é um idílio, nem um romance de uma hora, nem um negócio.

Pelo casamento a jovem se entrega. Cristãmente falando, entrega-se sem compensação. Mesmo que os pais, os interesses, a opinião mundana, seu próprio coração diga “sim”, se sua consciência disser “não”, será “não” o que deve ser dito. Melhor será salvar a alma do que ter um marido. Melhor será entrar como solteirona no Paraíso do que ser atirada, casada, ao Inferno.

Ora acontece que com esse casamento a jovem compromete sua saúde. É um pecado. Quantas o cometem! Quantos pais, os primeiros culpados, por ele responderão!

Pelo aprendizado de virtudes que nele devem ser praticadas

A mulher cristã deve ser trabalhadora

Ela o deve ser antes, porque, depois, poderá não vir a sê-lo. O hábito de nada fazer adquire-se num instante e muito custa perdê-lo. Enquanto está em casa de seus pais, a jovem deve procurar criar-se um temperamento de trabalhadora que fará dela, uma vez casada, a dona da casa segura, exata, conscienciosa, que aproveita suas folgas em vez de desperdiçá-las.

A mulher cristã deve ser séria

Por acaso torna-se alguém sério somente com a promessa de vir a sê-lo algum dia? A experiência diz que não. Sem dúvida, com o tempo, alguns se modificam. Muitas vezes, a uma juventude leviana sucede uma maturidade sisuda. Mas essa é uma sorte que nem todos têm e não constitui um princípio. Cantando, a cigarra aprende a cantar; dançando, a gazela aprende a dançar. A uma jovem leviana geralmente sucede uma mulher leviana. E porque não? É normal. As conversões repentinas são raras. Fica-se sendo o que se faz anteriormente. Troca-se de nome, mas não se troca de alma. Denomina-se “senhora” aquela que não passa de uma garota.

A mulher cristã deve ser uma amorosa

O que, na prática, significa uma devotada, o contrário de uma egoísta. Tanto os maridos como os filhos terão muitas vezes direito a seus cuidados, algumas vezes a suas fadigas, algumas vezes aos seus enormes sacrifícios, mas sempre à sua vigilante atenção.

Uma jovem que se preocupa (só) consigo, como e quando será a mulher que se preocupa com os outros? Conta-se com o instinto materno que surgirá com o nascimento dos filhos. Atenção! Essa geração espontânea, esse repentino crescimento de dedicação num terreno em que impera o egoísmo, não é nada certo. Será mesmo prudente prevê-lo?

Mas a jovem pode aprender a esquecer-se de si mesma quando lida com seus pais, com seus irmãozinhos, com suas amigas. Se ela não tiver essa coragem hoje, como a terá amanhã? Isso equivaleria a ceifar em sulcos onde nada foi semeado e, com voz falsa, ambicionar o êxito dos artistas da Ópera...

A mulher cristã deve ser fiel

Senão, que será ela?... Respondam.

Fiel! Isso quer dizer que mantém sua promessa, que conserva seu coração para o único, que ele pode confiar nela, pois não ouve os apelos da rua, que caminha pelo seu braço sem voltar a cabeça, que nenhum outro nome que não o seu é lido em seus olhos, que triunfa da monotonia da vida íntima sempre igual, que o cansaço jamais a domina.

Sendo fiel, a jovem torna-se capaz de ser a mulher fiel. Não se diverte com o coração, não multiplica o “flirt”, não muda de amizades, não borboleteia, entre seus quinze e vinte anos, de uma flor para outra, de uma confissão para outra. Assim se mantém durante alguns anos, para ficar certa de que assim se poderá manter por toda a vida.

A mulher cristã deve ser forte

Como mamãe, para os filhos que têm necessidade de que ela o seja, como esposa, para o marido que nem sempre o é.

Em caso de necessidade, ser-lhe-á preciso sem queixar-se, sorrir com olhos enquanto o coração chora. Outras vezes, quando o dever o ordenar, ser-lhe-á necessária a força de resistir à tentação grave, de manter a energia da moral católica, de não se prestar a imperdoáveis compromissos.

Em matéria de educação, ser-lhe-á indispensável a força de querê-la e praticá-la cristãmente. Daí surgirão, talvez, conflitos, cenas, lutas, desacordos. Força delicada da haste que verga sem se quebrar, força real do carvalho que nem chega a vergar-se.

Força de alma nas provações habituais. Uma noite, é a mulher que apóia a cabeça ao ombro do marido. Mas uma outra noite é o marido quem apóia a cabeça ao ombro da mulher.

Fortaleza de Suzana às voltas com os dois velhos. Fortaleza de Felicidade diante dos injuriadores de Deus. Fortaleza de Maria aos pés da Cruz.

A vida, para ser bela, exige tudo isso de uma jovem. À falta desta fortaleza, quantas não se arruinaram e permaneceram impotentes, desencorajadas, cansadas do grande cansaço das vencidas!...

Durante a juventude aprende-se a ser forte. Não faltam ocasiões. E já seria alguma coisa a força unicamente adquirida com a luta contra os caprichos e paixões para manter-se à altura do dever cumprido. Mas a jovem que se entrega, pronta a qualquer covardia, submissa ao jogo da vida, incapaz de uma decisão firme, comprando um doce todas as vezes que passa por uma confeitaria, dançando todas as vezes que houver um baile, aborrecendo-se todas as vezes que surgir uma contrariedade, só sabendo pronunciar “talvez” e “se assim o quer”, que será feito dela, qual folha atirada ao vento, quando, como esposa e mãe, o vento sul abalar a casa ou, mais simplesmente ou menos dificilmente, a tarefa cotidiana lhe impuser uma reserva extraordinária de coragem?

A mulher cristã deve ser uma condutora para Deus

Durante um tempo, ela trará seus filhos em seu seio, mas para sempre trará a alma deles na dela. Sua alma e a alma do pai, que é seu marido.

Ela, exemplo vivo, educadora responsável, não tem esses filhos se não para, à frente deles e levando-os pela mão, conduzi-los a Deus, que os espera. E ela deve querer conduzi-los a tais alturas, sob pena de se diminuir.

É a isso que chamamos “o ser apostólico”, “praticar o bem”. É, simplesmente, ser uma verdadeira cristã.

E existem muitas que assim o façam? A resposta consoladora ou não, em nada modifica o belo dever. Se muitas o fazem, que ela lhes aumente o número. Se existem poucas, que seja ela uma a mais. E, se não existir nem uma, ela que se torne ou a primeira ou a única.

Mas só se pode dar aquilo que se tem. E tem-se o que se recebeu, ganhou ou conquistou. Aquela que, com dezoito anos, se desinteressa da alma de seus pais, se interessa pouco pela ama de seu noivo, se interessará superficialmente pela alma de seus filhos, com o risco ou a probabilidade de não se interessar de modo algum pela alma de seu marido.

Adquirir para ter. Tornar-se para vir a ser. Preparar-se para estar pronta. Essa é que é a lei. O vestido nupcial e o enxoval são feitos de pano. A fazenda é feita de fios entrelaçados. O fio de linho germinou da terra e o fio de seda não caiu da lua em noite de outono. Tudo tem sua origem longínqua. O que existe foi feito.

A jovem que pensar em tudo isso no momento de vestir seu traje nupcial e de preparar seu enxoval aprenderia uma preciosa lição. Aplicada ao casamento, significa que também ele, como a fazenda do enxoval e do vestido está feito de tudo que se leva e que foi lenta e piedosamente armazenado no bendito cantinho das reservas de valor.

Dentre as mulheres, foram as que teceram para a vida a mais linda vestimenta, o mais rico enxoval, as que, como jovens, no tempo da preparação, fio por fio, praticaram o trabalho, a seriedade, a fidelidade, o amor, a dedicação, o apostolado e, com o cruzamento de todos esses fios, teceram a tela indestrutível do casamento cristão.

(Jovens: Vocês e a vida, pelo Fr. M. A. Bellouard O. P., coleção moças; Editora Caravelas LTDA, 1950, continua com o post: Religiosa)

PS: Grifos meus.

Aos devotos de Santa Filomena (10 belas imagens da Santa)

Aos devotos de Santa Filomena
10 belas imagens da Santa











quinta-feira, 12 de maio de 2011

Os últimos traços do semblante: Pai, perdoai-lhes

Os últimos traços do semblante: Pai, perdoai-lhes


Foi do seio turbulento daquelas zombarias que se elevou, doce e vitoriosa como um incenso em meio aos acres vapores do holocausto, a primeira palavra do Cristo na Cruz. A horrível crucifixão acaba de ser concluída, o patíbulo está ereto, é o momento em que todo o corpo, suspenso de chagas, experimenta a mais intensa dor. Reina desordem no Calvário: gritos, ameaças, soluços, maldições cruzam-se como setas em torno daquele semblante.

Foi então que daquela boca contraída escapou este grito: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem”.

São os últimos traços do semblante do Senhor que se perfazem. Assim como, no momento de entregar o seu quadro, o pintor se concentra e, nos derradeiros toques do pincel, faz passar o resto e o supremo do seu ideal, assim também a Bondade divina termina a Sua obra difundindo-se em tintas mais profundas sobre todo o semblante do Cristo.

Pai, perdoai-lhes!” É uma prece, é um ato de humildade também: o Filho que tudo pode suplica ao Pai que perdoe; em verdade, não podia Ele próprio perdoar? É, ademais, uma doçura que desculpa, que atenua, que procura o que há de bom e de menos mau nos culpados, para justificar o perdão: porque importa que esse perdão seja justificado, tanto a delicada bondade de Deus receia magoar poupando e humilhar absolvendo.

Eles não sabem o que fazem”. Como haveriam de sabê-lo, aqueles homens habituados àquela tarefa? Era acaso o seu primeiro crucificado? Será o último?

Nada deve parecer mais indiferente do que o algoz. Ele mata indistintamente, como outros compram, vendem, edificam e traficam; aquilo se torna uma função da sua existência. Acaba ele, pois, por matar com insensibilidade.

Assim faziam os algozes de Jesus: batendo a golpes redobrados naquelas mãos que se crispam, naqueles pés que se retraem de dor, eles pensam nos proventos que vão tirar da sua rude tarefa, têm o olho no rosto no vaso de vinho que lhes pagará o suor, e no monte das vestes da vítima que eles vão repetir entre si. É preciso dizer todas as coisas como devem ter-se passado.

Meu pai, Vós bem o vedes, eles não sabem o que fazem”.

Os próprios sacerdotes, os anciãos e todo o povo que moteja também ignoram, não sabem. São Paulo (I Cor 2,8) di-lo-á mais tarde: se eles tivessem conhecido que aquele era o Deus de glória, nunca O teriam crucificado. Mas não conheceram, crucificaram-nO mesmo por se haver Ele dito o Messias: logo, é que Ele não o era mesmo.

Matando-O, pretendem eles, ao contrário, render preito à verdade, restabelecer tudo na ordem, confundir a impostura e salvar o povo de perigosa credulidade: “Pai, perdoai-lhes a todos, verdadeiramente eles não sabem o que fazem”.

Nem tampouco aqueles soldados sabem o que fazem, aqueles que, sentados aos pés dos três patíbulos, esperam pelo fim, calejados que estão de convulsões de supliciados e dos estertores daquelas cruéis agonias. – “A eles também, Pai, dignai-Vos de perdoar, porque são ignorantes e não conhecem”. Assim aquela voz do alto, qual orvalho que se esparzisse em derredor, lança sobre todas aquelas almas rancorosas ou indiferentes a doçura e o frescor do perdão.

Esta palavra já nos mostra as culminâncias do Cristo. É a superioridade da bondade. No declínio da sua vida humana, quando Ele sente tudo ceder em torno de Si, a Sua bondade sobe ao ápice como um sol que dardeja ainda sobre ruínas, e o Seu primeiro raio de luz é um perdão universal.

A humanidade, que ficou sendo a mesma, tem sempre necessidade desse perdão. Elevemos, pois, os olhos para essa radiação da bondade indulgente que forma a última e sublime expressão do semblante de Cristo.

Perdoar: poucas palavras há que sejam a um tempo mais perturbadoras e mais consoladoras para o coração do homem.

Perdoar: parece que poucos atos nos sejam tão difíceis, tanto nos custa, decaídos como somos, sermos bons. Aos olhos do mundo, quem perdia facilmente é um fraco: a honra interessa-lhe pouco, nada de grande há que esperar dele.

Em compensação, quem não perdoa sabe fazer-se respeitar, temem-no: é a fórmula do poder pagão: oderint dum metuant, que me odeiem pouco me importa, contanto que me temam. Bem o sabia Jesus Cristo, e foi por isto que Ele quis que a Sua primeira palavra de crucificado fosse uma expressão de perdão.

Nós não perdoamos facilmente porque, no fundo, nos custa compreender que entre homens do mesmo sangue, irmãos pelo destino, unidos pelos mesmos instintos, possa haver essa cruel desunião que se chama o ódio: ao menos é uma homenagem prestada à fraternidade do gênero humano.

E tão verdade é isto, que, quanto mais próximos somos pela família, pelas afinidades e pelo sangue, tanto mais difícil se torna o perdão. Que de mais áspero, às vezes, nos seus rancores do que dois irmãos que sugaram o mesmo leite, amaram a mesma mãe, e cujas vidas se haviam entrelaçado como os ramos de uma virente e mesma vida?  Abismo insondável do coração humano.

Não perdoamos, ainda, facilmente, porque não motivamos os nossos perdões. Cumpre, entretanto, procurar a circunstância atenuante: creiamos que ela lá está. Bem a descobriu Jesus que o crucificavam. Está nisto todo o trabalho divino da caridade. O homem é melhor, no fundo, do que parece; há poucas almas, por mais perversas que sejam, que não tenham ocultas algumas fibras sensíveis. É até estas que deve descer a caridade: é mister ir buscar o verdadeiro homem muito ao fundo, para aí o amar.

Mas, para podermos executar essa obra laboriosa, temos primeiramente que nos elevar e dizer: Pater, pai! Só então saberemos abaixar-nos para dizer: Irmão. Assim também, à medida que nos formos alteando, iremos vendo os óbices à união minguarem, e aquilo que nos pareciam montanhas perder-se aos poucos e confundir-se na linha da planície. Quais os que, no fim da sua vida, não enxergam haverem, muitas vezes, exagerado o seu ódio ou o seu amor?

Era meditando ao pé daquela Cruz, era recolhendo essa suave palavra, que os santos sentiam a alma se lhes fundir de indulgência. Um coração bom é um coração para o qual Deus é bom: mas Ele o reconhece, e então dá daquilo que recebe.

O último raio de luz da santidade é a bondade, a que dá e, sobretudo a que perdoa. Nunca quando imita essa divina prerrogativa, e é por isto que o perdão das injúrias opera às vezes tão depressa a transfiguração e adapta tão bem o semblante da criatura ao do Criador, que a semelhança é completa. Ora, não há serem salvos senão os que forem achados parecidos com Jesus Cristo, e com Jesus Cristo crucificado.

Oh! quando Ele inclinar sobre o nosso leito de morte a cabeça lânguida e coroada de espinhos, e quando murmurar com os lábios frios: - Pai, perdoai-lhe!... apressemo-nos a inclinar-nos sobre a nossa própria vida, antes que ela finde, sondemos, esmerilhemos o nosso passado, para descobrir nele algo que tenhamos a perdoar.

Felizes nós se pudermos achá-lo, para que possamos com segurança murmurar por nossa vez: - Assim como eu perdoei, meu Deus, dignai-Vos de perdoar-me!

Se nada encontrarmos, formulemos mesmo assim esse desejo de suprema indulgência, esse desejo de tudo atenuarmos, de sermos bom, supinamente bom no nosso declínio, a fim de entrarmos, da outra banda, na aurora eterna com o verdadeiro semblante que perdoou.

Quando, no cimo do Calvário que começa a escurecer ligeiramente, caía essa palavra sublime, era um pouco depois da sexta hora. Bem diversamente impressionou ela quantos a ouviram.

Maria foi a primeira a distingui-la; ainda quando fora só um respiro, o Seu ouvido de Mãe, que estava como que colado à boca do Filho, tê-lo-ia recolhido. Mesmo compreendendo aquela sublime generosidade... – ela era nossa Mãe, Jesus vai proclamá-lo dentro em pouco, - Ela não se sentiu menos dolorosamente comovida... pensando nesse perdão divino lançado naquele cimo árido sobre tantos corações mais áridos ainda, e nesse apelo de amor que, com a continuação dos tempos, devia repetir-se, tantas vezes ressoar inútil e sem resposta.

Também Madalena deve ter ficado surpreendida: mas, depois de baixar os olhos sobre si mesma e de rever todo o seu passado, compreendeu, exultou de compreender... e que ósculo de gratidão não devia ela imprimir naqueles pés sangrentos enquanto se elevava a sublime prece, eco do seu próprio perdão: - Pai perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem!...

João, as santas mulheres ficaram suspensos: aquilo era demais. Os soldados também não compreenderam; nunca semelhante palavra vagara nos lábios das suas vítimas comuns. Os Judeus e os fariseus, se a ouviram, aumentaram com ela os seus risos zombeteiros e os seus sarcasmos vergonhosos.

Só um homem, que blasfemava ao lado mesmo do Cristo que perdoava, foi ferido como que por um golpe certeiro, irresistível e vencedor.

Calou-se subitamente, olhou estupefato para aquele ente singular: era um dos ladrões.

(A Subida do Calvário, pelo Pe. Luís Perroy, S.J.; Editora Vozes, III Edição, 1957. Continua com o post: Segunda palavra: O bom ladrão.)

terça-feira, 10 de maio de 2011

O Coração de Maria e os Novíssimos

O Coração de Maria e os Novíssimos

           
A mensagem de Fátima manifesta o que chamamos os “novíssimos” do homem. A morte, por exemplo, se mostra como um fato inevitável, e as preocupações em torno a esta realidade adquiriam então uma gravidade especial em razão da guerra que causava tantas mortes: “Jacinta, em que pensas? E não poucas vezes respondia: “Nessa guerra que deve vir, em tanta gente que vai morrer e ir ao inferno. Que pena! Se deixassem de ofender a Deus não viria a guerra nem iriam ao inferno”.
           
O dogma do Purgatório nos é apresentado também de uma forma tremenda, no caso de uma tal Amélia: “Então me lembrei de perguntar por duas moças que tinham morrido fazia pouco tempo. Eram minhas amigas e iam à minha casa para aprender a ser
tecelãs com a minha irmã maior:

- A Maria das Neves já está no Céu?
- Sim, está. (Parece-me que devia ter uns 17 anos)
- E a Amélia? 33
- Estará no Purgatório até o fim do mundo. (Parece-me que devia
ter de 18 a 20 anos)”.
           
Mas se a morte e o Purgatório aparecem desta maneira tão viva nos relatos de Fátima, sem dúvida é o dogma do Inferno o que ocupa um lugar importante, especialmente nas experiências místicas dos videntes, e ainda de um modo mais impressionante na sensível alma de Jacinta: “Nossa Senhora nos mostrou como que um mar de fogo. Mergulhados nesse fogo, os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao  cair das fagulhas nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero, que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa”.
           
As crianças tinham já recebido um primeiro ensino de Lúcia. Jacinta lhe pergunta: o que é o inferno? E Lúcia responde como pode: “- É uma cova de bichos e uma fogueira muito grande (assim me explicava minha mãe) e vai para lá quem faz pecados e não se confessa e fica lá sempre a arder.

- E nunca mais sai de lá?
- Não.
- E depois de muitos anos, muitos anos?!
- Não; o inferno nunca acaba. E o Céu também não. Quem vai para o Céu nunca mais de lá sai. E quem vai pra o inferno também não.
- Não vês que são eternos, que nunca acabam?
           
Fizemos, então, pela primeira vez, a meditação do inferno e da eternidade”.
          
Lúcia se perguntava: “Como é que Jacinta, tão pequena, se deixou possuir e chegou a compreender um espírito tão grande de mortificação e de penitência?” E achava a resposta assim: “Parece-me que foi, primeiro, por uma graça especial que Deus quis lhe conceder por meio do Imaculado Coração de Maria. Segundo, pondo seu olhar no inferno e na desgraça das almas que caem ali. Algumas pessoas, mesmo as piedosas, não querem falar às crianças sobre o inferno para não as assustar. Deus, no entanto, não duvidou em mostrá-lo a três crianças, e uma de apenas seis anos, ainda sabendo que se tinha de horrorizar tanto que quase ia morrer de susto”.
          
Mas não só o inferno: o Céu entra também na mensagem de Fátima com a alegria de uns simples e inocentes pedidos infantis. Nossa Senhora responde a Lúcia que lhe pergunta de onde vem: “Sou do Céu”. E já na primeira aparição a Virgem Maria promete o Céu aos seus pequenos interlocutores, depois das perguntas interessadas, mas simples, de Lúcia:

“- E eu também vou para o Céu?
- Sim, vais.
- E a Jacinta?
- Também.
- E o Francisco?
- Também, mas tem que rezar muitos Terços”.
           
Nas últimas despedidas entre Lúcia e seus primos se estabelece um emotivo diálogo: “Chegou, por fim, o dia de partir para Lisboa. A despedida cortava o coração. Permaneceu muito tempo abraçada ao meu pescoço e dizia, chorando: - Nunca mais nos tornaremos a ver! Reza muito por mim, até que eu vá para o Céu”. Francisco diz com toda a naturalidade: “vou para o Céu”. O mesmo dizia Jacinta: “Eu vou para o Céu”. E, apesar desta certeza da salvação, as crianças continuam a sua vida de fé e de esperança como se não tivessem recebido uma graça tão grande. Deste modo até parecia que o Céu estava ao alcance das mãos: as recomendações para o Céu eram feitas como se tratasse de uma região conhecida, onde moram familiares nossos: “Saudações a Nosso Senhor e a Nossa Senhora; e dizei-lhes que sofro tudo o que queiram pela conversão dos pecadores e em reparação do Coração Imaculado de Maria”.

(Retirado do blogue: Escravas de Maria)