segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Honra e reputação


Honra e reputação
Ó Deus da verdade! fazei-me um só conVosco em caridade perpétua!

O Decálogo providenciou as relações do homem em sociedade, porque Deus fez do homem um ser social. Ora, poucas coisas contribuem tanto para a vida social como a palavra. Não foi sem razão que Deus a concedeu exclusivamente ao homem. Mas, para realizar a sua finalidade, é necessário que a palavra corresponda à verdade. É isto o que estabelece o 8º Mandamento.

Falar a verdade

1 – Deus mesmo é a verdade – “a verdade eterna e infalível”. Seu Filho disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo. 14,6). E Ele exige que falemos a verdade: “Seja o vosso falar: sim, sim: não, não; porque todo o que passa daí procede do mal” (Mt. 5,37).

2 – Só isto é, realmente, conforme à natureza. A inteligência foi feita para conhecer a verdade. A palavra nos foi dada para dizermos a verdade. As relações sociais exigem que se fale a verdade, ou, do contrário, a vida se tornará insuportável, como é fácil de ver dos frutos que produz a sinceridade ou a falsidade entre os homens.

Mentira

- Mentir é falar contra o que se pensa, com intenção de enganar.
- A mentira pode ser:
a) danosa - se prejudica ao próximo. Assim a mentira da mulher de Putifar contra José (Gn. 39,14-17), a de Aman contra Mardoqueu (Est. 3).

b) oficiosa – quando dita em utilidade própria ou alheia.

Assim mentiu Sara, com medo de ser castigada (Gn. 18, 10-15); mentiu São Pedro, com medo, negando a Jesus (Mt. 26,70).

c) jocosa – dita por brincadeira.

- A mentira danosa é grave, se o prejuízo causado é grave.
- A mentira jocosa, embora em si seja pecado, pode-se dizer que praticamente não o seja, por ter apenas a intenção de divertir.
- A Bíblia está cheia dos castigos aos mentirosos, mostrando como o Senhor os detesta. (Prov. 6,19). A mentira de Ananias e Safira foi punida com a morte (At. 5,1-10). A razão é que a mentira vem do demônio, a quem Jesus chama “o pai da mentira” (Jo. 8,44).
- A mentira mais grave se torna quando dita em juízo, concorrendo para a condenação de um inocente. Neste caso, viola ao mesmo tempo a verdade, a justiça ao indivíduo e à sociedade e a religião, se houve juramento. Falsas testemunhas acusam a Jesus (Mt. 26,59-62; Lc. 23,1-1) e Santo Estevão (At. 6,11-15).

Ocultar a verdade

1 – Há certas circunstâncias em que somos obrigados a calar a verdade: para guardar um segredo, evitar a detração, não causar danos, por discrição, etc.

2 – Nestas circunstâncias é que se permite a chamada restrição mental, em que as palavras significam mais o que temos em mente, do que o sentido natural. São frases de duplo sentido, ditas para que o ouvinte se engane.

3 – Para ser lícita a restrição mental, é necessário que o verdadeiro sentido seja perceptível, que a pessoa que interroga não tenha direito de perguntar (não se pode usar a restrição mental com os pais, superiores, juízes), e que se tenha um motivo sério para não responder claramente (evitar aborrecimentos, não facilitar indiscrições, cercear um mexeriqueiro).

Ai de vós...

1 – A hipocrisia é uma espécie de mentira, em que o sujeito disfarça os seus defeitos e intenções, querendo parecer o que não é.
Herodes finge querer adorar o Menino Jesus, quando queria matá-Lo (Mt. 2,8-12); Judas beija a Jesus para entregá-Lo (Mt. 26,47-50); os fariseus dizem que não querem outro rei senão César (Jo. 10,15). Ver o capítulo 23 de São Mateus.

2 – A bajulação é uma espécie de mentira em que se engana o próximo, elogiando-o, umas vezes lisonjeando qualidades reais, outras atribuindo-lhes qualidades que não tem, outras ainda chamando de qualidades aos vícios. Pelas conseqüências desastrosas a que conduz, pode ser até pecado grave, e mesmo mais grave que a mera hipocrisia.

Direito à honra

1 – Todos os homens devem prezar a sua própria dignidade, e respeitar a do próximo.

2 – Desonrado, sem a estima e a confiança de seus semelhantes, o homem se veria em graves dificuldades na vida. Por isto diz o Espírito Santo que “é melhor um bom nome do que muitas riquezas” (Prov. 22,1).

3 – É preciso que o nosso bom nome corresponda à realidade. Não basta parecer, mas deve o homem ser realmente honesto, cumpridor do dever, fiel aos compromissos, zelando assim pela sua reputação.

Pecados contra a honra

1 – Podemos violar a reputação do próximo:

- Perante nós mesmos – pelo juízo temerário e pela suspeita;
- Perante os outros – pela detração, pela calúnia e pela injúria.

2 – O juízo temerário consiste em fazer mau juízo do próximo, sem razão suficiente. É mais grave do que a suspeita que apenas inclina a pensar mal do próximo, também sem razão suficiente.
Não constitui juízo temerário acautelar-se contra desconhecidos, vigiar e fiscalizar súditos, julgar baseado, em motivos sólidos embora errados. Neste último caso, houve um juízo errôneo, mas não temerário.

3 – A detração consiste em comunicar a outrem faltas reais do próximo, sem razão suficiente. Causando grave dano moral ou material, é pecado mortal. A detração é mais grave do que o furto.

A detração pode ser:
a) direta – quando se manifesta uma falta oculta, ou se dá interpretação perversa a uma boa obra.
b) indireta – quando se negam ou diminuem as boas qualidades do próximo; se deixa de louvar a um, louvando a outros; ou não se louva devidamente.

4Calúnia é quando se atribui a alguém um mal que ele não fez. É pecado mais grave do que a simples maledicência, porque, além de violar a justiça, viola também a verdade.

5 – Chama-se, contumélia ou injúria a ofensa feita ao próximo, na sua presença e com seu conhecimento.
Ao contrário do que se pensa (que a presença diminui a gravidade), é mais grave do que a detração: “Quem disser a seu irmão: raca, é réu, do conselho; quem porém disser: fátuo, é réu da geena”. (Mt. 5,22)

6 – Por cooperação pecam também os que induzem à detração, gostam de ouvi-la, ou não a impedem, quando podem ou devem impedi-la.

7 – Havendo razão suficiente, a revelação de um crime oculto pode se tornar mesmo obrigatória, ainda com prejuízo do bom nome do próximo.
São causas justas que permitem ou impõem a revelação de uma falta alheia:

a) utilidade do delinqüente: José comunica a Jacó a má conduta dos irmãos (Gn. 37,2), inspirado pela caridade fraterna;
b) utilidade do próprio revelante; pedir um conselho, salvaguardar seu bem espiritual ou temporal, como Éster denunciando Aman (Est. 7,6);
c) utilidade pública, quando pela revelação do crime se podem impedir males ao Estado, à Religião e à sociedade;
d) notável utilidade mesmo privada: para livrar a alguém dos males que lhe aconteceriam, se não o avisássemos.

Restituição da fama

1 – Aquele que difama o próximo está obrigado a restituir-lhe o bom nome e a compensar os danos provenientes da difamação.

2 – O caluniador está obrigado a retratar-se mesmo com prejuízo da sua própria fama, porque a condição do inocente deve ser preferida ao bom nome do criminoso.

3 – Quem detratou revelando crime verdadeiro não pode retratar-se, porque isto seria mentir: mas usará de outros meios dizendo que errou, que falou levianamente, etc., ou mesmo, data a oportunidade, louvando e desculpando a pessoa difamada, -- o que, às vezes, é mais eficaz.

4 – O difamador está obrigada à reparação, sob grave ou leve obrigação, conforme o dano. Se o dano é grave, ele só pode receber a absolvição se fez a reparação.
Segredo

1 – Segredo é uma coisa oculta que não deve ser dada a conhecer. Subjetivamente é a obrigação de não manifestar uma coisa oculta que se conhece.

2 – O segredo pode ser:
a) natural, quando por sua natureza não se pode revelar sem prejuízo para o próximo: obriga gravemente, em matéria grave.
b) prometido quando se promete guardar sigilo de alguma coisa, depois de tê-la sabido ou visto: obriga por fidelidade.
c) confiado, se só foi comunicado mediante a promessa de guardá-lo: obriga sob grave, por justiça, por causa da obrigação aceita de guardá-lo.
O segredo profissional é um segredo confiado ainda mais rigoroso, e só pode ser revelado por gravíssimo motivo.

3 – Causas da revelação de um segredo;
a) o consentimento da pessoa interessada na guarda do sigilo;
b) a divulgação feita por outrem;
c) o dano que a guarda do segredo causará ao próximo;
d) o interrogatório feito pelo juiz.

Para viver a doutrina

1 – Uma das mais lindas qualidades de um homem é o seu amor à verdade. O homem que fala sempre a verdade merece fé. Todos o respeitam. Nem para prejudicar a outrem, nem para nos colocar bem ou para defender o próximo devemos mentir. Cultivemos o amor à verdade.

2 – Ao contrário, poucas coisas tão desprezíveis como o mentiroso. Os romanos, que eram pagãos, marcavam-no com ferro em brasa. Mas não precisa; ele mesmo se marca, e todos o conhecem. E ridicularizam. Facilmente apanhado, cai no descrédito geral. A mentira, por pequena que seja, desacredita quem a profere. Tomemos a sério o amor à verdade, e não mintamos nunca, seja por que for.

3 – Algumas pessoas, principalmente jovens, são dadas a exagerar. Por vários motivos: por vaidade, para se mostrar, para não ficar aquém, para dar mais importância ao que dizem, por excesso de imaginação, por mania de grandeza, etc. O que se chama exagero, em linguagem clara é mentira, naquilo que ultrapassa a realidade. Dominar-se, pois. Aliás, com esses exageros só se consegue o contrário do que se pretende.

4 – Falar a verdade não é dizer tudo que se sabe. A discrição é uma grande virtude. “Não pode falar com acerto quem, de boa mente, não sabe calar”. (Imitação. Ver todo o cap. XX do livro I). Quem muito fala, muito erra – diz o provérbio.

5 – Vício detestável é a bajulação. O justo louvor é, muitas vezes, um estímulo para o bem. Mas o louvor excessivo é sempre prejudicial. Nem se deve louvar muitas vezes, nem além das medidas.

Os aduladores são os piores inimigos, porque ferem louvando. Devemos fugir, por igual, de bajular – porque é uma indignidade – e de ser bajulados – o que nos pode levar à perdição.

6 – Respeitemos sempre a honra e o bom nome do próximo. Há pessoas de uma incrível facilidade a este respeito. Tenhamos cuidado. O melhor é nunca dizer mal de ninguém. Mesmo quando as faltas forem evidentes. Não somos juizes de nossos irmãos. Nem adiantamos nada, dizendo mal; antes agravamos as situações.

7 – Isto não basta. Procuremos julgar e dizer sempre bem do próximo. Toda a gente tem sempre o que elogiar. Quando olharmos para outrem, seja antes procurando o bem que o mal. Quando maledicentes frisarem o mal, apresentemos o bem. Com isto, escaparemos ao pecado e contribuiremos para a correção alheia.

(Pe. Álvaro Negromonte – O caminho da vida)