quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Os olhares de Jesus



Os olhares de Jesus

O olhar é o espelho fiel em que a alma vem refletir-se e mostrar-se inteira. Ele ilumina as feições do homem; é para o rosto o que o sol é para o firmamento... Um provérbio árabe diz: "Os olhos falam mais forte do que a boca", lê-se neles tudo o que os lábios não podem ou não querem revelar.

Há o olhar da criança com a sua expressão de candura e de limpidez cristalina - há o olhar da virgem, tão puro, tão doce; sente-se que ela ainda tem em si algo do anjo - há o olhar do jovem que vai direto diante dele, procurando varar os véus do futuro - há o olhar do homem qu revela ou a decisão do trabalhador, ou a flama interna do sábio, ou o ardor concentrado e o dinamismo potente do soldado - há, enfim, o olhar do velho, cheio de melancolia, e que fita o sol, como se quisesse decobrir nele o local do seu túmulo...

Mas quem poderá jamais dizer a beleza do olhar de Jesus, a sua profundeza, a sua doçura e a sua bondade, como também esse algo de único, de desconhecido na terra, que fascinava as multidões e as arrastava após Ele ao deserto?

... Ah! os olhares de Jesus, que pareciam alcançar muito além das coisas, e vos penetravam como os raios de um sol insustentável! Ora, o Evangelho assinala-nos alguns desses olhares divinos pousados sobre criaturas. Estudemo-los.

Olhar sobre Santa Madalena

... Conhece-se a história dela; era "a pecadora da cidade". Conta uma lenda que uma noite, quando na sacada da sua vivenda de Magdala ela acompanhava os seus aduladores, viu passar um grupo de homens e perguntou quem eram.

É Jesus de Nazaré, responderam-lhe. Logo, com o rosto alumiado pela lâmpada que trazia na mão, ela tentou sondar a noite que a lua iluminava um pouco. Subitamente, sentiu o olhar de Cristo pousar lentamente no seu... Logo, quase desfalecente, exclamou apontando para o coração: "Ele me tocou aqui"!

No dia seguinte, estava ela em casa do Fariseu onde Jesus fora convidade: Sigamo-la.

Ela entra na sala do festim, ouve os sarcasmos dos criados, e sente pesar sobre si os olhares furiosos dos "puros"; porém nada a detém. Jesus lá está. Ela Lhe cai aos pés, rega-os com suas lágrimas e enxuga-os com seus magnifícos cabelos desatados.

É só. Mas que cena! e, na sala, que silêncio! Aguarda-se a sentença de Jesus. Que vai dizer Ele? Que vai fazer? Pois Ele não pode deixar de saber que é uma alma manchada que Lhe rasteja aos pés...

Depois de admoestar o Fariseu, Jesus diz a Madalena estas simples palavras: "Mulher, teus pecados te são perdoados". Há dessas emoções que podem fazer morrer!

Louca de alegria porque segura do perdão, Madalena volta para casa purificada. Jesus lhe aparecerá, a ela, em primeiro. Mas tarde, a Igreja, colocá-la-á antes das Virgens que ela invoca nas suas ladaínhas dos Santos.

E isto nos mostra que o Amor apaga os pecados e restitui admiravelmente a pureza perdida. Mas para isso precisamos lembrar-nos da bela lição do Mestre: "Muitos pecados lhe são perdoados, porque ela muito amou!" Quando o amor verdadeiro se apossa de um coração generoso, ilumina e abrasa tudo, à maneira de um fogo que pega nos sarçais...

Olhar de Jesus sobre os Apóstolos

Estamos nas margens do lago de Tiberíades, alguns pobres pescadores, mal vestidos, exaustos pela pesca noturna, consertam suas redes. Estafados, não falam. Eis, porém, que se encaminha para eles um Ente que, de longe, parece querer chamá-los, conquistá-los.

Escapa-se Dele como que uma luz, e o Seu olhar, que começa a fitá-los, perturba-os até o fundo da alma; é que o olhar d'Ele não é como os outros. Há olhos de uma claridade tal, que descem ao fundo das almas como sol matinal na claridade trêmula da aurora.

Parando junto deles, naquela bela e clara manhã, Jesus, com aquela voz que não se parece com nenhuma outra voz, contenta-Se com lhes dizer: "Vinde; segui-me! Farei de vós pescadores de homens!"

Teriam então os Apóstolos compreendido bem o que Jesus lhes propunha?
Podiam adivinhar a formidável, sangrenta, mas tão gloriosa "aventura" em que Ele os queria lançar?
Vagamente, talvez.

... Quem quer que sejamos, saibamos bem que o olhar de Jesus, esse olhar que fascina e que salva, esse olhar divino que escolhe Seus Apóstolos, mais dia menos dia poderá ainda pousar sobre nós! Esse Salvador "à espreita" das almas que se perdem, procurará sempre operários para enviá-los à grande messe.

Ele nos vê, como aos pecadores do lago, ocupados nas nossas tarefazinhas de um dia, na nossa vidinha banal e egoísta talvez. Olha-nos. Tem pena. Não diz nada, pois nos conhece de cor e salteado. Sabe o que Ele poderia fazer de nós se, uma vez por todas, tivéssemos a coragem de deixar tudo, de segui-Lo através de tudo e de deixá-Lo fazer...

E, no silêncio, no fundo da alma, em breve uma voz faz-se ouvir, doce a princípio, depois forte, fortíssima, imperiosa. E essa voz nos diz: Há grande lástima no reino das almas! - Há almas que rondam em torno da verdade e que não a conhecem!

"Os pequenos pediram pão, e não se achou ninguém para lhes dar!"
É o convite, é o chamado.

Desde então, o drama principia. Tem-se "o êxtase e o terror de ser escolhido"...há muitos em que o terror sobreleva. E Jesus, triste, se vai! Quanto aos que viraram a cabeça e deixaram partir o Divino Caçador, esses poderão, mais tarde, repetir esta queixa dolorosa de Legouvé moribundo:

"Eu poderia ter sido uma grande alma; e nunca passei de um bom homem!"

... Ó Jesus abrasai, pois, o meu coração de uma amor às almas, louco irresistível. Mostrai-me que sou um "delegado à luz" junto a elas; e que é culpa nossa, de nós católicos pretensamente bem pensantes, se tantas almas se perdem! Lembrai-me que somos responsáveis por tudo, visto que, tendo a luz redentora em nossos pobres corações de homens, guardamos ciosamente o facho, sem passá-lo aos nossos irmãos que continuam a tatear dolorosamente na noite.

Dai-nos de sermos "o homem de ferro", aquele que sabe onde vai, que sabe o que faz, e que deve arrastar após si os pobres cegos, os sofredores, os arruinados que ele encontra pelo caminho. Enfim, ponde em nós a dor das almas, o mal-estar do zelo, e, arrancando-nos às nossas futilidades, aos nossos egoísmos, lançai-nos na estrada real que conduz a Vós e que leva ao Céu! Amém.

(Excertos do livro: Mais perto de Ti,  meu Cristo! - Pe. José Baeteman)