quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O MISTÉRIO DA CRUZ

O MISTÉRIO DA CRUZ


Redenção, palavra forte, cujo sentido muitos ignoram!

Há vinte séculos é tão difícil medir-lhe a extensão, quanto sondar-lhe a profundidade. Há um mistério de luz, nas trevas do Calvário. Há um resgate de vida, por trinta moedas de Sangue...

Condenamos a traição de Judas, mas, traímos a vocação cristã.

Maldizemos a fraqueza de Pilatos, mas, fugimos aos compromissos do Batismo.

Quantas vezes, na vida diária, a descrença macula as intenções e o desespero arruína a esperança. Somos filhos de Deus pela Graça, mas, seguimos a carne pelo sangue.

Ouvimos o apelo dos Céus, mas, voltamos os olhos para a terra.

No entanto, Senhor, a Mensagem é a mesma: "Se alguém quiser Me seguir, tome a sua cruz e Me acompanhe"!

Meu Deus, uns conhecem a cruz e rejeitam o seu peso, outros suportam o peso, mas, não querem carregar a cruz. Uns arrastam a cruz porque não podem fugir do Calvário; outros chegam ao Calvário, mas, se negam a morrer na cruz.

A cruz para ser árvore de vida há de ser plantada na morte. A seiva que lhe esgarça os ramos, só dá frutos quando nela morremos.

A cruz é qual sementinha do campo, que morre na terra para rebentar com vida. Senhor, pela redenção, nos legaste a Vossa Cruz! Os lábios que pregam essa "loucura", exprimirão o que a Fé nos ensina. A alma que sente esta Verdade, deve saber por que o mundo sofre.

Senhor, não é doce o tufão, quando varre as areias do deserto.

Não é doce o calor, quando mata a virulência dos gérmens.
Não é doce o bisturi, quando rasga a podridão da matéria.
Não é doce uma cruz, quando estamos pregados nela.

A cruz só é leve na vida, quando aceitamos o seu peso de morte.

Daí, a renúncia que se faz entrega e o amor que gera o sacrifício.
Daí, o heroísmo que sagra os fortes e a vitória que consagra os Santos.

Somos, por natureza, esquivos ao sofrimento.
Tudo o que nos rouba a fonte do prazer é espinho dorido macerando a nossa carne.

Há, na cruz, um plano da Providência que jamais se esgota.

A cruz não se pesa pela soma de sofrimentos, mas, pela unção paciente das dores. Uma cruz pequenina pode ser mais custosa que um madeiro imenso. Uma cruz gigantesca pode ser mais leve que um bloco de granito.

Aceitar, com paciência, a cruz, é diminuir-lhe o peso. Fugir ao seu domínio, é ser esmagado por ela. Na ordem do Cristianismo, em matéria de cruz, tudo depende dos ombros que se curvam e dos braços que a carregam.

Senhor, quem decifrará o mistério da dor?

As almas feridas são extremamente sensíveis; buscam o alívio das dores e escondem a cicatriz das chagas; suplicam a doçura do bálsamo e se esquecem do amor de gratidão.

O mundo sofre porque não sabe viver.
O mundo morre porque não sabe sofrer.

Senhor, dá-nos a conhecer o valor do sofrimento para aproveitarmos dos méritos de Vossa Paixão.

(Vozes do silêncio, meditações eucarísticas, pelo Pe. Isnard da Gama, gráfica Nibo LTDA, 1956, com imprimatur)

Fotos de Santa Bernadette

SANTA BERNADETTE 

(Textos retirados do livro: A humilde Santa Bernadette, Colette Yver,
Edições Paulinas, 1956)

Quando se deu a notícia de que já não tinha mãe, a dor execeu a sua resistência física, e desmaiou.
A volta aos sentidos continuou no pranto. Todavia a dor tomou imediatamente a forma suave e resignada de sua própria alma, pois as primeiras palavras ao recobrar a consciência foram:
"Meu Deus, Vós o quisestes. Eu aceito o cálice que me apresentais.
Bendito seja o Vosso nome!"
(Anúncio do falecimento de sua mãe)

"Como a terra se assemelha ao ceú"!
apreciava tristemente Bernadette,
quando lhe perguntavam se a imagem se parecia com Maria.

- Por que beijáveis a terra sem cessar?
É muito esquisito que a SSma. Virgem vos tenha pedido essas coisas sem alguma razão...
- Oh! senhor Padre! e a conversão dos pecadores!


"Sua fisionomia sobrenatural, seu olhar celeste deixaram em meu coração uma impressão profunda"
"Jamais me aproximei dela sem me sentir mais perto de Nosso Senhor"
(Noviças do convento)

"Tenho mais pressa do que nunca de deixar o mundo.
Agora estou completamente decidida,
pretendo partir dentro em pouco"

"Bernadette se nos apresentou com grande modéstia,
e entretanto com segurança notável. Mostrou-se serena, sem acanhamento no meio daquela numerosa assembléia, em presença de eclesiásticos respeitáveis que nunca tinha visto".
(Comissão eclesiástica de inquérito, 17 de Novembro)

- Eu tinha vontade de ver Bernadette! -
- Pois bem, aqui está ela - disse a Madre Josefina.
A postulante vira-se, repara na pobre e mirrada religiosinha,
e exclama: - Bernadette? é isso?
- Mas sim, Senhorita, exclama a Irmã Maria Bernarda, prorrompendo em riso, não passa disso".

"Oh! Coitadinho do meu Jesus!
Devia sentir muito frio no estábulo de Belém.
Eram pois sem coração aqueles habitantes para não Vos darem hospitalidade!"

"Sou mais feliz com meu crucifixo no leito
do que uma rainha em seu trono"

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Os sofrimentos Eucarísticos

OS SOFRIMENTOS EUCARÍSTICOS


(O Santíssimo Sacramento ou As obras e vias de Deus
pelo Pe. Frederick William Faber, tradução do inglês pelo
Dr. E.de Barros Pimentel.
Editora Vozes de Petrópolis
edição de 1929)

Os sofrimentos da Eucaristia são por si sós um mistério à parte. Assim como Nosso Senhor morreu no Santíssimo Sacramento, mas de uma morte mística, assim também Ele sofre, mas misteriosamente. É Deus vivo, o Senhor glorificado, mas sofredor. Os sofrimentos Eucarísticos são, ao mesmo tempo, alimento das almas que alcançaram a mais sublime santidade, e também o nutritivo leite para as crianças pequenas em Cristo; destes corações apenas purificados dos seus pecados e que de dia a dia vão mais e mais se purificando.

Os principais sofrimentos Eucarísticos são cinco. O primeiro é o desamparo, a que fica reduzida sua vida Sacramental. A magnitude e a imensa vastidão dos céus é o espaço necessitado para ser cheio pela grandeza da sua Humanidade glorificada. Liberdade, poder e alegria, Ele as possui mais do que qualquer outra pessoa ou coisa, salvo a onipotência do Altíssimo. Todas as criaturas recebem d’Ele socorro e nenhuma lh’O pode dar. Não há inteligência que se exercite, espírito que raciocine, pulso que palpite ou membro que se mova, sem que o conhecimento, o raciocínio, a pulsação e o movimento procedam d’Ele. Entretanto, viu-se jamais desamparo igual ao Seu, quando no Tabernáculo?

Houve jamais cativo encerrado em cela tão estreita como o âmbito do cibório? Houve jamais fraqueza tão completa? Os doentes nos leitos dos hospitais têm os movimentos mais desimpedidos do que este Rei da Glória, preso por amor nas malhas do Sacramento. É Ele prisioneiro nosso; temo-lO debaixo da chave e tiramo-lO toda a vez que nos apraz, a fim de mostrá-lO ao povo reunido, que assim se certifica da Sua Presença?

Ó meu Rei cativo! Que expressões poderei ter que sejam bastantes para significar a fraqueza a que voluntariamente Vos submetestes e a que Vos reduziu a autoridade sacerdotal; é exatamente como se Vós mesmos dissésseis: Ó Homem do pecado! Se não queres honrar-Me como Deus todo-poderoso, ao menos tem piedade de Mim como prisioneiro, desamparado e posto à tua mercê. De qualquer modo, custe-Me o que me custar, hei de forçar-te a Me amar. Sim, amável Senhor, terás o meu amor; e se não me é possível fazer mais, posso ao menos odiar a mim mesmo, por causa da minha pouca aflição, é que este ódio seja levado em conta de amor para conVosco.

O segundo dos sofrimentos Eucarísticos é a obediência contínua. Nosso Senhor não é somente prisioneiro; é também escravo. Essencialmente, Ele é Rei; Seu nome está escrito em Suas vestes e em Sua coxa, Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Seu ofício é comandar, Ele regozija-se da vastidão do Seu poder, assim como da imensidade do Seu domínio supremo. O império serve-Lhe para desenvolver toda a sua munificência e, por ação da Sua soberania, multiplicam-se-Lhe as ocasiões de mostrar a Sua misericórdia. Ele estende o Seu cetro por sobre toda a eternidade e por sobre milhões de mundos increados e por sobre inumeráveis criaturas que são criações Sua. Mas tanto quanto sabemos, a criação poderia estar ainda em começo; poderia ter começado pelos Anjos e por nós mesmos; e o espaço poderá ainda ser povoado de inúmeras criações.

Entretanto, não houve monarca que, ao abdicar, descesse do trono no meio das circunstâncias mais humilhantes do que Jesus Se cerca no Santíssimo Sacramento.

Dir-se-ia que Seu reino abrange todo o universo, exceto o coração livre dos homens e que estes poderiam esquivar-se ao Seu poder, se o quisessem. Mas este domínio sobre os corações livres é exatamente aquele que jamais agrada ao Seu próprio coração; desdenhosamente teria rejeitado tudo mais, para granjear somente este e neste intento servirá antes como escravo do que correr o risco de perdê-lo; e como Jacó serviu para ter Raquel, não será somente durante quatorze anos, mas até ao dia do Juízo Final que Ele servirá. Não há extremos de obediência a que Ele não Se submeta, quando a isso for ordenado. A voz de algum mau padre, as sarjetas de uma cidade de heréticos, o coração do pecador renitente, todas estas coisas são provanças, que servem somente a demonstrar a obediência e humildade do Divino e Onipotente Escravo.

E por que nós, os filhos dos homens, não haveremos de acorrer em rebanhos para coroarmos o nosso caro Salvador?

Por que não se nos levantam os corações para coroar o Rei descoroado, Aquele que Se despojou a Si mesmo do Seu brilhante diadema, afim de que, com as mãos trêmulas de regozijo, puséssemos as nossas mesquinhas coroas de amor sobre as longas madeixas que coroam aquela formosa fronte?

A esta vida desamparada e de contínua obediência há a acrescentar o sofrimento Eucarístico do Amor ultrajado. Este mesmo amor, pelo qual Ele Se dignou de Se tornar prisioneiro e escravo, foi-Lhe retirado pela crueldade e negligência das Suas criaturas, por abuso de vontade. Ele bem sabia que não poderia ser condignamente amado. Ele sabia que ninguém, a não ser Ele mesmo, o poderia amar merecidamente. Nem Sua Mãe, nem São Miguel mal podem voltar-Lhe o amor que Lhe seja proporcionado. Mas pelo menos os filhos dos homens poderiam afligir-se de não O amarem mais e mais, eles que O deveriam animar-se uns aos outros para oferecer-Lhe com abundante generosidade e mais ternura filial.

Todavia, há homens que ultrajam o Seu amor, blasfemando abertamente e negando a Sua presença. Uns ofendem-nO, abandonando-O e recusando aproximar-se-Lhe, quando Ele os chama. Outros vindo sem ser chamados e ultrajando-O com irreverência e sacrilégio.

Ah! E nós mesmos que fazemos, senão ultrajá-lO com o nosso descuido, nossa ingratidão, frieza, familiaridade e distrações voluntárias? Para um que ultraja a majestade do Santíssimo Sacramento, há cem que ultrajam o Seu amor. Porque o amor é Sua mais bela coroa, os homens fazem deste amor objeto especial de sua maleficência e injúrias. Ó meu Jesus, como é que podeis suportar os nossos pecados? Como é que tendes deixado de inteiramente recolher aos céus este mistério, e sufocado as vozes da missa e arrancado os véus dos Tabernáculos desertos?

Quando subíeis a encosta do Calvário para esgotar até às fezes o terrível cálice, previstes quão poucos seriam os que se lembrariam de que o Criador morrera por eles na Cruz. Mas poderíeis ter previsto, naquela noite de Quinta-feira, o mesquinho reconhecimento que os homens Vos prestariam por este abençoado Sacramento? Entretanto, como se qualquer farrapo do nosso amor devesse ser preciosíssimo aos Vossos olhos, consentistes em dar-Vos a nós neste santíssimo mistério! Oh! Quanto sois admirável! Quem há que possa sondar os abismos de Vosso amor? A Vossa paixão de ser amado excede a todo o alcance da nossa inteligência.

O quarto sofrimento Eucarístico consiste em Abjeção insultada. Por que veio Ele a nós em tão miraculosa exigüidade e com tal humilhação que nos espanta? Por que, neste misterioso Sacramento, a Sua sabedoria e o Seu poder se apresentaram com defeitos de humilhação, como se Ele próprio quisesse ir à beira do nada e nesse abismo desaparecer, para novamente ser criado e surgir de novo nada? Por que tem Ele cuidadosamente excluído da Sua pessoa toda a exterioridade que pudesse conciliar respeito e inspirar estima, e revestir-Se dos mais ignóbeis materiais que a terra pode dar? Por que toda essa abjeção, senão porque o amor me depara nisso mesmo todo o encanto? Entretanto, esta mesma vileza do Seu aspecto, a facilidade do Seu acesso, a barateza de Sua manutenção, tudo voltou-Se contra Ele; e aquilo que o amor considera razões de atração, a frieza fez ocasiões para ultraje.

Os homens repelem-nO por estes mesmos braços que Ele nos estende. Negam a Sua Presença Real ou deixam Seus altares ao abandono; e vêem no Santíssimo Sacramento antes conveniência sua do que condescendência d’Ele. Certo, à primeira vista e tendo somente os olhos do mundo, Ele é de todos os reis aquele que mostra menos realeza. Mas foi o Seu amor que assim o quis. E se nosso amor, fosse sensato e esclarecido, compreenderia que nunca se mostra tão maravilhoso como quando na abjeção e nem tão onipotente do que quando faz abaixar Sua majestade divina até ao pó da terra; e que não é nunca tão admiravelmente puro, do que quando os homens O têm debaixo de seus pés sem poder atingi-lO com sua lama.

Oh! Senhor, que será maior, nossa malícia ou Vosso amor?

Vós inventais artifícios de abjeção para granjear o nosso amor, inspirando-nos piedade, e nós convertemos cada um dos Vossos próprios artifícios em meios para ferir o Vosso Sagrado Coração! Mas Vós afadigareis a nossa maldade com os excessos de Vossa admirável paciência, e desarmareis a nossa insolência com a doçura da Vossa tolerância e o encanto da Vossa fidelidade.

Ó Majestade, a quem nada pode irritar!

Ó Potência que Vos despistes dos vossos raios, calcam-Vos aos pés e não Vos queixais; ferem-Vos, o Vosso sangue corre e não dais nenhum grito. Oh! como o Vosso silêncio fala eloqüentemente em Vosso favor ao coração dos homens!

Quantas conquistas tendes obtido pela só humilde e fecunda abjeção, pois procurais menos combater e domar o orgulho o homem, do que iludi-lo, surpreendê-lo e fazer disso razão para Vos amar, um motivo de Vos amar mais e mais.

O quinto sofrimento Eucarístico é a solidão em que O deixam, não O visitando senão raramente. A solidão há de pesar-Lhe imensamente, a Ele que nos Céus é sempre, de dia e de noite, acompanhado de inumerável e pomposo cortejo de um culto imaculado. Que profeta houve que tivesse predito que Deus haveria de vir, Deus, a sabedoria increada, e que Ele armaria a Sua tenda entre homens errantes e que estes se afastariam d’Ele, como de um leproso, verme e não homem? É como se Ele fosse um cordeiro abatido? e Ele o é.

Poderíamos ter imaginado que as mesmas inanimadas montanhas se teriam movido e teriam levantado e formado novas cordilheiras, agrupando-se em volta dos Seus tabernáculos. Poderíamos ter imaginado que as feras das florestas acorreriam domesticadas pela Sua presença e Lhe teriam pedido a bênção, como o faziam a Adão, nas sombras do paraíso. Isso, com maior razão poder-se-ia supor do coração dos homens. Quando a luz do céu desceu e iluminou a terra, certo seria justo que esta também se assemelhasse ao céu, fazendo do culto do Santíssimo Sacramento a ocupação, a profissão, a felicidade e o objeto de ambição de todo o homem. Temos que comer e beber e dormir porque assim Deus o quis, e temos também que ganhar para alimentar-nos e vestir-nos. E se não fosse assim, a Igreja seria a nossa morada habitual. Não teríamos necessidade de outra habitação. Demais não seriam somente algumas almas eleitas que socorreriam a Ele, mas sim todas aquelas pelas quais Ele morreu e todas as almas que existiram e poderão no futuro existir. Disse muito bem um filósofo francês: Deus ama cada homem, tanto quanto a raça humana inteira. O peso e o número nada são aos Seus olhos. Eterno e infinito, não tem amor que não seja imenso.

Entretanto, vede em que solidão o povo O deixa. Quando quiseram fazê-lO rei de Judá, Ele Se ocultou e Se esquivou ao povo. Agora, que Ele não lhes pede senão amor, os homens se Lhe esquivam e O abandonam. Quando Ele estava só no deserto, os animais ferozes se Lhe aproximavam e Lhe faziam companhia. Eles ficavam contentes de estarem com Ele, olhos fitos na beleza humana do Criador. Havia adoração no espanto deles e homenagem em estarem presentes. Mas que horrível solidão reina hoje em torno do Tabernáculo. O fruto da rica oliveira alimenta uma pequena estrela de luz no céu do Seu santuário, e durante quantas horas, dia e noite, e em quantos santuários, é esta a única honra prestada à Sua majestade!

Algumas vezes, Ele tem que renunciar a tal homenagem, pelo receio de que venham ladrões e d’Ele se apoderem, não, ah! por causa da Sua beleza, pois sacrílegos O atirariam no chão do templo, mas sim por causa dos trinta dinheiros de prata que poderá valer o vaso de prata, onde Ele está encerrado. Ele não permitirá que os Anjos O venham salvar.

Que dizer? Ele permite muitas vezes a perpetração deste crime atroz, afim de que as procissões feitas em expiação Lhe tragam um novo tributo de amor. Não sois então, Senhor, um companheiro a Vossas criaturas. Companhia que pelo menos Lhe devia ser grata?

O ar que respiramos perto de Vós não nos basta para infundir em nossos corações vida e alegria? E a minúscula lâmpada que arde diante de Vós, ó Rei do Tabernáculo, sinal da Vossa morada, e outros sinais da Vossa pobreza nazarena, não hão de ser como recordações da casa do Nosso Salvador? Por que, Senhor, permaneceis em meio de nós; por que? Não Vos fazem falta os cantos celestiais? Não Vos fazem falta o incenso dos louvores seráficos, e a multidão de espíritos e almas cuja essência é o mais ardente amor para conVosco? Que posso fazer-Vos que já não Vos tenha feito? Dizia outrora o Senhor. Meu Deus, eu vo-lO não poderia dizer. Desde há muito Vossa misericórdia tem esgotado tudo quanto poderia eu conceber, assim como os abismos dos quais não poderia cogitar jamais; e agora eis estes sofrimentos Eucarísticos, esta vida ao desamparo, esta obediência perseverante, este amor ultrajado, esta abjeção insultada, esta segunda Paixão, quase pior do que a do Calvário. Não tenho senão que repetir conVosco: Que podereis fazer que já não tendes feito?

***

PS: Grifos meus.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

AS VIRTUDES (Belíssimas gravuras)

AS  VIRTUDES

TEOLOGAIS
(Fé, esperança e caridade)


EXPLICAÇÃO DA GRAVURA


CARDEAIS
(Prudência, justiça, fortaleza e temperança)


EXPLICAÇÃO DA GRAVURA


EVANGÉLICAS OU CONSELHOS
(Pobreza voluntária, castidade perpétua,
obediência inteira e humildade cristã)


EXPLICAÇÃO DA GRAVURA


Um pai que não reza

UM PAI QUE NÃO REZA


Ao pé do leito, Pedrinho (quatro anos e meio) faz a sua oração que parece bem comprida.

- Então não acabaste ainda a oração? - pergunta a senhora.
- - responde a criança embaraçada.
- Mas então que estás aí a fazer?

A criança cora e murmura timidamente:

- É que eu faço duas cada noite: a minha e a do Papai; ouvi-o dizer à mamãe que não estava disposto para rezas; faço-a eu por ele.

Precocidade? Sim. E as crianças não têm perspicácias destas que nos desnorteiam?

Ah! esses pais que julgam poder ser incoerentes diante dos filhos! Como eles ignoram as exigências desses cerebrozinhos, desses corações infantis!

E como sabem também os filhos aproveitar-se do que se diz diante deles!

Uma protestante convertida ao catolicismo, Lady Baker, conta no seu livro La Maison de Lumière, como criança ainda, - tinha onze anos aproximadamente, e, claro esta, pertencia como seus pais a Religião Reformada - lhe acontecera surpreender uma conversa entre seu pai e sua mãe. Dizia o pai: "Ouvi hoje um bom sermão; demonstrava-se que as Reformas fora um erro e que a Inglaterra teria passado muito bem sem ela."

"Psiu! interrompe a mãe escandalizada, cuidado que as crianças podem ouvir!".

"Retiraram-se da sala de estudos, escreve Lady Baker, e não ouvimos mais nada. Mas comecei logo a maturar sobre essas estranhas palavras". Nessa mesma tarde, em passeio, pedia ela à criada para entrar numa igreja católica. A partir dessa data germinara nela o desejo de estudar as origens da peseudo-Reforma, e, no caso em que seu pai tivesse dito a verdade, de mudar mais tarde de religião.

Graças a Deus, não perdi o hábito da oração. Mas talvez, por qualquer pretexto, eu não mostre bastante a meus filhos que oro. São efetivamente duas coisas distintas: orar e deixar perceber aos filhos que se ora. Não me basta, pois, orar só para mim. O meu dever de chefe de família é orar em nome da família, diante da família e com a família. É necessário que os meus filhos saibam que o seu pai honra a Deus, e aprendam, a exemplo seu, o grande dever da adoração e do culto. A oração, e da noite pelo menos, deve ser feita em comum.

Em muitos lares onde no fim do dia todos se reúnem para honrar a Deus, é a mãe quem preside à oração, o que mais tarde fará cada filho, por ordem. Melhor seria que fosse o pai. É uma função que lhe pertence, uma função em certo modo sacerdotal, falando num sentido lato...

(Cristo no lar, meditações para pessoas casadas, por Raúl Plus, S.J, tradução de Pe. José Oliveira Dias, S.J. ; 2ª Edição, Livraria Apostolado da Imprensa, 1947, com imprimatur)

PS: Mantenho os grifos do autor.

A arte de estragar as crianças

A ARTE DE ESTRAGAR AS CRIANÇAS


Há dois grandes meios: o mau exemplo e os mimos.

- O mau exemplo. Todos os homens se imitam entre si. As crianças mais do que ninguém estão expostas a macaquear os grandes, e, antes de quaisquer outros, os da sua imediata convivência, sobretudo os pais, que lhes aparecem como seres privilegiados em que nada há de condenável.

A mãe é arrebicada? A filha será vaidosa. Falará, agirá, adornar-se-á, não por ideal de beleza conforme com a sua condição, com a sua posição, mas para que dela se tenha uma opinião levantada, há-de passar adiante de todas as suas companheiras, das amigas, pelo corte ou pela singularidade dos seus vestidos, ligará uma importância considerável, exagerada, a ínfimos pormenores do trajar, despertará crises de terrível ciúme quando se julgar desbancada.

O pai é orgulhoso? Procura acaso encarecer as suas qualidades, rebaixar as dos outros, ou não as querer reconhecer? O rapaz há-de ser presunçoso, desdenhoso, gabarola, pretensioso, arrogante, obstinado, dará mostras de incompreensão com relação aos outros.

Os pais são faladores, questionadores, picantes nas suas palavras? Os filhos hão-de ser intemperados em palavras, bulhentos, ciumentos.

Os pais são fingidos? Os filhos arriscam-se a tornarem-se mentirosos. Há indiscrições nas conversas, julgando-se a torto e a direito as ações alheias? Os filhos, já inclinados a julgarem de tudo do alto da sua grandeza, farão apreciações indiscretas, injustas, inoportunas.

Os pais manifestam gosto pelas comodidades, pela riqueza, ambição até de adquirirem por todos os meios? Os filhos arriscam-se a fazerem-se egoístas, apegados ao bem-estar, e se a ocasião se proporcionar, a serem fraudadores.

2º- Mimos. – Certos pais são demasiados duros, não animam. Outros – é o maior número – são bonacheirões, lisonjeiam os filhos, condescendem com todos os seus caprichos.

Amimar os filhos não é querer-lhes bem, não é amá-los por eles mesmos. É antes um retorno dos pais sobre si mesmos. Buscam-se a si nos filhos. Assim não poderão dar firmeza à educação, nem castigar quando for necessário, nem prevenir extravagâncias, nem fazerem-se obedecer. Deixarão de censurar qualquer fantasia.
Mas se não somos bondosos, a criança foge-nos; nas horas difíceis deixará de desabafar, ficaremos privados das suas confidências. Se, pelo contrário, multiplicarmos as nossas atenções, será sempre franca e teremos mãe nela.

Não se trata de faltar à bondade, trata-se de não ser fraco. Se dois criteriosos firmes, longe de perderdes a confiança dos vossos filhos, mais confiança terão eles ainda, porque sois prudentemente fortes. Se eles vêem que nas provas de afeição que lhes dais não vos buscais a vós mesmos, mas unicamente o bem deles, compreenderão que nas vossas atitudes de severidade não há vestígios de capricho, mas só o interesse deles. É precisamente isso que os educa, esse contato com uma alma forte e desprendida.

(Cristo no lar, meditações para pessoas casadas, por Raúl Plus, S.J, tradução de Pe. José Oliveira Dias, S.J. ; 2ª Edição, Livraria Apostolado da Imprensa, 1947, com imprimatur)

PS: Mantenho os grifos do autor.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Santissimo Sacramento, a vida da Igreja - Comunhão espiritual

SANTÍSSIMO SACRAMENTO
A VIDA DA IGREJA


(O Santíssimo Sacramento ou As obras e vias de Deus
pelo Pe. Frederick William Faber,tradução do inglês pelo
Dr. E.de Barros Pimentel.
Editora Vozes de Petrópolis
edição de 1929)

CONCLUSÃO

COMUNHÃO ESPIRITUAL

Tais são as sete maneiras de considerar a Eucaristia, como Vida da Igreja e como força vivificante. Mas o que acima de tudo realça maravilhosamente a sua grandeza é que uma coisa, que não é mais que sombra do Santíssimo Sacramento, constitua por si só um dos grandes poderes da terra. Refiro-me à Comunhão espiritual que é, propriamente falando, a comunhão dos Anjos. Nada mostra mais admiravelmente falando, a comunhão dos Anjos. Nada mostra mais admiravelmente a influência que esta última exerce junto a Jesus, do que as numerosas ocasiões, nas quais desejo o de comungar se permite à alma de realmente receber a Santa Comunhão, por virtude de algum espantoso milagre. Exemplos de tal já citamos, falando de Santa Catarina de Sena, de outros santos e, principalmente, de Santa Juliana Falconieri, que comungou sem manducarão, tendo-lhe sido a hóstia posta através do peito; sua comunhão foi real, sem ter sido inteiramente espiritual, nem propriamente sacramental; porquanto, para que esta se dê, os Teólogos fazem da manducação a indispensável condição. O Concílio de Trento recomenda aos fiéis a prática da comunhão espiritual e Santo Thomas a explica assim:

Aqueles são considerados haver comungado espiritualmente, que tenham vivo desejo de receber a Santa Eucaristia e comam espiritualmente o corpo de Jesus Cristo, sob as espécies sacramentais”.

De sorte que, segundo faz observar Scaramelli, recebem eles não só Jesus espiritualmente, mas ainda secretamente de um modo espiritual. É assim que o mártir Santo Inácio disse aos Romanos: “Não desejo os prazeres do mundo, mas desejo o pão de Deus, o pão de Deus, o pão do céu, o pão da vida, a carne de Jesus Cristo, Filho do Deus vivo. Anseio por saciar-me desta bebida que é o Seu sangue e que acende em nós um amor incorruptível, dando-nos o penhor da vida eterna”.

Santo Afonso, em seu encantador tratadinho sobre as Visitas ao Santíssimo Sacramento, refere que Nosso Senhor fez ver à Irmã Paula Maresca dois vasos preciosos, um de ouro e outro de prata: no primeiro, se conservavam todas as comunhões sacramentais; e no outro, todas as comunhões espirituais. Joana da Cruz afirmava que recebia muitas vezes na comunhão espiritual as mesmas graças, das quais era cumulada na comunhão sacramental; e, com um suspiro, exclamava:

Ó raro e precioso método de comungar, para o qual não é de necessidade a permissão de um Diretor ou de qualquer outro superior; mas só a Vossa, meu Deus, basta.”

A bem-aventurada Ágata da Cruz era animada de tanto amor pelo SS. Sacramentado, que morreria, segundo se diz, se o seu confessor não lhe tivesse ensinado a prática da comunhão espiritual; e, quando ela a possui, tinha costume de a repetir duzentas vezes em um dia. Surin e Scaramelli afirmam ambos que certas almas recebem graças mais abundantes nas comunhões espirituais do que teriam recebido se houvessem comungado sacramentalmente; sem dúvida, caso como este apresenta-se raramente e, quando acontece, é preciso atribuir-se, como razão, não a ineficiência do Sacramento, mas a falta de fervor entre os homens. Surin, na relação dos favores que ele recebeu após a famosa possessão de Loudum, consagra ás graças que recebeu pelo canal da Eucaristia um capítulo, no qual se encontra a seguinte passagem:

Muitas vezes há acontecido que minha alma tem necessidade tão viva de comer o pão da vida que, em não comungando, a necessidade se tornava tão pungente a tal ponto, não só de comunicar um desânimo ao meu coração, como de me inabilitar para tomar qualquer espécie de alimento. Como o pão e o vinho haviam cessado de ser para mim refresco, via-me forçado a tomar o pão que havia à minha vista e orar a Nosso Senhor de dar-lhe a virtude de me fortificar. Comia então o pão nesta intenção, e notei que tinha ele o mesmo gosto sobrenatural que eu achava na hóstia; e este gosto era tão distinto e tão sensível que não podia duvidar pela força que ele me infundia que fosse Nosso Senhor que, em Sua divina bondade, houvesse atendido ao meu extremo desejo de comungar e que assim nutrisse e satisfizesse minha alma pela virtude do Seu divino corpo, que eu recebia em meu desejo com a mesma plenitude que se tivesse comungado pela mão de um padre”.

Este alimento, diz Santa Catarina de Sena, falando do corpo e do sangue de Nosso Senhor, comunica-nos mais ou menos força, segundo a intensidade do desejo com que o recebemos, qualquer que seja a natureza da nossa comunhão, sacramental ou virtual”.

Depois, ela passa a descrever esta última, que ela chama também comunhão espiritual. Santa Teresa demonstra quanto importa para a alma ficar só em presença de Nosso Senhor e não pensar senão nEle durante o tempo da ação de graças, após a comunhão; e fala da comunhão espiritual de passagem, quando se trata das disposições que havemos de entreter para dignamente recebemos a Nosso Senhor.

Donde é levada a notar que estas disposições sós, sem que seja necessário receber Nosso Senhor Sacramentado, são para nós a fonte de inúmeras graças. Eis como ela se exprime: “Todas às vezes, ó minhas filhas! Que ouvirdes missa e não vos aproximeis da santa mesa, nada vos impede de fazer a comunhão espiritual. É uma prática, da qual se colhem frutos abundantes e preciosos, se vos retirardes imediatamente em vós mesmas, assim como vos aconselheis, quando comungardes sob as espécies sacramentais; pois Nosso Senhor aproveita esta ocasião para difundir o Seu amor nas almas fervorosas. Com efeito, quando nos preparamos para recebê-lO, Ele não falta nunca de se nos dar por diferentes modos, que não nos são dados a conceber”.

Lê-se na vida de Santa Maria Madalena de Pazzi que as religiosas do mosteiro submetidas à sua direção tinham o costume de fazer a comunhão espiritual todas as vezes que a moléstia do padre ou qualquer outro motivo se punha à distribuição quotidiana do Pão Eucarístico. Dava-se pela manhã o sinal do costume, chamando as irmãs à comunhão e, estando todas reunidas, oravam em comum, durante meia hora; depois faziam a comunhão espiritual. Foi numa ocasião dessas que São Maria Madalena recebeu a comunhão pelas mãos de São Alberto do Carmo, depois de haver dito o Confiteor e o Domine non sum dignus, depois de ter cumprido todas as formalidades, que eram de costume quando recebia a Santa Comunhão. Ela declarou posteriormente que havia visto o Santo, sustendo o cibório entre as mãos e indo de uma religiosa à outra e distribuindo o corpo de Jesus Cristo.

Sua larga e veemente caridade fazia-lhe desejar que outras, e principalmente as do seu mosteiro, sentissem grande fome do Pão Eucarístico, isto tanto no interesse da glória de Deus, como no interesse das suas almas.

Conta-se da mesma santa um caso que nos lembra o dom atribuído por João d’Ávila à Santíssima Virgem. Deus, diz o biografo da Santa, concedeu-lhe a graça de ver Jesus entre as irmãs sob várias formas. Ela O via em uma, sob traços de um menino; em outras, Ele aparecia com a idade de doze, ou de trinta ou trinta e três anos; em outras, enfim, sofrendo e crucificado, segundo os desejos, o grau de perfeição ou de capacidade de cada Religiosa. Uma vez, estando em companhia de outras Religiosas, ela relanceou as vistas sobre todas e detendo-as sobre uma pessoa que estava perto, disse-lhe:

Quanto quero a estas irmãs; considero-as como outros tantos tabernáculos do Santíssimo Sacramento, que tantas vezes elas recebem e guardam no seio”.

Uma manhã de Páscoa, enquanto ela estava à mesa, no refeitório, iluminou-se-lhe a fisionomia, de radiante alegria. Uma das suas noviças percebeu-o e, aproximando-se, disse-lhe em confidência: “Minha mãe, donde lhe vem esta alegria?” – “Da beleza da presença divina, porque avisto Jesus, descansando no coração de todas as irmãs. – Sob que forma? - replicou a noviça. – Em toda a glória da Ressurreição, tal como a Igreja a representa hoje.”

Diz-se de Santa Ângela Merici que, quando se lhe proibia a santa comunhão de cada dia, ela supria-a por freqüentes comunhões espirituais na missa, e se sentia por vezes inundada de graças semelhantes às que teria recebido, caso tivesse comungado; por isso deixou à sua ordem como legado precioso uma recomendação fervorosa de não desprezar esta devoção. O Padre Squillante, do oratório de Nápoles, na sua vida da Irmã Maria de Santiago, da Ordem Terceira de São Domingos, nos informa que tal era o amor desta piedosa pessoa ao Santíssimo Sacramento que, afinal, chegara ao extremo de fazer uma comunhão espiritual de cada vez que respirava, de maneira que nela se realizavam as palavras seguintes, de Jeremias: “Sentindo de longe o que ela amava, corria logo após ele, sem que nada a pudesse deter”.

A irmã Francisca das Cinco-Chagas, Religiosa Napolitana da ordem de Alcântara, tinha o hábito de visitar o Santíssimo Sacramento em espírito, quando não lhe era possível ir à igreja. Viam-na muitas vezes elevar-se acima do solo, com os braços estendidos e o rosto voltado para a igreja mais próxima: “Ó meu esposo! Meu divino esposo! Ó Vós, a alegria de todo o coração! Quisera reunir em meu peito os corações de todos os homens para Vos abençoar e Vos amar! Ó meu doce Jesus! Como acontece que esteja eu hoje sem vós? Oh! Mil vezes felizes as línguas que Vos receberam! Felizes as paredes desta igreja, que encerra o meu Salvador! Quanto desejaria que fosse o meu coração uma fornalha ardente, onde ardesse sem cessar o fogo do amor, afim de mais Vos poder amar! Oh, como é digna de inveja a sorte dos Padres junto deste sol de Justiça, junto do meu doce Salvador!”

E ela procurava satisfazer o seu amor por freqüentes comunhões espirituais: era a este remédio que recorria nos momentos de sequidão e desolação. Mas, não era raro que suas comunhões espirituais se transformassem em comunhões sacramentais; pois São Rafael, que era o seu Anjo da Guarda, lhe dava a comunhão, do mesmo modo que a Bem-aventurada Benevenuta a recebia de São Gabriel. Por vezes, celebrando a missa, o Padre Bianchi, Religioso Barnabita, viu que lhe arrancava o cálice uma mão invisível (era de São Rafael), que em seguida lh’o restituía.

Em certa circunstância, o precioso sangue havia mais que de metade desaparecido; e Francisca disse ao Padre: “Ó meu Pai, sem a intervenção de São Rafael que me recomendou o deixasse afim de que pudesse consumar o sacrifício, eu teria esgotado o cálice!”

Lê-se na Vida de uma Dama Romana, Maria Scholastica Muratori, pelo Padre Gabrielli, do Oratório de Bologna, que ela se esforçava por fazer comunhão espiritual todas as vezes que respirava ou levantava os olhos, de modo que, dizia ela, se viesse a morrer de repente, eu morreria aspirando meu Deus. Outra das suas práticas consistia em fazer comunhão espiritual em dada forma, quando via na igreja alguém que recebia a comunhão.

Que deve a realidade, quando a sombra possui tal poder? Se tivéssemos estado na Galiléia com Jesus, Ele haveria de ter sido tudo para nós, em todos, quando conhecêssemos a Sua Divindade. Seria Ele o nosso primeiro pensamento, desde manhã, ao acordarmos, até à tarde, o nosso último, ao adormecermos. É o que Ele foi para a Sua Mãe; é o que é ainda para a Sua Igreja; enfim, o que deverá ser para nós, na terra; como o é para os bem-aventurados no céu.

Às vezes, parece-nos que sondamos o abismo de caridade, de que é o Santíssimo Sacramento fiel representação; e sentimo-nos inundados de alegria, de amor e de adoração.

Ficamos incapazes de orar, mas o nosso próprio silêncio já é uma prece. O louvor emudece em nossos lábios. Mas a nossa alma toda se transformou em um cântico de louvores.

Já começam a escorrer nos olhos lágrimas ardentes, ah, quando o mundo nos envia ao coração um ligeiro sussurro, o eu se recolhe todo sobre si e, de repente, apaga-se a luz. Mas no céu não será assim. Ah, se tivéssemos já alcançado aquelas margens benditas, fosse-nos permitido gozar, pela primeira vez, da vista de Jesus sem véus. Jesus, que é o penhor beatífico da nossa boa vinda na nossa verdadeira e eterna Pátria.

PS: Ver a seqüência de posts deste especial AQUI.
PS 2: Grifos meus.

Aos devotos de Santo Estevão

AOS DEVOTOS DE SANTO ESTEVÃO

(Santo Estevão, primeiro mártir)

Vejo os Céus abertos e Jesus de pé,
à direita do poder de Deus; recebei,
Senhor Jesus, o meu espírito e não lhes imputeis este pecado.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Um santo Natal

Desejo a todos os leitores amigos do blogue um santo Natal.
Recebamos alegremente o Menino-Deus em nossos corações!

Viva Jesus!!!

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EL ROCÍO
DIVINO O LA LECHE
VIRGINAL

Envuelto en luz de amor,
en el blando regazo de tu Madre,
¡oh, mi dulce Jesús!, te muestras a mis ojos, radiante de amor.
El amor: misteriosa razón
que te alejó de tu mansión celeste y te trajo al destierro.
Deja que yo me esconda bajo el velo
que a la humana mirada te disfraza.
Solamente a tu lado, ¡oh Estrella Matutina!,
mi corazón pregusta un avance del Cielo.

Cuando al nacer de cada nueva aurora
aparecen del sol los rayos de oro,
la tierna flor que empieza a abrir su cáliz
espera de lo alto un bálsamo precioso:
la rutilante perla matutina,
misteriosa y henchida de frescura,
es la que, produciendo rica savia,
hace abrirse a la flor muy lentamente.

Tú eres, Jesús, la flor que acaba de entreabrirse,
contemplando aquí estoy tu despertar primero.
Tú eres, Jesús, la encantadora rosa,
el capullito fresco, gracioso y encarnado.

Los purísimos brazos de tu Madre querida
son para ti tu cuna y trono real.
Es tu sol dulce el seno de María,
tu rocío, la leche virginal.

Divino Amado y hermanito mío,
columbro en tu mirada tu futuro:
¡pronto a tu Madre dejarás por mí,
pues ya el amor te empuja al sufrimiento!
Pero sobre la Cruz, ¡oh flor abierta!,
reconozco tu aroma matinal,
reconozco las perlas de María:
¡es tu Sangre la Leche Virginal!

Este rocío se esconde en el santuario,
hasta el Ángel quisiera poder beber de él:
al ofrecer a Dios su plegaria sublime,
como San Juan repite: «¡Hele aquí!».

¡Oh sí!, miradle, aquí a este Verbo hecho Hostia,
eterno Sacerdote, sacerdotal Cordero.
El que es Hijo de Dios es hijo de María…
¡Se ha hecho Pan de los Ángeles la Leche Virginal!

El Serafín se nutre de la gloria,
del puro amor y del perfecto gozo;
yo, pobre y débil niña, sólo veo
en el copón sagrado
de la leche el color y la figura.

Mas le leche es un bien para la infancia.
Del Corazón divino el amor no halla igual…
¡Oh tierno amor, potencia incalculable!
¡Mi Hostia blanca es la Leche Virginal!
(Santa Teresita del Niño Jesús y de la Santa Faz)

LES DESEO UNA MUY SANTA Y FELIZ NAVIDAD
Con mis oraciones y mi bendición
Pater Ceriani

Ut adveniat Regnum tuum adveniat Regnum Mariae

(Retirado do blogue: Radio Cristiandad)

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O salmo das novas mães

O SALMO DAS NOVAS MÃES


Certa mãe ainda nova – toda ela dada ao seu mister de mãe, e ao mesmo tempo boa artista, teve a idéia de comparar a sua missão com a de “suas irmãs do claustro”. Entre a barrela, a panela e o seu último berço, tentou ela compor “O salmo das novas mães”. Publicou-o um número das revistas do “Mariage chrétien” (Novembro de 1938).

Muito amor, muito frescor. Qualquer mãe se verá aí retratada.
Eis algumas passagens:

“Ó meu Deus, como nossas irmãs do claustro,
Nós deixamos tudo por Vós,
Não encarceramos dentro da alvura duma touca e sob um véu, a juventude do nosso rosto,
E, se acaso cortamos os cabelos, não foi em espírito de penitência...
Dignai-Vos, contudo, Senhor, lançar um olhar de complacência
Sobre os humildes e pequeninos sacrifícios
Que Vos oferecemos no longo decorrer do dia,
Desde que a nossa carne lamuriante deu a vida a todos estes cristãos pequeninos
Que para Vós educamos.

A nossa liberdade, ó meu Deus, está nas mãos desses tiranos que a toda a hora gritam por nós:
A casa torna-se o nosso claustro.
A nossa vida tem sua regra, imutável,
E cada dia o seu ofício, sempre o mesmo:
A hora das toilettes e dos passeios,
A hora dos biberões e as horas de aula.
Presas assim às mil pequeninas exigências da vida,
Desprendidas, à força, a todo o instante da nossa vontade própria,
Vivemos na obediência.
Nem sequer a nossa noite nos pertence.

Também nós temos o nosso ofício noturno,
Quando temos de nos levantar depressa, depressa, para um filho doente,
Ou quando, entre meia-noite e duas horas,
Em pleno sono, de que tanta necessidade temos,
Um chantrezinho intempestivo
Canta Matinas...

Vivemos quase retiradas do mundo:
Há tanto que fazer em casa.
Nada de saídas, aliás, sem que junto das crianças fique postada uma guarda fiel.
E medimos parcimoniosamente o tempo das visitas.
Não temos, ó meu Deus, irmãs conversas.
E quando em casa a crise do serviço nos afoga,
Temos de varrer, de lavar a louça, de raspar as cenouras para a panela, fazer um purê bem polidinho e desembaraçar-nos sem demora,
Entre o quarto das crianças e a cozinha.

Fazemos grandes barrelas, esfregamos e lavamos
Aventais e camisas, meias e camisolas,
E a roupa das crianças.
Por este caminho de sacrifício, ah! Vinde em nosso auxílio, Jesus!

(Cristo no lar, meditações para pessoas casadas, por Raúl Plus, S.J, tradução de Pe. José Oliveira Dias, S.J. ; 2ª Edição, Livraria Apostolado da Imprensa, 1947, com imprimatur)

Obras de misericórdia

OBRAS DE MISERICÓRDIA

OBRAS CORPORAIS

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EXPLICAÇÃO DA GRAVURA


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OBRAS ESPIRITUAIS

(Clique nela para ampliá-la)


EXPLICAÇÃO DA GRAVURA


Nasce o Menino Deus

NASCE O MENINO DEUS


"Ele sai como feixe de luz, como uma réstia de sol:
Sua Mãe pasma de O ver aparecer de repente"
(Bossuet)

Os santos esposos permaneceram em Belém por algum tempo e residiam ainda naquela gruta dos arredores da cidade de Davi, quando se completaram os dias de Maria...

Enquanto a cidade dormia, esquecida das labutas diárias, veio ao mundo Aquele por quem foram feitas todas as coisas. O Deus infinito das alturas aniquilou-Se, tornou-Se homem no seio da Virgem, para nos salvar da culpa... Quis ser nosso irmão, revestir-Se de nossa carne, sofrer as nossas dores, vestir as nossas misérias, para que por Ele aprendêssemos a conquistar o Céu e divinizássemos o nosso corpo pela pureza de vida, à Sua imitação.

Jesus escolheu por berço a manjedoura, por teto a gruta, abrigo de animais, bem longe dos palácios reais e das ricas moradas dos grandes senhores.

Em verdade o Rei dos reis em simplicidade e pobreza rivalizou com os mais pobres da terra.

Não teve onde recostar a cabeça. Sim. Mas se Lhe faltou o delicado berço do filho dos homens, teve por Mãe a mais pura das virgens.

Na silente noite de Natal nasceu Jesus de uma Virgem.

Eis como ocorreu o fato:

José saíra à cata de agasalho para o divino Infante. Nossa Senhora preparou algumas faixas, ajeitou um pouco de palha, entrou em êxtase de recolhimento e amor e, de repente, radiante de felicidade apertou nos braços o Menino. Era o Filho de Maria!... Deixou o seio materno sem macular a virginal morada. Veio como os raios de sol que atravessam o cristal, fazendo transparecer-lhe a limpidez suave; veio como a luz que alumia e atravessa o tranqüilo seio das águas da cristalina fonte. O Filho não À maculou, mas antes, Jesus dignificou-A, elevando-A à mais alta das dignidades que pode imaginar-se: Fê-la Rainha dos anjos e dos homens, protótipo imaculado das virgens e primoroso modelo das mães.

E o Evangelista registrou singelamente o maior dentre os fastos da História da Humanidade.

"Aquele que foi concebido do Espírito Santo... nasceu da Virgem Maria... e o Verbo se fez carne e habitou entre nós".

Os maiores gênios da oratória assim como os maravilhosos cultores das letras de todas as idades nada mais disseram. Emudeceram ante a grandiosidade do acontecimento.

Bossuet, o admirável orador francês que possuía o dom e a inspiração dos gigantes, contentou-se apenas com estas palavras: "Ele sai como feixe de luz, como uma réstia de sol: Sua Mãe pasma de O ver aparecer de repente".

Maria estreitou-O nos braços, apertou-O aos seios e dos olhos brotaram-Lhe duas pérolas: Eram lágrimas de comoção.

Depois, tomando o recém-nascido, veste-O com roupinhas que Sua delicada mão fizera no sossego de Nazaré.

Assim, veio ao mundo o Salvador.

(Maria, a flor entre os espinhos, por Ângelo Antônio Dallegrave, 2ª Edição, Editora Paulinas, ano de 1958, com imprimatur)

PS: Grifos meus.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A EDUCAÇÃO SOBRENATURAL

A EDUCAÇÃO SOBRENATURAL
 

XIV - A EXTENSÃO DA VIDA SOBRENATURAL

Qual é a divisão deste capítulo?
- A vocação em geral (art. I);
- a vocação religiosa e sacerdotal (art. II);
- a vocação para a vida cristã no mundo (art. III).

Artigo I - A vocação em geral
"Ninguém escapa à sua vocação. Está em nós desde o instante em que, pelo nosso primeiro grito, à entrada no mundo, dizemos: Presente!"
(Heeri Lavedan, Bom ano, mau ano, 7ª série, p. 278)

Que é a vocação?
A vocação é o chamamento de Deus.
Este chamamento é multiforme:

- Como cristãos, somos todos chamados à perfeição e à salvação neste mundo e à felicidade eterna no outro: é a vocação geral.

- Como homens e como cristãos, para nos ajudarmos a atingir o fim natural e o fim sobrenatural da existência, somos chamados a esta ou àquela função especial, a uma ou outra situação, a um certo gênero de vida: é a vocação particular. Não nos ocupamos aqui senão desta última.

Quais são os princípios que esclarecem a questão?
- Deus é autor da sociedade.
"Formou-a de condições variadas, de estados diferentes, cuja reunião compôs um todo harmonioso, que corresponde às necessidades de todos e de cada um."
(Mgr.Pichenot, ob. cit., p. 331)
- Deus, que nada faz inútil, que não se arreda no caminho, destina e chama os homens a ocupar os diversos estados, cujo conjunto constitui a sociedade e é necessário ao seu bom funcionamento.

- Deus, que proporciona os meios ao fim, distribui os Seus dons segundo o destino de cada um.
"Reparte os talentos, os atrativos, as qualidades próprias ao estado que nos destina. Prepara-nos também as graças, as luzes, os socorros próprios deste estado para nos fazer vencer as dificuldades, evitar os perigos e cumprir todos os deveres."
(Mgr. Pichenot, ob. cit., p. 331)

Qual é a conseqüência prática que deriva destes princípios?
É que é da primeira e máxima importância abraçar o estado a que somos chamados:
"Porque é aí, e ai somente, que os nossos gostos serão satisfeitos, os nossos meios utilizados, as nossas aptidões exercidas com proveito; e temos a certeza de encontrar todos os recursos que nos serão necessários."
(Pichenot, ob. cit., p. 331)
Quais são os meios a tomar para cada um chegar a conhecer a sua vocação?
Há três principais:

- Recorrer a Deus pela oração.

Foi Deus que escolheu o estado que devemos abraçar; é Ele só que no-lo pode fazer conhecer; daí a obrigação de O consultarmos. É preciso orar com retidão, com docilidade, com recolhimento.

2º- Dirigir-se àqueles que estão no lugar de Deus, quer dizer, primeiramente aos pais; em geral, ninguém se deve afastar da sua maneira de ver; depois ao diretor, que tem a graça de estado para explicar e resolver o problema, com a condição de lhe ser exposto singelamente em todos os seus aspectos.

3º- Estudar-se e consultar-se a si mesmo. Deus, que proporciona os meios ao fim, estabeleceu uma harmonia entre o destino, duma parte, e os gostos, as aptidões e o caráter, de outra parte. Pertence ao homem pesar todas estas coisas, estudando-se e consultando-se a si mesmo, á luz da razão e da fé.

Quantas espécies há de vocações?
Há duas espécies principais de vocação: a vocação que consagra a vida ao serviço de Deus; e a vocação para a vida cristã no mundo.

A vocação para o serviço de Deus é susceptível de três formas:

- A vocação religiosa acrescida da vocação para o estado eclesiástico: é a dos religiosos padres.

- A vocação religiosa sem a vocação para o estado eclesiástico: é a das religiosas e a dos religiosos não padres.

- A vocação para o estado eclesiástico sem a vocação religiosa: é a do clero secular.

A vocação para a vida cristã no mundo considera ordinariamente como normal o casamento e a escolha dum emprego, duma situação, duma profissão manual ou liberal.

Artigo II - A vocação religiosa e sacerdotal 
"Se a graça duma vocação sacerdotal bafejar o vosso filho, se a graça da vocação religiosa bafejar a vossa filha... deixai soprar a graça, e, como Maria, humilde escrava, dizei o Ângelus da submissão".
(E. Julien, Do berço à escola, p.105)

Como devem encarar os pais a vocação religiosa e sacerdotal?
1º- Devem considerá-la como uma honra.
Com efeito, a Igreja sempre tem preferido a virgindade cristã ou o celibato religioso ao casamento.
"Se alguém sustentar que o estado de matrimônio deve ser preferido ao estado da virgindade ou do celibato, e que não é melhor nem mais santo permanecer no estado de virgindade ou do celibato do que entrar no estado do matrimônio: seja anátema".
(Concílio de Trento, Sess. XXIV, can. 10)

- Devem considerá-la como uma graça ou, antes, como uma série ininterrupta de graças maravilhosas, que se atraem umas às outras, pelo jogo sobrenatural dos votos formulados, e pela fecundidade das funções cumpridas. Uma mãe de família, uma verdadeira cristã, escrevia há pouco tempo, falando de sua filha, que partia para o noviciado:
"Quando considero a delicadeza do seu coração, a elevação da sua alma, e tantas qualidades admiráveis com que Deus a enriqueceu, sinto que me seria bem duro entregar a um homem semelhante tesouro. Jesus Cristo será o seu esposo: eu O bendigo". 
Eis aí a linguagem da fé.

3º- Devem considerá-la uma fonte de graça para eles mesmos. Deus, com efeito, nunca Se deixa vencer em generosidade; e a esse pai e a essa mãe, que lhe sacrificaram o que tinham de mais caro, Ele reserva favores escolhidos, cujos benefícios sentem durante a vida e, sobretudo à hora da morte.

Entre todas as graças, a mais preciosa, a mais desejável é, evidentemente, a graça duma boa morte.
"É um fato comprovado pela experiência: os pais que oferecem generosamente os seus filhos para o serviço de Deus, têm, geralmente, uma morte santa. É esta a regra geral é, que eu saiba, não apresenta exceções".
(Charruau, Às mães, p. 269 e 364) 
O pai e a mãe têm o direito de impedir os seus filhos de seguirem a sua vocação?
Não, mil vezes não.

Efetivamente, as crianças pertencem a Deus antes de pertencerem a seus pais; e seria uma verdadeira usurpação, cometida em prejuízo dos direitos do Criador, oporem-se ao chamamento divino.

E, se Jesus, na idade de doze anos, faz chorar de inquietação a mais santa de todas as mães, quando Lhe teria sido tão fácil adverti-lA dos Seus desígnios,
"foi para dar a vosso filho a coragem de vos ver chorar, e a vós, sua mãe, a de oferecê-lo generosamente".
(Charruau, Às mães, p. 269 e 364)

Os pais têm o direito de experimentar a vocação de seus filhos?
Sim, os pais têm o direito de experimentar a vocação de seus filhos, para saber se verdadeiramente vem de Deus, porque, até nisto, pode haver engano.

Que qualidades deve ter esta prova para ser legítima?
1º- Deve ser sincera.
2º- Deve ser esclarecida.

Que se deve entender por estas palavras: A prova deve ser sincera?
Deve entender-se que a prova não deve servir de pretexto a nenhuma tentativa de aniquilamento da vocação.

Têm-se visto pais que, sob o pretexto de examinar a vocação de seus filhos, contrariam a piedade e suprimem os melhores exercícios. Outros pedem conselhos, até que hajam obtido uma aprovação do seu olhar interesseiro. Outros impelem-nos para os prazeres e para as distrações do mundo. Outros, enfim, o que é raro, levam-nos pelos caminhos do vício.

São manobras desleais e criminosas.

Que significa estas palavras: A prova deve ser esclarecida?
Estas palavras significam que os pais, que usam do direito de experimentar a vocação de seus filhos, não devem deixar-se influenciar pelas fórmulas especiosas que infiltrem no seu espírito, nem pelos temores quiméricos que atormentem o seu coração.

Quais são as fórmulas especiosas cuja aplicação poderia prejudicar a prova da vocação?
Há quatro principais:

- Se a vocação é sincera, resistirá a tudo;
- a criança é vítima duma ilusão: os pais devem defendê-la de si mesma;
3º- o meu filho, a minha filha faziam bem melhor, se ficassem no mundo;
- eu admitiria uma Ordem ativa; mas uma Ordem contemplativa!... Pra quê?

Que responder à fórmula: "Se a vocação é sincera, resistirá a tudo"?
O seguinte:
"Que diríes do pai de família que fizesse este raciocínio: Mandei deitar o meu filho num quarto muito úmido. É verdade que, passado algum tempo, tossia um pouco. A princípio, isso inquietou-me; mas consultei um médico muito afamado, que me disse que não havia nisso perigo algum. Se seu filho tiver um peito robusto, disse-me ele, não há nada a temer da umidade; se esse jovem perdesse o vigor nesse quarto doentio, é porque a sua constituição deixaria muito a desejar. Aqui não há meio termo; e procederá prudentemente, obrigando-o a dormir nesta espécie de cave. A unidade é justamente a pedra de toque das constituições fortes e sólidas. Após esta experiência, saberá o que tem a fazer."
(Charruau, p. 274)
É luminoso, convincente, peremptório.

Que responder à fórmula: "A criança é vítima duma ilusão"?
Isto diz-se quando um jovem ou uma donzela pedem para entrar num noviciado onde poderão, durante um não, dezoito meses, ou dois anos, estudar de novo, em plena liberdade, uma vocação já provada.

E, quando se trata de casamento, deixa-se, sem escrúpulos, prender por toda a vida uma menina de dezoito anos, que se fia na palavra dum jovem, que ela apenas conhece há dois meses!

Onde está a precipitação?
E quem está em risco de ser vítima de ilusões?

Que responder à fórmula: "O meu filho e a minha filha farão maior soma de bem no mundo; são precisos bons pais e boas mães de família; e depois há tantas obras a sustentar, tantos apostolados a exercer... etc."?
A questão está mal posta.

Não se trata dum bem problemático que se possa fazer aqui ou acolá. Trata-se da vontade de Deus. Qual é a vontade de Deus? Eis a questão. E não é lógico sofismá-la.

Que responder à fórmula: "Admitia uma Ordem ativa, mas uma Ordem contemplativa!... Pra quê"?
Sem querer examinar largamente a questão da excelência relativa das diferentes Ordens religiosas, notemos somente alguns elementos para responder:

1º- Na narração de São Lucas (Cf. Luc. X, 38-42), de que a Igreja tirou o Evangelho para a Missa da Assunção, Marta é a vida ativa; Maria é a vida contemplativa. E Nosso Senhor diz: Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada.

2º- Tem-se dito: Santa Teresa salvou tantas almas, orando e sacrificando-se no seu mosteiro, como São Francisco Xavier, evangelizando reinos inteiros.

- A Santíssima Virgem, silenciosa e meditativa em Nazaré, foi, por isso, inútil à salvação dos homens? Os trinta anos de vida oculta de Nosso Senhor terão menos valor, para a redenção do mundo, do que os três anos da vida pública?

Quais são os temores quiméricos que assustam o coração de certos pais, perante a vocação religiosa de seus filhos?

- A desonra da família;
2º- a infelicidade do filho;
- o esquecimento a que o eleito de Deus votará seus pais.

A família pode, seriamente, considerar como uma desonra dar um dos seus membros ao serviço imediato e pessoal de Deus?
Seriamente, mão; mas há meios de tal modo infectados pelo espírito do mundo, que neles parece considerar-se como uma desonra o que é sobrenaturalmente uma glória, e como uma humilhação o que, cristãmente falando, é um prestígio e uma dignidade.

Em que é quimérico o temor da infelicidade da criança consagrada ao serviço de Deus?
Em que este temor não tem nenhum fundamento. Nada iguala, pelo contrário, a graça que Deus concede àqueles em que Ele desperta uma verdadeira vocação religiosa; é a felicidade na terra para obter a felicidade no céu.

E São Paulo, inspirado por Deus, diz claramente: "Se casardes a vossa filha, fareis bem; mas se a não casardes, fareis muito melhor". (I Cor., VII, 88)

Que vale o temor que têm certos pais de se verem esquecidos pelo eleito de Deus? 
"É uma calúnia absurda acusar a vida religiosa de egoísmo. Ela não destrói o coração: pelo contrário dilata-o, eleva-o, purifica-o; e em lugar dum amor natural e terrestre, que se ama a si mesmo, enche-o dum amor todo espiritual e todo divino que só ama a Deus e a salvação das almas. A vossa filha pedirá por vós, será o anjo da guarda da família, o pára-raios da casa paterna. Não, não é verdade que a graça destrua a natureza, e que a castidade enfraqueça a sensibilidade: ela consagra-a e eterniza-a. Quantas piedosas afeições, desenvolvidas ou mesmo nascidas à sombra dos claustros, e que o lar doméstico não conhece!

Recordai-vos da Mãe de Chantal, a jovem baronesa de Thorens. Recordai-vos de Santa Paula, acompanhando o ataúde da filha, chorando copiosamente. Julgavam que morreria, e o velho São Jerônimo não sabia o que fazer para a consolar. Nunca uma mulher pagã chorou tanto os seus filhos, diziam os pagãos."
(Mgr. Pichenot)
(Catecismo da educação pelo Abade René de Bethléem, Livraria Figueirinhas, Porto, continua com o post: A vocação para a vida cristã no mundo)

PS: Grifos meus.