sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Vaidade sobre vaidade


Vaidade é a nobreza do sangue, pois todos os homens são do mesmo barro da Adão, todos os convertem na mesma cinza da sepultura e, em estando desacompanhados dos aparatos da fortuna, logo se desconhece a diferença. Vaidade é a presunção das letras, pois o maior sábio do mundo de boa mente trocará a parte que sabe pela que ignora, e isso mesmo que sabe, quase tudo está reduzido a opiniões e muitas vezes se engana até nas coisas que traz entre mãos e debaixo dos sentidos.

Vaidade é o que o mundo chama honra, fama ou crédito, pois depende da opinião dos outros que a dão ou tiram justa ou iniqüamente, como lhes parece, e em um momento apenas há lembrança do homem mais afamado. Vaidade é a gentileza, pois qualquer injúria do tempo a murcha como flor e, aos toques de um humor destemperado, estala como vidro.

Vaidade são as amizades dos mundanos, pois na verdade cada um se ama a si e uns contemporizam com os outros, levando o sentido na própria comodidade.

Ô quanta vaidade há nas riquezas, gostos, e dignidade; nos edifícios, trajos e costumes; nos palácios, tribunais e universidades e ainda nos lugares onde parece que só moravam a piedade, o desengano, a penitência e a imitação de Cristo!

Enfim, tudo é vaidade e assim como no mar não há outra coisa senão ondas que sucedem a ondas e todas se desfazem em espuma, assim no mar do século não há senão vaidade sobre vaidade e tudo se torna em vaidade. Et totum vanitas.

(Exercício II – Das misérias da vida – Padre Manuel Bernardes - I –243)
PS: grifos meus