sábado, 5 de setembro de 2009

Como se deixa o divíno amor pelo das criaturas

Se nós não nos divertíssemos na vaidade dos prazeres caducos, e sobretudo na complacência do nosso amor-próprio, mas, tendo uma vez a caridade, fôssemos cuidadosos de seguir o caminho que ela nos leva, jamais as sugestões e tentações nos empolgariam. Mas, por isso que, somos seduzidos e iludidos pela nossa própria estima, nós nos volvemos sobre nós mesmos e entretemos de mais os nossos espíritos por entre as garras dos nossos inimigos que nos carregam e nos devoram.

Se conservássemos vivamente atenta ao seu dever a nossa fé, que sabe discernir entre os verdadeiros bens que se devem perseguir e os falsos que se devem rejeitar, certamente ela serviria de sentinela segura à caridade, e lhe daria aviso do mal que se aproxima da alma a pretexto do bem, e logo a caridade o repeliria. Mas, por isso que ordinàriamente nós mantemos nossa fé ou adormecida, ou menos atenta do que seria de mister para a conservação da nossa caridade, somos tão amiúde surpreendidos pela tentação, que esta seduz nossos sentidos.
Porquanto, assim também o amor-próprio, achando nossa fé fora de atenção e sonolenta, apresenta-nos bens vãos, mas aparentes, seduz os nossos sentidos, a nossa imaginação e as faculdades de nossas almas, e força de tal arte os nossos livres arbítrios que os conduz à inteira revolta contra o santo amor de Deus; o qual então, sai do nosso coração com toda a sua comitiva, isto é, com os dons do Espírito Santo e as outras virtudes celestes, e não fica mais na Jerusalém de nossa alma nenhuma virtude, senão, o dom da fé, que nos pode fazer ver as coisas eternas, com seu exercício, e ainda, o dom da esperança, com sua ação, mantendo em nós o título de cristão que nos é adquirido pelo batismo.

Que lastimável espetáculo para os anjos de paz verem assim sair de nossas almas pecadoras o Divíno Espírito Santo e seu amor! Oh! de certo eu creio que, se eles pudessem então chorar, derramariam lágrimas infinitas, e com voz lúgubre, lamentando a nossa desdita, cantariam o triste cântico que Jeremias entoou quando, sentado à porta do templo de Sedecias: Ah! como vejo desolada esta cidade dantes repleta de povo, de bem e de honra, e agora séde de horror! ( Lam1,1).
(Tratado do amor de Deus - São Francisco de Sales)


PS: Grifos meus