sábado, 29 de agosto de 2009

Ó morte amorosamente vital! Ó amor vitalmente mortal!

"Morte a mais nobre de todas, e devida por conseguinte à mais nobre vida que já houve entre as criaturas, morte da qual os próprios anjos desejariam morrer, se de morte fossem capazes.

 
A fênix, como dizem, estando muito envelhecida, ajunta no alto de uma montanha uma quantidade de madeiras aromáticas sobre as quais, como sobre seu leito de honra, vai findar os seus dias; porque, quando o sol no forte do meio-dia deita seus raios mais ardentes, essa ave toda única, para contribuir para o ardor do sol com um acréscimo de ação, não o cessa de bater as asas sobre a sua fogueira até que a tenha feito fogo, e, ardendo com ela, consome-se e morre entre as suas chamas olorosas.

Assim, também, a Virgem Mãe, tendo reunido em seu espírito, por uma vida e contínua memória, todos os mistérios mais amáveis da vida e morte de seu Filho, e recebendo sempre diretamente, por entre isso, as mais ardentes inspirações que seu Filho, Sol de justiça, lançasse sobre os humanos no mais forte do meio-dia da sua caridade, e depois, ademais, fazendo também de seu lado um perpétuo movimento de contemplação, afinal o fogo sagrado do divino amor consumiu-a toda como um holocausto de suavidade, de sorte que ela morreu disso, sendo sua alma toda arroubada e transportada nos braços de dileção de seu Filho.

Ó morte amorosamente vital! Ó amor vitalmente mortal!

Vários amantes sagrados estiveram presentes à morte do Salvador, entre os quais os que tiveram mais amor tiveram mais dor ; porém a doce Mãe, que mais do que todos amava, mas do que todos foi transpassada pela espada de dor ( Lc 2,35). A dor do Filho foi então uma espada cortante que passou através do coração da mãe, visto que aquele coração de mãe estava colado, junto e unido a seu Filho com uma união tão perfeita, que nada podia ferir um sem ferir também vivamente o outro.
 
Ora, sendo assim ferido de amor, aquele peito materno não somente não procurou a cura da sua ferida, porém amou a sua ferida mais do que toda cura, guardando caramente as setas de dor que recebera, por causa do amor que lhas desferira no coração, e desejando contínuamente morrer delas, já que morrera seu Filho, que, como diz toda a Escritura sagrada e todos os doutores, morreu entre as chamas da caridade, holocausto perfeito por todos os pecados do mundo."

(Tratado do amor de Deus - São Francisco de Sales - Livro sétimo - Capítulo XIII - Que a sacratíssima Virgem Mãe de Deus morreu de amor a seu Filho - pág. 384)
PS: Grifos meus